Decifrando milênios no Egito: missões arqueológicas pesquisam reutilizações de tumbas

A Tumba de Neferhotep, localizada na cidade de Luxor, no Egito, abrirá suas portas para o público em 2024. Esse sítio arqueológico tem sido objeto de intensa pesquisa pelo Laboratório de Egiptologia do Museu Nacional/UFRJ (Seshat), no Projeto Neferhotep desde 2014, em parceria com universidades internacionais e conservadores alemães. As equipes têm se dedicado a escavações, documentações e interpretações de vestígios, buscando desvendar como se deram as reutilizações ao longo do tempo.

Nesta matéria, apresentamos uma síntese de alguns estudos e iremos explorar outros aspectos sobre o Egito Antigo em futuras edições do Harpia. Os trabalhos do Projeto, iniciado em 1999, são dirigidos pela egiptóloga Maria Violeta Pereyra, da Argentina, e o Museu Nacional/UFRJ começou nele por meio do trabalho do egiptólogo do Museu Nacional, Antonio Brancaglion, falecido há poucos anos.

O servidor técnico e arqueólogo Pedro von Seehausen durante as pesquisas na tumba no Egito
O servidor técnico e arqueólogo Pedro von Seehausen durante as pesquisas na tumba no Egito
Neferhotep

Dentro do Complexo Funerário de Neferhotep, a Tumba de Neferhotep, identificada pelo número 49, atrai especial atenção. Neferhotep foi um sacerdote escriba do templo de Karnak durante a XVIII dinastia do Egito, aproximadamente em 1300 a.C. Além dessa, outras quatro tumbas no Complexo datam das XIX e XX dinastias. Na mais recente missão científica, em março deste ano, uma equipe de cinco pesquisadores do Museu Nacional/UFRJ se dedicou a analisar características da tumba, documentando tanto representações estilísticas e artísticas quanto materiais encontrados em escavações anteriores. Também se empenharam em entender seu alinhamento arqueo-astronômico, entre outros estudos.

Vestígios de habitações do passado nos arredores do Complexo Funerário de Neferhotep, no Egito. Crédito: R. Lemos

Pedro von Seehausen, servidor técnico e arqueólogo que integra o Seshat e o Laboratório de Processamento de Imagem Digital (LAPID) do Museu Nacional/UFRJ, enfatiza: “A tumba de Neferhotep é rica em marcas estilísticas e artísticas que fornecem pistas sobre diferentes utilizações desde o Egito Antigo. Nossos estudos têm sido cruciais na documentação desses vestígios para realizamos nossas interpretações”. E completa: “A colaboração entre os pesquisadores do Projeto Neferhotep é fundamental para o avanço dessas pesquisas. Trata-se de um esforço coletivo que une diferentes abordagens de pesquisa”. Pedro tem o cargo no Museu de programador visual e editor de arquivos tridimensionais, trabalhando especialmente nas áreas de arqueologia egípcia, tecnologias 3D, imagem digital e realidade virtual. Ele concluiu seu trabalho de escavação na campanha deste ano e nos próximos dará continuidade à documentação e interpretação dos dados.

A necrópole dos nobres em Tebas

Para o conhecimento de todos, resumimos alguns estudos já publicados para conhecermos mais sobre o que está sendo pesquisado. No artigo “Uma Releitura das Relações entre Comunidade e Patrimônio na Necrópole dos Nobres em Tebas”, Pedro von Seehausen informa que a Egiptologia, influenciada por uma herança orientalista, frequentemente negligenciou as relações entre as comunidades modernas e o legado arqueológico. No entanto, no contexto pós-colonial recente, essa interação está sendo reavaliada. Esse estudo se concentra na relação entre a comunidade de Gurna e a Necrópole dos Nobres. Notavelmente, além de reutilizarem as tumbas da elite tebana por um longo período, comunidades egípcias tradicionais viveram entre essas tumbas por séculos, até serem recentemente deslocadas pelo Estado.

Um tipo de jarro da antiguidade sendo usado atualmente na Margem Oeste de Luxor. Créditos: M. Giobbe.

Em outro trabalho publicado, o grupo de pesquisadores do Projeto Neferhotep aborda a escavação da Tumba Tebana 187, integrada ao complexo da tumba Neferhotep, em El-Khokha, sob as lentes da materialidade e patrimônio. Essa Tumba revela etapas distintas de reaproveitamento, combinando temporalidades de eras distantes em seus contextos de última deposição. Residentes das regiões próximas a Luxor tinham o hábito de residir e interagir com as tumbas da necrópole de Tebas, influenciando diretamente a composição material da histórica necrópole, marcada pelas interações entre o ambiente, seus interventores humanos e o entorno.

Sequência estratigráfica: as camadas de materiais arqueológicos na Tumba Tebana 187

A análise sugere uma interpretação que destaca as sobreposições temporais presentes na TT 187, cruciais para entender a constituição do registro arqueológico. Busca-se explorar e debater os modos pelos quais engajamentos materiais ocorreram em Tebas, reconhecendo as influências de habitantes de épocas distintas na formação desse sítio arqueológico.

Estela na Tumba de Neferhotep: informações reveladas na pedra
Estela na Tumba de Neferhotep: informações reveladas na pedra

São inúmeros estudos realizados. Ainda serão publicados artigos sobre o trabalho de digitalização do Complexo Funerário e já há alguns modelos disponibilizados na plataforma Sketchfab. Vale destacar que a tumba de Neferhotep foi incendiada algumas vezes e esse aprendizado nas escavações contribuíram para Pedro, coincidentemente, se especializar, tendo feito parte da equipe de Resgate de Acervos do Museu Nacional/UFRJ, sendo esse trabalho seu tema na tese de doutorado.

Saiba mais:

Uma seleção de estudos citados nesta matéria para os interessados em conhecer mais detalhes:

Uma Releitura das Relações entre Comunidade e Patrimônio na Necrópole dos Nobres em Tebas“. Acesse.

Entangled Temporalities in the Theban Necropolis: A Materiality and Heritage Approach to the Excavation of Theban Tomb 187”. Acesse.

Modelo feito por fotometria 3D, mostrando a estátua de Neferhotep e sua esposa na Tumba Tebana 49. Conheça.

 

 

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