Coleção de borboletas e mariposas começa a ser recomposta em expedições científicas

Percorrendo unidades de conservação, a professora Thamara Zacca está dedicada a avançar na ampliação da Coleção de Lepidoptera, formada por borboletas e mariposas. Atualmente, nosso acervo tem cerca de 5500 exemplares conquistados por meio de expedições científicas. Com as doações, já estamos com um total de quase 10 mil exemplares.

A professora Thamara Zacca coletando borboletas em Itatiaia

Até 2018, a Coleção de Lepidoptera do Museu Nacional/UFRJ estava entre as maiores da América Latina, com cerca de 186 mil exemplares, iniciada por volta de 1900. Com o incêndio, esta coleção foi perdida quase que em sua totalidade, restando apenas alguns poucos exemplares que estavam sob empréstimo à outras instituições de pesquisa. Ainda em 2018, e logo após o incêndio, o biólogo e técnico do Departamento de Entomologia, Alexandre Soares, que até então auxiliava na curadoria da coleção, iniciou a recomposição do acervo perdido. Entre novembro de 2018 e dezembro de 2020, a nova coleção já reunia 1750 exemplares provenientes de coletas e doações. Este era o cenário quando Thamara começou suas atividades em janeiro de 2021 no Museu.

“Eu fiz umas continhas para brincar. Então, para alcançarmos os 186 mil exemplares que tínhamos, levaríamos 67 anos, se eu continuasse coletando sozinha. Eu já teria 100 anos. Mas, ao invés de me desesperar, eu fiquei feliz. Isso porque, na verdade, mais pessoas irão chegar para trabalhar no laboratório e na coleção, pensando num cenário otimista. E, assim, iremos conseguir reduzir consideravelmente esse tempo, retomando a grandiosidade dessa Coleção do Museu”, avalia a professora e coordenadora do Laboratório de Pesquisas em Lepidoptera (LaPeL), Thamara Zacca.

Ela observa também a qualidade do material que está sendo conquistado. Hoje, a maioria é do Estado do Rio de Janeiro pela proximidade, mas já tem exemplares das regiões Norte, Nordeste, Sul e Sudeste do país. Além disso, pelas conexões com os parceiros, estão sendo recebidas doações de materiais que estão duplicados em outras instituições. “Muitos pesquisadores se sensibilizam com a situação do Museu e querem contribuir de alguma forma, tanto com exemplares quanto nas parcerias de pesquisa”, destaca.

 

As essenciais expedições científicas

Assim que chegou, Thamara já começou a realizar expedições, sendo parte delas com recursos próprios porque ela ainda não conta com projetos de financiamento. A primeira foi ao Parque Nacional do Itatiaia, completando quatro expedições na região em 2021. Metade delas foi com recursos do Museu, com apoio do Departamento de Entomologia. “Fui muito bem recebida e os colegas estão me apoiando muito. Como também estou vinculada ao Programa de Pós-Graduação em Zoologia, como colaboradora, propus disciplinas que, estrategicamente, incluem atividades de campo. Isso contribui para recompor a Coleção. Foi assim que conseguimos coletar, por exemplo, na Reserva Ecológica de Guapiaçu, em Cachoeiras de Macacu, e em Pacoti no Ceará”, explica a professora.

Ela também passou a fazer parte, este ano, de um projeto coordenado pela professora Márcia Couri, também do Departamento de Entomologia, no Parque Nacional da Serra dos Órgãos (Parnaso). Isso tem possibilitado os trabalhos de campo mensais na região. Em geral, as coletas de borboletas são feitas pela manhã e as de mariposas à noite. Thamara chegou a iniciar as atividades de campo às 8h e terminar às 3h da manhã, mas depois concluiu que seria difícil manter este esforço de coleta por vários dias consecutivos. Embora a maior parte da sua formação científica tenha sido realizada com borboletas, ao assumir a posição no Museu Nacional, Thamara decidiu direcionar suas pesquisas para as mariposas. Assim, enquanto ainda realiza as expedições sozinha, resolveu focar nas amostragens de mariposas até conseguir aumentar sua equipe de pesquisadores no laboratório.

Micromariposas montadas da nova Coleção do Museu Nacional/UFRJ

Ampliando a área de abrangência, este ano também foram feitas coletas em Rondônia. E, mesmo nas férias, a professora Thamara está empenhada nesse crescimento da Coleção. Ela acaba de chegar, também com recursos próprios, de uma expedição na Reserva Serra Bonita, em Camacan, na Bahia. Ela foi criada pelo Vitor Becker, que foi pesquisador da Universidade de Brasília (UnB), no Distrito Federal, e comprou essa área com sua companheira Clemira. Hoje a área tem cerca de 8 mil hectares, preservando esse remanescente de Mata Atlântica que estava ameaçada pela expansão do cacau.

