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O Manto Tupinambá

Por Alexander Kellner, diretor do Museu Nacional/UFRJ 

O dia 12 de setembro de 2024, uma quinta-feira, já entrou para a história do nosso país. Nesta data, houve a oficialização da vinda do Manto Tupinambá ao Brasil para integrar as coleções e as futuras exposições do Museu Nacional/UFRJ. Uma grande honra e responsabilidade, não sem uma boa dose de complexidade em diferentes níveis… 

Os tupinambás diante do Manto Sagrado Tupinambá no Museu Nacional/UFRJ. Foto: Diogo Vasconcellos (MN/UFRJ)
Os tupinambás com o Manto Sagrado Tupinambá no Museu Nacional/UFRJ. Foto: Diogo Vasconcellos (MN/UFRJ)
A recepção do Manto Tupinambá 

Para comemorar a ocasião, foi montado um grande palco na Alameda das Sapucaias, na frente do histórico Paço de São Cristóvão, sede das futuras exposições e atividades educativas do Museu Nacional/UFRJ, no Parque da Quinta da Boa Vista. Na solenidade, estiveram presentes o Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, a ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, e diversos políticos, incluindo o governador da Bahia, Jerônimo Rodrigues. O ministro da Educação, Camilo Santana, não pôde comparecer por motivos médicos, mas enviou representante. A Ministra da Cultura, Margareth Menezes, também enviou representante. O Reitor da UFRJ, Roberto Medronho, a vice-diretora do Museu, Andrea Costa, e várias lideranças indígenas, incluindo a Cacica Maria Valdelice, estiveram no palco. A Embaixadora da Dinamarca no Brasil, Eva Pedersen, representou as autoridades dinamarquesas que fizeram a doação do Manto Tupinambá ao Museu Nacional/UFRJ. Profissionais do Itamaraty também registraram presença. 

Momento histórico! Foto: Diogo Vasconcellos (MN/UFRJ)
Momento histórico! Foto: Diogo Vasconcellos (MN/UFRJ)

Além dos preparativos que antecederam essa apresentação, o Presidente Lula e sua comitiva, juntamente com as lideranças dos tupinambás e outras autoridades, como o prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, fizeram uma visita ao Manto no prédio da Biblioteca Central, o que durou em torno de 20 minutos, com muitos registros importantes. Depois, o Presidente se dirigiu ao palco com a primeira-dama Janja Lula da Silva, onde houve diversos discursos com as pessoas convidadas pelo Cerimonial da Presidência. Ao todo, o evento durou perto de duas horas e meia. Uma bela festa! 

A primeira-dama Janja Lula da Silva foi homenageada pelos tupinambás. Foto: Diogo Vasconcellos (MN/UFRJ)
A primeira-dama Janja Lula da Silva foi homenageada pelos tupinambás. Foto: Diogo Vasconcellos (MN/UFRJ)

É interessante revelar que, alguns dias antes, no domingo, 08 de setembro, houve a primeira recepção oficial dos tupinambás ao Manto, quando puderam fazer os seus rituais nas dependências do Museu. Bem cedo, nesse dia, houve a transferência do Manto Tupinambá, que se encontrava no Campus de Pesquisa e Ensino, para a Biblioteca Central, no Horto Botânico. À tarde, representantes dos tupinambás tiveram o seu primeiro contato com o Manto, que ainda estava dentro de uma câmara de anoxia. Vivenciar esse momento foi muito emocionante!

Os tupinambás se dirigindo ao encontro do Manto, no Horto Botânico do Museu Nacional. Foto: Diogo Vasconcellos (MN/UFRJ)
Os tupinambás se dirigindo ao encontro do Manto, no Horto Botânico do Museu Nacional. Foto: Diogo Vasconcellos (MN/UFRJ)

Somente depois desse contato houve, por parte de profissionais da Seção de Museologia (SEMU) e de conservadores do Laboratório Central de Conservação e Restauração (LCCR) da instituição, a finalização da montagem do Manto em um suporte especialmente encomendado para essa peça. O Manto foi colocado em uma vitrine que se encontra em uma sala de aproximadamente 16m2, com as paredes frontais de vidro para possibilitar a visão. Todo conjunto fica dentro de recinto bem maior, pensado para possibilitar visitas e eventuais rituais dos povos originários.

