Acesse o site do Museu Nacional

Maria Ignez: as influências, conexões e inovações da diretora da Expomus

Com atuações destacadas em instituições museológicas, como presidente do ICOM Brasil e membro do Conselho do IBRAM, assim como reconhecimentos importantes por suas contribuições na museologia, Maria Ignez Zuccon Mantovani Franco é diretora-geral da Expomus. Trata-se da empresa de assessoria museológica que está contratada para desenvolver o Projeto de Museografia, Comunicação Visual e Acessibilidade Universal do Museu Nacional/UFRJ, sendo ela a coordenadora-geral. Nesta entrevista para o Harpia, acompanhe quem é essa museóloga, suas inspirações, perspectivas e a história com a nossa instituição.

A museóloga e diretora da Expomus, Maria Ignez. Crédito: Lucas Rangel
A museóloga e diretora da Expomus, Maria Ignez. Crédito: Lucas Rangel
Harpia — Para começar, por favor, nos conte o que te motivou a ser museóloga?

Maria Ignez — Em primeiro lugar, venho da área de Comunicações, o que já se conecta, por natureza, ao mundo dos museus. Quando cursava a graduação em relações públicas, na FAAP, comecei a trabalhar na Secretaria de Cultura, Ciência e Tecnologia e isso foi um divisor de águas na minha vida. Eu era uma menina do interior, nascida em Lindóia. O contato com a área da cultura foi uma descoberta incrível e me propiciou acesso ao universo da música por meio das orquestras, e também da literatura, da dança e dos museus. Como essa Secretaria também envolvia a particularidade de ser também de Ciência e Tecnologia, convivi com a inovação e a tecnologia já naquele tempo.  E, naquele momento, curiosamente, foi criado o primeiro curso de especialização em museologia em São Paulo, tendo à frente a doutora Waldisa Russio Camargo Guarnieri, que é a grande mentora na nossa área, e o professor Pietro Maria Bardi, então diretor do MASP. A professora Waldisa e eu trabalhávamos na mesma Secretaria e houve uma oportunidade de criação de vagas para que os profissionais de museus vinculados à pasta cursassem, como bolsistas, o curso recém-criado. Eu tive o privilégio de ser um desses bolsistas.

Harpia — Quais os museus pelo mundo que mais te inspiram e por quê?

Maria Ignez — Inicialmente, cito o Museu Nacional de Antropologia do México, por ter sido um símbolo muito emblemático nesse período da minha formação e com o qual tenho uma relação afetiva até hoje. Ele tem um dos acervos mais representativos das Américas, sendo um museu nacional em grande estilo. Considero uma referência para nós brasileiros, como uma pedra fundamental da museologia latino-americana, digamos assim.

Em seguida, o Musée des Confluences, em Lyon, na França. A exposição de longa duração aborda quatro eixos temáticos muito interessantes, propõe ao visitante uma experiência interdisciplinar que percorre diferentes culturas e civilizações, afastando-se de uma leitura linear, optando por abordagens contemporâneas.

Uma outra referência que eu daria seria o próprio mall do Smithsonian, que eu chamaria de um grande conglomerado museológico construído por décadas, expressão máxima do poder do estado por meio da ciência e da cultura. Nas últimas décadas, fazendo jus às contundentes questões sociais contemporâneas, abriu novos museus dedicados a temas candentes como a contribuição indígena e africana à sociedade americana.

Na sequência dos exemplos internacionais, volto-me ao contexto brasileiro e elejo os museus de território, expressão emblemática que influenciou fortemente minha tese de doutorado. Principalmente a centralidade das cidades, das representações, dos diferentes atores sociais que atuam nas suas bordas, nas franjas do território. O Brasil destaca-se sobremaneira no cenário internacional com os múltiplos modelos de museus de território. O Museu visto como um polo de transformação social é algo inovador que aproxima mundos, estreita relações e propõe novos arranjos museológicos. Enfim, a museologia brasileira é uma referência global nesta área e isto tem ficado comprovado na mais recente discussão internacional sobre a definição de museus, promovida pelo ICOM Internacional. Podemos exemplificar com o Museu Pavão-Pavãozinho e Cantagalo, o Museu da Maré, ambos no Rio de Janeiro, e o Museu das Favelas, em São Paulo, formando um conjunto expressivo e que, por isso, influencia e inspira o cenário internacional.