Reserva Serra Bonita, em Camacan, na Bahia

Foi um período intenso de trabalho, mas também uma realização pessoal e profissional. Como sou de Feira de Santana, na Bahia, ouvia falar dessa Reserva e queria muito ir, mas na graduação eu não tinha condições financeiras. Agora, aproveitei para realizar esse sonho e fazer minhas coletas e pesquisas científicas. É impressionante quando se vê de cima da serra e se pode observar o contraste da área preservada com o entorno”, ressalta Thamara. No local, também existe uma das maiores coleções de mariposas do Brasil, então a professora aproveitou para colher dados científicos para as suas pesquisas.

Foco inicial em inventários

Para preservar as espécies é essencial conhecê-las para desenvolver, posteriormente, outros projetos de pesquisa. Como estamos no Rio de Janeiro, Thamara começou buscando publicações sobre a ocorrência de Lepidoptera, mas encontrou poucos trabalhos publicados. Não existe uma listagem completa das borboletas e mariposas existentes no município do Rio e nem no Estado. “Observo que tem muito mais espécies do que as oficialmente reportadas quando passeio na Floresta da Tijuca, por exemplo. Mesmo o município e o Estado do Rio de Janeiro sendo locais historicamente de muitas coletas por pesquisadores de todo o mundo, não temos ainda esses dados sistematicamente compilados e disponibilizados. Então, estou iniciando trabalhos de levantamento e inventários faunísticos, em especial nas unidades de conservação do Estado do Rio de Janeiro. A ideia é que a gente tenha um banco de dados das espécies de Lepidoptera nos próximos anos, ao mesmo tempo que estamos aumentando o número de exemplares na Coleção”, explica a professora Thamara.

Coleta no Parnaso
Divulgação científica

Atualmente, o LaPeL tem 7 estudantes sendo orientados por Thamara: seis de iniciação científica e um de mestrado. “Com a chegada deles, estou com esse suporte na curadoria da Coleção, no preparo do material e também na divulgação científica realizada por meio do projeto de extensão “Mariposas e borboletas nas redes” nas mídias sociais do laboratório no Instagram e Facebook (@lapel.mn). Inclusive, a maioria dos estudantes chegou ao laboratório por meio de contato nestas redes sociais. As conexões por meio deste projeto estão bem interessantes e enriquecedoras”, avalia Thamara.

Um dos objetivos do projeto é mostrar para o público como as borboletas e mariposas chegam à coleção, seja por meio de expedições ou doações, e como é a rotina de trabalho do laboratório. Além disso, como esses insetos são bonitos por si, a equipe busca compartilhar esta beleza com o público como uma forma de sensibilizá-los sobre a importância dos lepidópteros para os seres humanos e o meio ambiente.  É um universo fantástico. Além da beleza, as borboletas e mariposas podem ser usadas como indicadores de qualidade ambiental, porque são organismos sensíveis e dão respostas rápidas a qualquer alteração nas condições ambientais de uma determinada área. Várias espécies também são responsáveis pela polinização, assim como as abelhas e outros insetos. A partir dos inventários científicos, é possível realizar diferentes perguntas com o uso desses insetos, e as curiosidades geradas viram conteúdo de divulgação científica.

MN como um sonho

A professora Thamara Zacca sempre teve o sonho de trabalhar no Museu Nacional/UFRJ. Perguntada como ela se sente hoje ao contribuir para a recomposição do nosso acervo, ela responde: “Eu fico feliz e extasiada ao mesmo tempo, porque quando eu fiz o concurso em 2018, ainda existia a Coleção com os 186 mil exemplares, e meu pensamento era voltado para as possibilidades com aquele acervo. Eu já o conhecia porque sempre foi uma referência para quem trabalha com taxonomia de Lepidoptera. A minha ficha parece que ainda não caiu. Quando fui chamada no final de 2020, o cenário era outro. Mas, hoje em dia fico pensando em como a quero ver esta coleção nos próximos 20 anos, e quais as melhores formas de conduzir as pesquisas contribuindo para a ciência. Penso especialmente nas contribuições para crescer a coleção e também para desenvolver os estudos em biodiversidade. Os desafios agora são outros, mas não menos interessantes”, avalia.

Durante seus estudos no doutorado, Thamara pesquisou durante seis meses no Museu de História Natural de Londres, que tem mais de 12 milhões de exemplares de Lepidoptera, sendo a maior e uma das mais antigas coleções do mundo. Neste período, também teve oportunidade de realizar visitas técnicas e pesquisas no Museu de História Natural de Berlim e na coleção de Lepidoptera da Universidade Jagiellonian na Cracóvia. No seu pós-doutorado, trabalhou na coleção do Museu de História Natural do Smithsonian, em Washington, nos EUA, que possui mais de 4 milhões de exemplares de Lepidoptera. “Vejo como foi importante para a minha formação conhecer as técnicas aplicadas em cada um deles. Hoje posso iniciar a nova Coleção de Lepidoptera do Museu Nacional, colocando isso em prática, o que é muito positivo“.

 

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