Os anciãos vieram para os rituais de recepção do Manto Tupinambá. Foto: Diogo Vasconcellos (MN/UFRJ)
Os anciãos vieram para os rituais de recepção do Manto Tupinambá. Foto: Diogo Vasconcellos (MN/UFRJ)

Sempre é importante frisar que o objetivo de todo esse processo é dar plena segurança ao Manto Tupinambá, ao mesmo tempo que permita acesso aos indígenas. É importante destacar a fragilidade desse artefato que somente será exposto ao público quando o Museu reabrir as suas portas à visitação, o que está planejado para 2026. Nas próximas semanas, estamos organizando visitas ao Manto por parte dos colegas do corpo social que desejarem ver essa peça tão emblemática.

A vice-diretora do Museu, Andrea Costa, discursando na cerimônia ao lado do reitor da UFRJ, Roberto Medronho. Foto: Diogo Vasconcellos (MN/UFRJ)
A vice-diretora do Museu, Andrea Costa, discursando na cerimônia ao lado do reitor da UFRJ, Roberto Medronho. Foto: Diogo Vasconcellos (MN/UFRJ)

 

Tudo se iniciou em 2022 

Como já deixei registrado em uma Coluna do Diretor nas redes sociais do Museu (E o manto chegou… — 14/07/2024) e em um artigo de opinião publicado no Estadão (O manto tupinambá vive!  — 09/08/2024), foram diversas etapas para a vinda do Manto Tupinambá, algumas bastante complexas. 

Tudo se iniciou em 2022, com um telefonema do então embaixador do Brasil na Dinamarca, Rodrigo Azeredo, que propôs a ideia, imediatamente abraçada pela Direção do Museu Nacional/UFRJ. Como já manifestei por diversas vezes, em minha opinião, não existia peça mais importante oriunda ou produzida em solo brasileiro do que esse Manto. Nem mesmo minerais e fósseis, muitos dos quais possuem alto valor monetário, embelezando e valorizando coleções públicas e privadas do exterior. Segundo o embaixador, até aquela data, não havia nenhuma solicitação por parte de instituições brasileiras ao Museu Nacional da Dinamarca, o que foi feito por nós ainda em 2022. É essencial lembrar que a instituição dinamarquesa abriga ainda outros quatro mantos em diferentes estados de conservação. 

Até por sugestão do Museu Nacional da Dinamarca, houve consulta a representantes do povo tupinambá que concordaram com a doação do Manto Tupinambá ao Museu Nacional/UFRJ. Portanto, estava, assim, selado o acordo entre as autoridades dinamarquesas, o Estado Brasileiro, os tupinambás e o Museu Nacional/UFRJ. 

A informação da doação do Manto foi feita, de forma pública, por meio de um comunicado à imprensa em 27 de junho de 2023. Logo em seguida, foi formado um Grupo de Trabalho de Acolhimento ao Manto Tupinambá (GTAMT) que, como não poderia deixar de ser, tinha representantes dos tupinambás de Olivença e da Serra do Padeiro. 

Logo no início das tratativas para a vinda do Manto, houve a solicitação por parte do Museu Nacional da Dinamarca que não fosse divulgado o dia no qual a peça sairia daquele país por questões de segurança, sendo uma informação que foi repassada ao GTAMT.  

O Manto chegou ao Museu no dia 4 de julho do corrente ano, o que, como acordado, foi imediatamente comunicado, por e-mail, ao GTAMT, havendo, inclusive, uma resposta positiva de um dos representantes dos tupinambás. Foi avisado que a caixa onde se encontrava o Manto seria aberta alguns dias depois, no dia 8 de julho, e a peça seria colocada em uma câmara de anoxia por questão de conservação. Também foi informado que a câmara somente poderia ser aberta na sala que estava sendo preparada para o acolhimento do Manto. É importante mencionar que essa sala havia sido examinada e elogiada pelos representantes dos tupinambás antes da chegada do Manto. 

