Estudo com fósseis de pólens remonta mudanças climáticas de 115 milhões de anos atrás

Acabamos de publicar na revista “Scientific Reports”, do grupo Nature, um importante estudo sobre mudanças climáticas, remontando o Norte, o Nordeste e o Sudeste do Brasil durante o Aptiano (Cretáceo). Foi comprovado pela primeira vez para a ciência a associação entre a expansão da diversidade de plantas e de ecossistemas com o aumento de umidade e a presença da zona de convergência intertropical, que é um dos sistemas meteorológicos mais relevantes no planeta atualmente. Para isso, foram realizadas análises em 555 amostras com 79 mil grãos de pólens e esporos fossilizados.

Grãos de pólens fossilizados de 115 milhões de anos: planta aquática, samambaia, angiosperma tropical, terras altas e xerófita

Com a liderança do professor do Departamento de Geologia e Paleontologia do Museu Nacional/UFRJ, Marcelo de Araujo Carvalho, ele foi realizado por meio de um convênio com o Centro de Pesquisa da Petrobras. “Esse estudo nos permitiu aprofundar os conhecimentos sobre como aconteciam as mudanças climáticas no passado. O Aptiano (Cretáceo) é conhecido por ter sido quente e árido na América do Sul, especialmente no Norte e Nordeste do Brasil, mas nem sempre foi assim. Tivemos transformações importantes no planeta, tendo dois fatores fundamentais para essa elevação da umidade. Um é o surgimento do Oceano Atlântico Sul, quando os continentes africano e sulamericano se separaram, com alterações das correntes marítimas. E o outro é a interferência da zona de convergência intertropical no clima, na região equatorial”, resume o paleontólogo, que é o coordenador do Laboratório de Paleoecologia Vegetal (LAPAV) do Museu.

Ele explica que essa zona de convergência atualmente tem um deslocamento norte-sul da Linha do Equador, dependendo da época do ano, interferindo diretamente no clima. Quando a zona de convergência está mais ao norte, entre agosto e setembro, o clima nas regiões Norte e Nordeste torna-se mais seco. Estudos recentes mostram que devido ao aquecimento global, a zona de convergência permanece por mais tempo durante o seu deslocamento ao norte e cria um processo ainda mais severo de aridez. Isso envolve questões como a de segurança alimentar, sendo importante conhecer esse passado distante para buscar entender os impactos das mudanças do clima no futuro. Esse estudo evidencia que essa zona de convergência atuou na distribuição da vegetação, pelo aumento da umidade. Além das mudanças climáticas, esses resultados trazem inovações por meio de um entrelaçamento de conhecimentos científicos, como botânica, palinologia, geologia.

Após o aumento de umidade, a paisagem das áreas costeiras pode ter sido como nessa reconstituição artística

Os microfósseis foram coletados pela equipe do Centro de Pesquisas, Desenvolvimento e Inovação da Petrobras (CENPES) em oito bacias sedimentares dos estados do Pará, Maranhão, Ceará, Rio Grande do Norte, Sergipe e Espírito Santo. “A quantidade pode parecer grande, mas esses 79 mil grãos foram extraídos de 555 amostras de rochas. Lembrando que os pólens são espalhados na natureza em uma quantidade absurda. A Petrobras trabalha há muitos anos com isso, e nós também, inclusive na Antártica, por exemplo, onde coletamos esses microfósseis no que chamamos de afloramentos, que popularmente chamamos de barranco”, explica o professor Marcelo.

Na prática, a Petrobras, quando faz um poço, retira a rocha e, nela, é colocada uma preparação química que recupera e extrai do sedimento os microfósseis, entre eles os grãos de pólens e esporos, que podem determinar o tipo de planta. Pelo acordo, a Petrobras empresta as lâminas já prontas, que já passaram pela preparação química.

Professor Marcelo Carvalho, coordenador do Laboratório de Paleoecologia Vegetal (LAPAV) do Museu Nacional/UFRJ

Esse estudo foi iniciado antes de setembro de 2018, então grande parte das amostras e os equipamentos foram perdidos no fatídico incêndio. Prontamente, foram disponibilizados o que eles precisavam para prosseguirem com a pesquisa. Na pandemia, os equipamentos ficaram nas casas dos pesquisadores e, assim, conseguiram cumprir o prazo de conclusão.

Convênio entre o DGP e a Petrobras

Cabe informar a todo nosso corpo social, como funciona esse tipo de parceria entre o Museu Nacional/UFRJ e o CENPES da Petrobras. Resumidamente, as empresas de petróleo devem dedicar um percentual de seus lucros às universidades, e a Petrobras criou diferentes redes temáticas ligadas ao petróleo e ao meio ambiente, investindo nas universidades. “Os recursos do nosso projeto vêm dessas redes temáticas, onde montamos uma equipe que precisa estar vinculada a um programa de pós-graduação. Ela foi montada com pesquisadores ligados ao Laboratório de Paleoecologia Vegetal, incluindo dois estudantes de mestrado, o Gustavo Santiago e a Michelle Giannerini, e uma pesquisadora de pós-doutorado, a Natália Sá. Também contamos com a consultora Cecília Lana, que atualmente é aposentada da Petrobras e uma das maiores especialistas em palinologia no Brasil, e o professor Peter Bengtson, da Universität Heidelberg, da Alemanha.

No Museu desde sempre

Como o Harpia é um veículo interno, que nos ajuda a nos conhecer mais, aproveitamos essa entrevista para perguntar para o professor Marcelo Carvalho sobre sua relação com o Museu Nacional/UFRJ. Os passeios pela Quinta da Boa Vista fizeram parte de sua infância. Veja que bacana a fotografia com sua família:

Túnel do tempo: Marcelo Carvalho, de short verde, com o irmão Rafael, sua avó Maria e o amigo Celso
Saiba mais:

Está disponível o artigo científico “Influence of the intertropical convergence zone on early cretaceous plant distribution in the South Atlantic”, na revista Scientific Reports, do grupo Nature. Acesse.

 

 

 

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