Harpia — Interessante… E Maria Ignez, a Expomus é uma empresa de assessoria museológica que realiza exposições nacionais e internacionais de arte, cultura, ciência e meio ambiente, que já trabalhou em mais de 250 projetos. Você poderia citar os principais projetos de museografia que vocês realizaram e que mais te dão mais orgulho?

Maria Ignez — Em primeiro lugar, quero esclarecer que a atuação da Expomus vai além da museografia, envolvendo também a criação e a requalificação de museus em contextos amplos. Para começar, eu cito uma exposição de longa duração no Museu da Imigração de São Paulo, que desenvolvemos já faz muitos anos. Para mim, é de um simbolismo incrível, sendo um projeto do arquiteto Felipe Tassara e da Daniela Thomas, marcando época e se sustentando magnificamente ao longo de mais de 10 anos. Considero um dos projetos mais assertivos da Expomus nesse sentido.

Depois, o Museu Judaico de São Paulo, que foi inaugurado há dois anos. É uma exposição de longa duração também do arquiteto Felipe Tassara e da Daniela Thomas.  Como esse Museu levou 14 ou 15 anos para ser de fato estabelecido, foi um projeto de longo termo da Expomus. Nós acompanhamos desde a pedra fundamental até hoje, porque ainda continuamos desenvolvendo projetos em colaboração com o Museu, o que muito nos alegra e emociona. E há que se registrar que esse Museu marca um passo conceitual importante: apesar de ser desenvolvido a partir do interesse e esforços da comunidade judaica de São Paulo, tem como causa a defesa de direitos, a luta contra toda forma de preconceito, racismo. Neste sentido, tem desenvolvido projetos ousados que vêm marcando sua personalidade institucional.

E cito também uma exposição internacional organizada pelo Projeto Portinari, que trouxe os painéis “Guerra e Paz” de Cândido Portinari, da ONU para o Brasil. Essa passagem pelo Brasil previu o restauro dos painéis, que foi muito bem-sucedido. A Expomus, a convite do Projeto Portinari, desenvolveu em conjunto as exposições nacionais e também a apresentamos no Salão de Honra do Grand Palais, em Paris. Como tínhamos acabado de fazer um projeto em conjunto com o Musée d’Orsay, tendo contato com a arquiteta carioca Virgínia Fienga, que trabalhava lá, tivemos a ideia de convidá-la a desenvolver o projeto museográfico da “Exposição Guerra e Paz em Paris”, e foi um real acerto. Ela entendeu o que era para transmitir, até por ser brasileira e o fez com um prazer enorme, além de sua competência como arquiteta de calibre internacional. Lembro que os franceses ficaram surpresos quando viram a exposição, porque era de uma sofisticação não somente artística, mas também tecnológica, sendo uma representação brasileira muito emblemática.

Outro projeto foi a exposição “Universo Mágico do Barroco Brasileiro” que é mais uma homenagem minha, não só à expografia, mas à curadoria maravilhosa do Emanoel Araújo, com quem trabalhei por 20 anos e aprendi muito. Essa foi a primeira grande exposição sobre o Barroco que inaugurou a Galeria de Arte da FIESP, na Avenida Paulista. Foi um projeto bastante inovador para a época.

Fizemos algumas exposições brasileiras no exterior e que, infelizmente, nunca foram vistas no nosso país. Uma delas foi “Brazil.Brasil” exibida no festival bienal Europalia, no Palácio Bozar, na Bélgica, em 2011, ano consagrado ao Brasil. Sem dúvida alguma foi uma das mais belas exposições sobre o Brasil que já foram realizadas no exterior, inclusive com acervo antropológico muito importante do Museu Nacional e obras de arte de diferentes movimentos. A curadoria foi da professora Ana Maria Belluzzo, com sua assertividade enorme.