Entre as controvérsias, estava o desejo dos tupinambás de fazerem uma comissão para se despedir do Manto na Dinamarca. A Direção deixou muito claro, desde o início, que não se opunha, mas não teria como fazer frente às questões financeiras. Outro desejo que não pôde ser atendido por questão de segurança foi a solicitação de recepcionar o Manto no aeroporto. É essencial destacar que ninguém do Museu Nacional/UFRJ esteve no aeroporto quando a caixa especialmente confeccionada para o Manto chegou. Da mesma forma, quando a caixa foi aberta e o Manto transferido para a câmara de anoxia no dia 8 de julho, apenas conservadores e representantes da empresa de transporte (que tinham a obrigação de verificar se o exemplar chegou bem até por questões de seguro) tiveram acesso à sala. Desde o início dos trabalhos do GTAMT, a Direção do Museu Nacional/UFRJ deixou claro que não haveria por parte da instituição uma divulgação pública da vinda do Manto sem antes dar a possibilidade dos tupinambás de fazerem os seus rituais, o que foi acordado por todos os envolvidos. 

As primeiras informações colocadas na imprensa, contrariando o acordo, partiram dos próprios tupinambás. Mesmo diante das notícias pipocando na imprensa, é importante salientar que mantivemos a nossa promessa de apenas fazer a apresentação pública da chegada do Manto após a realização dos rituais desse povo originário. Resumindo: tudo o que foi feito pela Direção do Museu Nacional/UFRJ foi realizado de uma forma clara e transparente, procurando acomodar expectativas e obrigações, sobretudo com relação à fragilidade do Manto Tupinambá. Nunca é demais enfatizar que apenas 11 mantos restaram, todos fora do Brasil, e que as centenas que devem ter existido se perderam ao longo do tempo. Temos, agora, a responsabilidade de conservação dessa peça importante, que tanto significado carrega para todos os brasileiros  tupinambás ou não. 

Desde o início, eu tive a consciência que o Manto é algo especial, que mexeria com emoções e sentimentos, e que haveria um forte componente político em diversas manifestações, algumas justas e outras não. Não podemos deixar de lembrar o sofrimento dos tupinambás, que ainda lutam pela demarcação de suas terras, além de interesses de diversos grupos, inclusive acadêmicos, nem sempre conciliáveis. Acho importante salientar que essas manifestações ocorreram após a chegada do Manto ao Museu, e não no ano passado, quando sua doação foi tornada pública, nem mesmo nas reuniões que se sucederam, incluindo a escolha da vitrine e do local onde o mesmo seria guardado. 

Detalhes essenciais que merecem registro 

A grandiosidade do evento no dia 12 de setembro se deve a um importante trabalho coletivo, ainda que um tanto confuso, envolvendo a Presidência da República e os ministérios dos Povos Indígenas (MPI), da Cultura (MINC), da Educação (MEC) e das Relações Exteriores. Poucos sabem, mas um evento que tem a presença do Presidente da República é basicamente coordenado pela equipe da Presidência, que tem a última palavra em todos os aspectos. De certa forma, o Museu passou a ser coadjuvante de todo o processo, ainda que lhe coubesse a maior fatia da responsabilidade. Até mesmo datas acordadas com antecedência foram modificadas, o que inviabilizou a participação de profissionais do Museu Nacional da Dinamarca.  

Felizmente, acabou ocorrendo tudo muito bem. Os representantes dos tupinambás que estiveram presentes foram de grande gentileza e acredito que tenham ficado satisfeitos com o evento. Gostaria de destacar a contribuição de Karkaju Pataxó (MPI) pelo seu profissionalismo e cuidado com todas as questões envolvidas  ele foi peça fundamental em todo evento, particularmente fazendo a escuta e a mediação com o povo tupinambá. Contribuíram para o sucesso da apresentação oficial do Manto a Reitoria da UFRJ e o Fórum de Ciência e Cultura (FCC). Houve importante participação do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), da administração do Parque da Quinta da Boa Vista e da Prefeitura do Rio. 

