Pesquisadora mergulha nas relações com o óleo de palma em floresta na África Central

Como o óleo de palma se tornou e se torna dinheiro nas aldeias do Mayombe, na República Democrática do Congo? Para responder a essa e outras perguntas na tese de doutorado, a pesquisadora Rosa Vieira realizou sua pesquisa etnográfica durante onze meses, em três fases. Ela mostra como no plano local é possível observar grandes processos globais. Atualmente, esse óleo vegetal é o mais produzido do mundo e com menor custo, estando presente em inúmeros produtos cosméticos e alimentícios.

Prêmio do CNPQ: “Menino Diante do Óleo” fotografada durante a produção do óleo de palma nas máquinas chamadas de waksi. Foto: Rosa Vieira

O fruto da palma Elaeis guineensis é popularmente conhecido no Brasil como dendezeiro, sendo o produto conhecido como azeite de dendê. Rosa mergulhou na cultura local, aprendendo duas línguas para criar relações de proximidade com seus interlocutores. Entre os resultados está a menção honrosa no Prêmio Capes de Tese 2022. A tese vem ganhando outras premiações, como uma menção honrosa da Fondation Martine Aublet do Musée du Quai Branly, da França, que forneceu a bolsa para a realização do trabalho de campo no continente africano. E uma das fotografias ficou em terceiro lugar no X Prêmio de Fotografia – Ciência e Arte do CNPq.

Com o título “Óleo de Palma, Pessoas e Casas na Floresta do Mayombe”, a tese de doutorado foi defendida em outubro de 2021 no Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social (PPGAS) do Museu Nacional/UFRJ. Teve como orientadores o professor Federico Neiburg, do MN/UFRJ, e o professor Benoît de L’Estoile, da Ecole des Hautes Etudes en Sciences Sociales (EHESS), de Paris.

Destaques da pesquisa

Essa pesquisa trouxe diferentes destaques, como mostrar que a vida da palmeira Elaeis guineensis e do óleo está atravessada por relações de gênero e pelas memórias coloniais. Os povos locais dependem dessa planta: cozinham e elaboram o óleo de palma a partir da extração do fruto, fazem vassouras com suas folhas, preparam o vinho de palma a partir da sua seiva, sendo bebida ligada aos ancestrais e consumida nas aldeias. Rosa mostra como este pequeno vilarejo na floresta do Mayombe é uma janela para entender como a agroindústria do óleo de palma nos dias de hoje tem suas raízes numa história colonial em África. À época da colonização belga, a República Democrática do Congo chegou a ser o segundo maior produtor de óleo de palma do mundo. No século XXI, a produção global passou a se concentrar sobretudo no sudeste asiático. De acordo com dados da Foreign Agricultural Service, em agosto de 2020, ela chegou a 74,99 milhões de toneladas, enquanto a do óleo de soja foi de 59,86 milhões de toneladas. O óleo de palma está presente em inúmeras mercadorias, como produtos alimentícios manufaturados e cosméticos.

“Foi interessante conseguir traçar alguns fenômenos e processos que geralmente estão sendo discutidos de forma muito macro. A partir da pesquisa etnográfica, naquele vilarejo de 17 casas, conseguimos falar sobre a colonização belga, a centralidade do óleo de palma para os povos africanos e para as comunidades afro-brasileiras. Também foi abordada como toda a vida societária e econômica gira em torno de uma palmeira, que também veio para o Brasil e adquiriu muita centralidade. Certos lugares nos permitem, a partir da vida cotidiana das pessoas, contribuir para essas discussões e também pensar de outras formas essas discussões”, resume Rosa Vieira, que continua como pesquisadora do Núcleo de Pesquisas em Cultura e Economia (NuCEC), coordenado pelo professor Federico.

Ele reforça essa relação com as pessoas no Mayombe e os grandes processos globais. “Podemos ver tudo isso a partir dos detalhes da vida daquelas pessoas na floresta do Mayombe, na África Ocidental, e isso é muito impressionante”, avalia Federico. O professor destaca que Rosa chegou lá sozinha com suas características sociais e culturais, mas conseguiu avançar com suas pesquisas por meio de uma rede de apoio iniciada no Rio de Janeiro, além de produzir um documentário realizado também no quadro da pesquisa em colaboração com seus interlocutores. Foi um campo muito exigente porque ela precisava falar francês e, além disso, as línguas locais para poder circular e conversar com as pessoas com mais facilidade.

Rosa Vieira conversa com Pa Seka e Pa Theo no vilarejo Kayi Mbinga na floresta do Mayombe

Rosa dedica um capítulo da tese para especificar que o óleo de palma também é dinheiro na região, sendo usado o galão para pagar o aluguel de uma terra, por exemplo, ou para armazenar dinheiro, servindo também como uma garantia em dívidas. “A comoditização do óleo de palma conduziu à modificação do universo monetário plural do vilarejo. Ele funciona como uma moeda. Na tese, uma hipótese que foi levantada mas ainda está sem comprovação, é que foi a partir do contato com os ocidentais que se iniciou a possibilidade do óleo de palma ser vendido e também servir como dinheiro nas relações locais. Esse é um elemento importante da tese, que quero futuramente aprofundar”.

Outro aspecto é que foi mostrado na tese como esse óleo de palma, muito criticado pelos ambientalistas, sendo uma base fundamental para a indústria, tem uma história colonial. O óleo de palma está presente em inúmeras mercadorias industrializadas. Vale lembrar que foram mobilizadas pelo mundo campanhas para o boicote de produtos como a Nutella por não atenderem ao consumo consciente de produtos “palm oil free”. “A tese foi contada a partir de uma vida cotidiana que a todo o tempo está atualizando as memórias coloniais e de suas marcas. Não foi discutido propriamente o mercado global, mas trouxe uma outra perspectiva para pensar e incluir essa crítica ambientalista ao mercado global, explica Rosa Vieira.