E, por último, mas não menos importante, cito o SESI Lab, que completa um ano de sua abertura ao público. Um museu de arte, ciência e tecnologia desenvolvido ao longo da pandemia de Covid-19, contando com a consultoria do Exploratorium de São Francisco, nos Estados Unidos, um dos mais emblemáticos museus de ciências americanos. Foi uma experiência incrível para a Expomus contracenar com esse grande museu no desenvolvimento do projeto do SESI Lab. Nele, o público encontra um trabalho interdisciplinar fantástico, até porque a estrutura institucional do SESI é de inovação por natureza. O SESI como instituição realizadora do projeto proporcionou a todos que atuaram condições de excelência para o desenvolvimento dos trabalhos. Os resultados até então já alcançados asseguram um futuro próspero ao SESI Lab.

Maria Ignez em visita técnica às coleções do Museu Nacional/UFRJ. Crédito: Felipe Cohen (Projeto Museu Nacional Vive)
Maria Ignez em visita técnica às coleções do Museu Nacional/UFRJ. Crédito: Felipe Cohen (Projeto Museu Nacional Vive)
Harpia — Este projeto no Museu Nacional é grande e desafiador, envolvendo profissionais de diferentes áreas e experiências, trabalhando de forma integrada. Quais os principais desafios enfrentados até o momento, na sua percepção?

Maria Ignez — A Expomus tem ampla experiência em projetos acadêmicos e já atuou em diversos deles, por isso, creio que estamos bem-posicionados para oferecer suporte metodológico ao projeto do Museu Nacional. Nossa intenção é que todos possam participar e contribuir efetivamente. A Coordenação de Exposições, que interage diretamente com cientistas, pesquisadores e comunidades, é a principal responsável por essa integração, embora a Expomus também esteja pronta para colaborar. Eu vejo um valor especial na curadoria, na seleção e na organização dos acervos, especialmente em casos sensíveis e complexos como este, que envolve acervos perdidos e desejados. Esse trabalho exige uma nova articulação de forças, e nós, da Expomus, valorizamos esse desafio, pois enxergamos o potencial transformador de um projeto transdisciplinar.

O maior desafio que enfrentamos neste Projeto é integrar diferentes áreas do conhecimento, mantendo o rigor científico e, ao mesmo tempo, criando uma exposição inclusiva e acessível a diversos públicos. Estamos dialogando com uma complexa teia de elementos que inclui a seleção de acervos, questões de conservação, acessibilidade, comunicação e operações de variadas especificidades. Isso demanda uma análise cuidadosa e o desenvolvimento de abordagens inovadoras. Vejo isso como uma oportunidade para criar novas metodologias de trabalho coletivo, essenciais no mundo atual, marcado pela cooperação. Destaco que um dos grandes skills do século 21 é a cooperação, sendo essencial que todas as partes envolvidas estejam com essa conduta de forma generosa, disposta a integrar diferentes perspectivas e conhecimentos. Isso é ainda mais importante dada a singularidade da situação do Museu Nacional e a necessidade de recompor seu acervo.

Harpia — Qual é a visão por trás desse Projeto de Museografia, Comunicação Visual e Acessibilidade Universal para o Museu Nacional/UFRJ que você está liderando?

Maria Ignez — A visão abrangente e integradora que norteia este Projeto está intrinsecamente ligada à sua marcante institucionalidade, algo que, na minha visão, o distingue por ser o Museu Nacional. Ele é um reflexo do nosso tempo e continuará a nos representar no futuro. Assim, é crucial entendermos seu histórico e sua relevância. Apesar da tristeza incontestável diante de cada perda, é importante destacar que o Museu tem um passado importante, está em processo de reconstrução do seu acervo e vislumbra um futuro que ainda está por ser definido. Sendo assim, contribuir para este Projeto é uma honra para todos nós. Vale ressaltar que as diretrizes conceituais e a liderança do Projeto estão nas mãos dos profissionais do próprio Museu, não nas nossas mãos.

Harpia — Maria Ignez, são diferentes equipes da Expomus envolvidas neste Projeto de Museografia, Comunicação Visual e Acessibilidade Universal do Museu Nacional. Por favor, conte aos nossos leitores, resumidamente, qual é a importância de cada uma delas para esse projeto especificamente. Sei que vocês têm equipes de criativo, acessibilidade, comunicação visual, conservação e museologia, certo?

Maria Ignez — Na Expomus, contamos com uma equipe majoritariamente feminina, com profissionais competentes e com muita experiência, como Claudia Ciarrocchi, Julia Young Picchioni, Mariana Esteves Martins, Adriana de Moraes Sarmento, entre outras, que atuam bravamente neste projeto. Nossas ações são estruturadas por meio de diferentes núcleos especializados. O Núcleo de Exposições, por exemplo, organiza exposições nacionais e internacionais. Já o Núcleo de Museologia, resumidamente, foca na criação e requalificação de museus, abrangendo exposições de longa duração e consultoria museológica plena. Temos também o Núcleo de Gestão de Coleções, responsável por conservação e documentação. Em projetos maiores como este, mobilizamos os núcleos relevantes para cada etapa e convocamos consultores que tenham afinidade com o projeto em questão, já que a Expomus gerencia vários projetos simultaneamente. Isso nos permite manter um time de profissionais engajados, que se aproximam ou se distanciam de cada projeto específico conforme a necessidade.

No caso aqui do Museu, nós trabalhamos com uma equipe de 19 profissionais, incluindo a equipe fixa da Expomus e os consultores. Temos entre os consultores, por exemplo, o Andres Clerici como diretor de Criação, e o Carlos Maurizio Rodriguez como arquiteto de Expografia, profissionais que já desenvolveram o Masterplan do Museu Nacional e agora se responsabilizam pelo projeto de museografia.  Ambos interagem diretamente com a Coordenação de Exposições e dialogam com todas as dimensões do Projeto. À frente do Projeto de Acessibilidade temos o talentoso Luis Soares, apoiado por consultores de muita experiência e competência, e todos estão em diálogo permanente com a equipe de Acessibilidade do Museu. Estão atuando além do previsto, pensando em cada detalhe desde a hora que o visitante irá desembarcar no metrô, por exemplo, até chegar ao Museu, bem como nas condições desejáveis para que a visita se realize de modo esperado.

Outro fator relevante, uma verdadeira descoberta, foi encontrar no Museu Nacional uma equipe muito competente e já com projetos e propostas delineadas, no campo da acessibilidade. Os trabalhos colaborativos entre as equipes do Museu Nacional e da Expomus nesta área têm sido gratificantes para todos. Recentemente concluímos um documento contendo diferentes abordagens de acessibilidade, um verdadeiro compêndio de possibilidades, e agora vamos nos debruçar para encontrar e eleger as soluções mais indicadas a serem adotadas. Tudo isso não é qualquer coisa: nós estamos trazendo expertise e nós também estamos aprendendo com todos os envolvidos e isso é muito significativo.

Na área de Museologia e Conservação, temos uma equipe liderada pelo Raul Carvalho, que é um grande restaurador-conservador e nos acompanha há décadas. Eles estão estudando a fundo as tipologias de acervo do Museu com todas as alterações que a situação do incêndio provocou, mas também trabalhando muito próximo com as equipes do próprio Museu, o tempo todo. Esse trabalho será importante para definir o que fica dentro ou fora de vitrines, a climatização, entre outros detalhes. Foi o Raul que restaurou grande parte das pinturas do Museu do Ipiranga e conhece muito de uma multiplicidade de acervos, que é o que mais nos importa. E temos a museóloga Guadalupe Campos, do Rio, que é extremamente competente e que já trabalhava com o Museu Nacional, nós agregamos a nossa equipe. Eles são coordenados pela Alessandra Rosso que é a coordenadora do nosso Núcleo de Coleções, que trabalha na Expomus há mais de 35 anos, e ela é uma referência para a museologia brasileira.