Ela ressalta que existe uma história colonial marcada nesse pequeno vilarejo, que foi muito importante para o desenvolvimento da agroindústria desse óleo mais produzido no mundo. Durante o período colonial belga, entre 1960 e 1908, foram criadas plantações para aumentar o fornecimento de frutos, o dendê, para empresas estrangeiras instaladas nas aldeias do Mayombe. A antropóloga nos conta que teve a oportunidade de pesquisar documentos no Museu Tervuren, na Bélgica e, nessa visita, pode perceber pelas conversas informais o quanto a visão de algumas pessoas de lá é completamente diferente da realidade que ela observou durante os meses na República Democrática do Congo.

Olhar aberto para o novo e sempre cercada por mulheres

A antropóloga Rosa Vieira, para definir o tema da pesquisa etnográfica, inicialmente se colocou como vendedora no comércio de rua da cidade de Matadi, às margens do Rio Congo, na província do Kongo Central. Percebeu nesse dia a dia o destaque do óleo de palma.

Ma Fortuna na sua barraca na feira da Ponte na cidade de Matadi. Créditos: Rosa Vieira

“Eu ainda não estudava a história do lugar e isso favoreceu que eu chegasse com o olhar aberto para desenvolver o trabalho de campo, tendo como ponto de partida as linhas de pesquisa do professor Federico e do Núcleo de Pesquisas em Cultura e Economia (NuCEC). O tema foi definido durante o curso da investigação no lugar, quando pedi para ficar no comércio de rua e ali percebi o destaque do óleo de palma. Pedi para acompanhar a compra com os fornecedores porque eu queria estudar esse início da produção na floresta, então precisaria chegar a esses produtores. Mas, inicialmente, eles me informavam que seria algo impossível. Pouco a pouco, nesses meses do primeiro trabalho de campo, fui pedindo isso até que consegui estabelecer esse contato”, relembra Rosa. Na segunda e terceira fases do trabalho de campo, Rosa já foi direto para a floresta.

Rosa Vieira contribuindo com a colheita de feijão num vilarejo próximo à cidade de Matadi

Perguntada sobre a sensação de segurança durante seu período de pesquisa, ela relata que se sentia segura por estar sempre cercada por mulheres e até buscando agir como elas, em algumas situações. Tinha também seus momentos de lazer com as amizades que estabeleceu no lugar, mergulhando ainda mais no cotidiano de Matadi.

Importância das pesquisas internacionais

A Antropologia no Museu Nacional/UFRJ já nasceu internacionalizada, mas a partir dos anos 2000, com o crescimento do financiamento à pesquisa, a produção científica cresceu consideravelmente. “A pesquisa da Rosa é uma das últimas dessa onda brasileira de investimento científico. Ela já nasce internacionalizada pelo tipo de campo e também por meio de acordo de cooperação que o NuCEC tem com a EHESS de Paris. Foi a partir desse convênio que foi possível ela passar longos períodos na França e na República Democrática do Congo, e também contou com uma bolsa prestigiosa do Musée du Quai Branly. Assim, foi possível realizar a pesquisa durante o tempo prolongado necessário para uma etnografia dessa qualidade”, explica o professor Federico.

Professor do Museu Nacional/UFRJ, Federico Neiburg

O professor destaca que, ao conhecer essas outras realidades sociais e culturais, conhecemos ainda mais o Brasil, as conexões com os mercados internacionais, os fluxos de pessoas e o refúgio, entre outras. A Rosa fez um mestrado sobre os haitianos no Brasil. Com isso, começou a trabalhar com imigrantes. Em projeto da Casa de Rui Barbosa, deu aulas de português para imigrantes e, assim, conheceu congoleses. Realizar sua pesquisa de doutorado na República Democrática do Congo se deu a partir desse contato inicial. Contou com a família de seu ex-aluno como a primeira rede de apoio na região, conhecendo a partir deles uma série de mulheres que foram essenciais no seu trabalho etnográfico. Começou a aprender as línguas locais da República Democrática do Congo, especificamente da região de Matadi e da floresta do Mayombe, desde os contatos com congoleses no Rio de Janeiro.

Ma Adela separando feijão sentada em sua casa. Foto: Rosa Vieira
Curta-metragem

Nessa pesquisa, Rosa também realizou o curta-metragem etnográfico “O Pegador de Vinho de Palma”, que está em fase de finalização. “Na minha última ida à floresta do Mayombe, pude levar uma câmera profissional. Mas demorei para retirá-la da mochila porque eu temia prejudicar a minha relação com a comunidade para a realização da pesquisa etnográfica da tese. Eu sentia que até o uso do celular destoava. A partir da ida de um amigo meu para o local, encontrei o momento ideal e iniciei as gravações. Eu também precisava me acostumar em ficar ali com uma câmera”, relata Rosa.

Pa Defao subindo na palmeira para retirar vinho de palma. Créditos: Rosa Vieira

 

Saiba mais:

– Leia a tese “Óleo de Palma, Pessoas e Casas na Floresta do Mayombe”, de Rosa Vieira, com orientação dos professores Federico Neiburg e  Benoît de L’Estoile. Acesse.

– Nexo Políticas Públicas – O professor Federico Neiburg participa de uma parceria com a Brazil LAB do Princeton Institute for International and Regional Studies da Universidade de Princeton, onde pesquisadores do Museu Nacional/UFRJ podem publicar seus conteúdos no Nexo Políticas Públicas. A apresentação dessa tese está disponível aqui: O que o óleo de palma revela sobre colonização e o mercado global.

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