Já para a Comunicação contamos com a designer gráfica Rita Sepúlveda de Faria e o consultor de branding Luis Marcelo Mendes, que estão trabalhando junto às equipes do Museu. Desenvolvemos uma enquete envolvendo todos os perfis de colaboradores do Museu, com a preocupação de desenvolver uma escuta ativa sobre a imagem do Museu. Os resultados deste seminário conclusivo foram muito animadores e revelaram quais as características e que Museu Nacional é almejado por seus colaboradores.  Por ser um Museu de pesquisa vislumbramos continuar a desenvolver novas escutas ao longo do processo.

Esta equipe de projetistas e consultores conta com a coordenação executiva de Maria Duarte, profissional experiente que, com maestria, integra os processos em curso; assim como com Vera da Cunha Pasqualin, consultora brasileira com experiência internacional, que permanece atenta à coerência entre os conteúdos propostos pela curadoria do Museu e as proposições desenvolvidas por nossas equipes.

Harpia — Em linhas gerais, como está sendo a relação da equipe da Expomus com os profissionais do Museu Nacional/UFRJ para a realização desse projeto?

Maria Ignez — Resumidamente, trabalhamos em conjunto com diversas equipes, todas guiadas pelos conteúdos e narrativas estabelecidos pelo corpo curatorial do Museu, a partir dos quais desenvolvemos nossos projetos. A parceria com os profissionais tem sido extremamente produtiva e baseada no respeito mútuo e colaboração. Essa troca tem sido benéfica para ambos os lados, incluindo todos os departamentos do Museu e também a equipe da UNESCO, com quem mantemos uma interface interessante. No entanto, frequentemente enfrentamos desafios relacionados ao tempo e, por vezes, precisamos ajustar nossos planejamentos para atender às demandas. Se pudéssemos mudar algo, certamente seria ter mais tempo para realizar nosso trabalho com menos pressão. Apesar disso, todos estão comprometidos e fazendo o melhor possível dentro das circunstâncias, o que é o mais importante.

Visita técnica da Expomus ao Museu Nacional. Créditos: Felipe Cohen (PMNV)
Harpia — Em que etapa estamos neste momento? 

Maria Ignez — Estamos desenvolvendo o anteprojeto de museografia com foco principal nos circuitos Históricos e Universo e Vida, porque eles são os que já estão naturalmente mais adiantados. Nas demais frentes de trabalho que estão evoluindo, estamos criando o sistema de comunicação visual com foco na sinalização do Paço de São Cristóvão, dos jardins e dos circuitos expositivos. Estamos também desenvolvendo o sistema de acessibilidade universal, para o desenvolvimento dos recursos de acessibilidade dos circuitos expositivos, com foco nesses dois circuitos: Histórico e Universo e Vida. Estamos também dedicados ao levantamento da composição tipológica dos acervos do Museu Nacional para detalhamento das diretrizes técnicas para que eles sejam inseridos nas exposições. Por exemplo, vamos ter que estudar a composição de acervos que integrarão os diferentes circuitos expositivos, zelando e recomendando proximidades possíveis e afastamentos recomendáveis, ajustes para harmonizar a convivência de materiais de diferentes características, de forma a conciliar condições expositivas de segurança, em harmonia com os discursos curatoriais. É importante destacar o belo trabalho que a equipe de conservação do Museu Nacional está a desenvolver, que tem sido uma base importantíssima para o desenvolvimento do Projeto. O diálogo entre nossas equipes e a do Museu tem sido permanente.

Harpia — O que já foi desenvolvido e o que está previsto para ser entregue até o final do atual contrato?

Maria Ignez — Realizamos o estudo preliminar da museografia, estabelecendo o sistema, suas aplicações e variáveis, além de diretrizes para a Direção de Arte e para a realização das exposições. Também distribuímos os conteúdos nos espaços e conduzimos pesquisas para entender as necessidades de comunicação e estratégias de público do Museu Nacional.

Avaliamos o acervo do Museu Nacional, estabelecemos diretrizes técnicas para as exposições e propusemos uma abordagem de acessibilidade integrada. Mapeamos instituições e coletivos que trabalham com pessoas com deficiência e levantamos conteúdos gerais de organização de conteúdos acessíveis para as exposições, incluindo guia para a produção de textos científicos em linguagem simplificada e atividades de formação em acessibilidade atitudinal para a equipe do Museu Nacional.

Desenvolvemos diretrizes para a identidade visual, pesquisamos referências e propusemos climas visuais para as exposições. Atualmente, estamos trabalhando para concluir o anteprojeto da museografia, detalhando os quatro circuitos expositivos e o Sistema de Acessibilidade Universal. Também apresentaremos um estudo para uma nova marca e detalharemos o sistema de comunicação para os circuitos, deixando a decisão de uso nas mãos do Museu.

Harpia — Ao longo da sua carreira, você já foi presidente do ICOM Brasil, membro do Conselho do Patrimônio Museológico do IBRAM, entre outras instituições dessa área. Você já tinha visitado o Museu Nacional/UFRJ antes de setembro de 2018? Você tem alguma ligação pessoal com o Museu? Como é para você agora estar trabalhando pela Expomus no Museu Nacional?

Maria Ignez — Minha conexão com o Museu Nacional é profunda e atávica, sendo um ponto de referência crucial em minha carreira como museóloga. Você se lembra daquele Seminário promovido pelo IBRAM no Rio de Janeiro em celebração dos 200 anos do Museu? Eu participei à convite do IBRAM com a responsabilidade de assistir o Seminário em sua totalidade e realizar uma relatoria e síntese finais. No primeiro dia encontrei-me com o Alexander Kellner, diretor do Museu Nacional. Eu o conhecia como um paleontólogo de renome porque tivemos a possibilidade, não efetivada, de trazer para o Brasil uma exposição sobre pterossauros, organizada pelo Museu de História Natural de Nova Iorque, que era por ele curada. No seminário, Kellner me convidou a visitar o Museu Nacional para conversarmos sobre uma possível ajuda ao Museu, em seus esforços de sustentabilidade. Nos reunimos no dia seguinte, no MN, e conversamos sobre cenários possíveis de ajuda ao Museu. Um mês após este encontro ocorreu o trágico incêndio.

Aquela noite foi um choque para todos, e eu me vi envolvida em uma maratona de entrevistas para diversos veículos de mídia, buscando explicar a situação e a importância do Museu Nacional. Só naquela madrugada eu cheguei em casa às 5h30, porque estava concedendo entrevistas e assim continuei nos dias seguintes, somando umas 30 entrevistas.

E, ao mesmo tempo, o ICOM Internacional queria ajudar de alguma forma. Eu já não era mais presidente do ICOM Brasil, mas todos que tinham ou tiveram alguma liderança foram contatados por distintos comitês internacionais, que ofereciam auxílios imediatos. Meses depois fui à China e me convidaram para falar sobre o Museu Nacional. Foi muito forte para mim, inesperadamente, estar assim envolvida nas entranhas do Museu Nacional, como se estivesse participando de fato das operações de resgate. O momento pós incêndio foi uma demonstração inequívoca da importância que o Museu Nacional tem no coração dos brasileiros, mas também no cenário internacional. A partir desta forte constatação procuro sempre incentivar que o Museu dialogue e se faça representar lá fora também, porque há uma vontade latente de distintos países e instituições de colaborar para a sua requalificação.

Harpia — Quando o Museu Nacional for reaberto, o que mais você deseja que fique para o público após visitar este Projeto que a Expomus está liderando?

Maria Ignez — Esse é um projeto do Museu Nacional, do seu corpo diretivo, curatorial, docentes, técnicos, estudantes e trabalhadores. É uma grande honra para a Expomus, que atua na área museológica há 42 anos, dedicar -se a esta grande causa da cultura nacional, que é a requalificação integral deste Museu. Nós queremos deixar para o futuro uma marca metodológica e essa alegria da equipe ter participado de um Projeto dessa envergadura. É um aprendizado fantástico também de resiliência, de colaboração e de união em prol de uma causa coletiva. Embora não estejamos contratados para isso temos todo interesse em colaborar para a recomposição das coleções do Museu Nacional. Eu imagino o público ávido para conhecer o Museu Nacional, e desejo que possam olhar para este Museu e reconhecer alguns valores. E quais são esses valores? Eu queria que eles olhassem o Museu Nacional e dissessem: “Nossa, o Museu Nacional é tão solidário!”;  “Ele é tão educador!”; “Ele é tão inclusivo!”; “Ele é tão abrangente!”; “Olha só, ele é um bom ouvinte…”; “Ele é acessível a todos!”; “Está permanentemente dialogando com a gente!”; “Ele faz a gente se encantar com o conhecimento, buscar o conhecimento”… No fundo, no fundo, eu continuo achando que esse é o grande Museu referência desta nação, e tem o compromisso de zelar permanentemente pelas suas coleções, sejam elas passadas, sejam as que estão sendo coletadas agora ou as futuras. Eu desejo que o Museu Nacional consiga de fato estar no coração e despertar a emoção de todo mundo, reconhecer e celebrar a diversidade deste país. Eu desejo que ele seja percebido, por um lado, como museu de referência, mas também transmita um clima acolhedor, que você desfrute e respeite. Um museu que abre as portas de fato, que se deixa permear, que se deixa descobrir. Vejo aqueles jardins envoltórios como espaços para desenvolvimento de programas contínuos para todos os públicos.  Olho para aquela Quinta e vejo uma potencialidade enorme de interações que certamente serão vitais para a sustentabilidade do Museu.

Harpia — Entendi. E ainda há um caminho considerável pela frente até a conclusão desse Projeto. Mas o que você já está levando para a sua vida sobre essa experiência?

Maria Ignez — Todos os grandes projetos são atribulados, mas, ao mesmo tempo, a Expomus é resiliente porque aprendemos a trabalhar com uma equipe coordenada por mulheres potentes, algumas estando conosco desde o início, há quase 40 anos. Como temos o clima de colaboração nas nossas bases, temos como levar à frente a equipe que escolhemos para contracenar conosco nesse Projeto. Buscamos garantir e proteger as melhores condições de trabalho, porque sabemos que não está sendo fácil, porque o tempo é nenhum.

E, pessoalmente, trago a alegria de não ter abandonado esse Museu desde o momento das chamas até agora. Eu quero muito ajudar a reposicioná-lo, torná-lo atuante e pleno de visitantes. Acredito que a sobrevida do Museu Nacional é uma causa pública e patrimonial brasileira e essa luta não poderia faltar na trajetória da Expomus. Nós é que precisamos nos dedicar e ter mérito continuamente para estar neste Projeto. Eu vejo que a nossa equipe vibra e nos dedicamos a ele, fortemente, por mais duros que possam ser alguns momentos. Mas também existem momentos especiais, inspiracionais, verdadeiros insights na área de expografia, na comunicação, no branding que, de repente, faz surgir uma ideia incrível; as escutas externas e internas, que às vezes trazem conceitos, ideias que coincidem com aquilo que a gente está pensando, que o Museu está esperando. Sinergias que alimentam as equipes e trazem sentido maior ao que se está realizando.

É uma honra estarmos dialogando e aprendendo com as equipes do Museu Nacional. São equipes altamente capacitadas, com uma experiência muito grande. Esses caminhos transitivos de conhecimentos, que se retroalimentam de diversas formas pelo diálogo, fortalecem e vitaminam nossas equipes.  Está sendo uma oportunidade muito rara para nossa equipe poder interagir com um museu desse porte.

Harpia — Que mensagem final você gostaria de deixar para o corpo social do Museu, que inclui os servidores docentes e técnicos, estudantes e trabalhadores terceirizados?

Maria Ignez — Para todos aqueles que sonham, que vivem e que realizam pesquisas, assim como todas as demais ações que possibilitam a existência desse Museu, eu diria que da tragédia vivida nós temos que extrair uma oportunidade: a esperança. E essa esperança está na incrível realização desse projeto, porque nós poderíamos estar com o Museu envolto em cinzas até hoje e isso não seria impossível, concorda? Essa oportunidade de reconstrução deve ser abraçada fortemente para se obter a necessária transcendência institucional, que será concluir este Projeto. Por isso, precisamos manter o foco de requalificar o Museu Nacional, com a máxima coesão interna que facilite que o Museu seja reerguido e possa assumir outro patamar de realização e de atuação na vida social e pública brasileiras. Somos um Museu público, destinado à sociedade brasileira, portanto, esse é o fim, esse é o mote e, neste momento, essas premissas devem estar em primeiro lugar, como uma grande missão. Vislumbro um horizonte muito promissor com o Museu Nacional levando ao público um valioso signo em prol da ciência e do conhecimento.

Precisamos lembrar que, quando passamos pela pandemia, essas questões foram desacreditadas, então esse Museu tornou-se ainda mais importante do que nunca. Na minha opinião, o Museu Nacional é um museu do século 21, dedicado às ciências, ele é o futuro e cabe a cada um que está no Museu, fazendo parte dessa história, estar aberto para acreditar, ousar, inventar e redesenhar novos futuros possíveis, porque o futuro não é único.

É importante construir novas sinapses de conhecimentos, a partir de uma coesão interna, e deixar as questões pessoais à deriva. O Museu tem que pensar em outras dinâmicas que conectam diferentes conhecimentos, diferentes públicos, diferentes interesses e diferentes lógicas. Tudo isso é possível e vamos conseguir, juntos!

Saiba mais:

Portfolio da Expomus

ICOM Brasil (Conselho Internacional de Museus) 

IBRAM (Instituto Brasileiro de Museus

FICHA TÉCNICA EXPOMUS – PROJETO EXPOSIÇÃO DE LONGA DURAÇÃO DO MUSEU NACIONAL/UFRJ

MARIA IGNEZ MANTOVANI FRANCO Coordenação-Geral do Projeto
CLÁUDIA CIARROCCHI FERREIRA Gestão do Projeto
JÚLIA YOUNG PICCHIONI Coordenadora de Museologia | Expomus
MARIANA MARTINS Conteúdo | Expomus
ALESSANDRA ROSSO Coordenadora de Coleções | Expomus

ADRIANA DE MORAES SARMENTO Assistente | Expomus

MARIA DUARTE Coordenação Executiva
VERA DA CUNHA PASQUALIN Consultora de Conteúdo

ANDRES CLERICI Diretor de Criação
CARLOS MAURIZIO RODRIGUEZ Arquiteto de Expografia
COCA ALBERS Diretora de Arte | Estudo Preliminar

LUIS SOARES Consultor de Acessibilidade
VICTOR FEFFER Consultor Assistente de Acessibilidade
FLÁVIA MILIONI Produtora Local de Acessibilidade | Estudo Preliminar

ERIC ENNSER Arquiteto Consultor de Acessibilidade | Anteprojeto

MAITE CANGLIARINE Consultora de Acessibilidade Física | Anteprojeto

VALÉRIA PRATES Consultora de Acessibilidade de Conteúdo | Anteprojeto

RITA SEPÚLVEDA DE FARIA Designer Gráfica
PEDRO BRUCZ Designer Assistente

LUIZA QUENTAL Designer Assistente | Anteprojeto

JULIA PINTO Designer Assistente | Anteprojeto
LUIS MARCELO MENDES Consultor de Branding

GUADALUPE CAMPOS Museóloga e Conservadora
RAUL CARVALHO Conservador-restaurador

 

 

Compartilhe

Facebook
Twitter
Email
WhatsApp
Telegram