Todos presentes compartilham que foi muito emocionante ver os rituais dos tupinambás, os principais protagonistas do evento. No entanto, é importante destacar que ficou faltando um reconhecimento a diversos profissionais e empresas que foram fundamentais para a vinda do Manto (veja mais adiante neste texto). 

Foi um trabalho bacana, mas não sem tensão. A começar pela maneira com a qual houve a comunicação da chegada do Manto por parte de um pesquisador para a Cacique Maria Valdelice, que representa os tupinambás de Olivença, feita por mensagem de WhatsApp. Certamente não houve uma má fé, mas a mim havia sido dito que houve um telefonema e não uma mensagem escrita por aplicativo de mensagens. Essa questão da mensagem enviada pelo WhatsApp deu muito o que falar, inclusive nas redes sociais, e, confesso, me incomodou bastante. Vale ressaltar que enviei, em nome do Museu, uma carta de desculpas por esse procedimento.

Sobre a questão dos custos relativos à preparação da sala onde o Manto iria ficar também houve dificuldades. Felizmente, conseguimos a indicação do embaixador Rodrigo Azeredo da possibilidade da empresa IRB(Re) – antigo Instituto de Resseguros do Brasil  apoiar e fazer frente aos desafios financeiros dessa adaptação. Também houve o apoio por parte da Traydus Climatização, que doou um ar-condicionado especial e da Salles Engenharia, que fez instalações desse e de outros ares-condicionados na sala do Manto. Estes dois últimos apoios somente foram possíveis pela excelente relação da empresa Salles Engenharia com a Associação Amigos do Museu Nacional (SAMN). Ademais, a SAMN através de Mariângela Menezes, Rosemeri Orth, Amanda Guimarães, Sônia Regina Nascimento e Noemia Barradas, acertou diversos aspectos técnicos como também adiantou os recursos necessários a esse projeto. Além disso, cabe destaque a Rhana Carga Internacional, que fez todo o desembaraço alfandegário deste e de vários outros acervos que temos recebido de fora do país. 

Ainda na parte de reconhecimento a quem tem auxiliado ao Museu, não posso deixar de mencionar Frances Reynolds, CEO da Inclusartiz, grande apoiadora de diversas iniciativas da recomposição dos acervos do Museu Nacional/UFRJ, tendo, inclusive, auxiliado nas ações com as autoridades do Museu Nacional da Dinamarca. É importante reconhecer os esforços da Trevo Soluções em Comunicação que, através de Márcio Martins e sua equipe, tem batalhado nas questões com a mídia, particularmente desafiadoras no caso do Manto. Também gostaria de destacar o apoio do chefe de Gabinete da Reitoria da UFRJ, Hélio de Mattos Alves, sempre presente para ajudar nas mais distintas demandas, antes e durante o evento do dia 12 de setembro. 

É fundamental destacar o incansável trabalho do embaixador Rodrigo Azeredo que agora se encontra como embaixador do Brasil na Noruega. Foram diversas reuniões e intervenções em questões burocráticas, muitas nada triviais. Também cabe agradecimento à Renata Baltar, consultora da UNESCO, que tem trabalhado em diversas aquisições de novos acervos para a instituição dentro da campanha Recompõe. Como não poderia deixar de ser, um especial reconhecimento às autoridades da Dinamarca, em especial ao Museu Nacional da Dinamarca, pela confiança na doação do Manto que eles cuidaram por tantos séculos! Aumenta em muito a nossa responsabilidade, ao mesmo tempo que demonstra estarmos no caminho certo da reconstrução.

A equipe que participou diretamente dos cuidados com a chegada do Manto Tupinambá. Foto: Diogo Vasconcellos (MN/UFRJ)
Parte da equipe que participou diretamente dos cuidados com a chegada do Manto Tupinambá. Foto: Diogo Vasconcellos (MN/UFRJ)

Por último, tem que ser reconhecido todo o trabalho feito pela Casa o que, confesso, enche este diretor de orgulho! Mais diretamente, as equipes da Ana Amaral do LCCR e da Thais Mayumi do SEMU! Sim, foram algumas noites mal dormidas devido às preocupações com diversos aspectos relativos ao Manto, em especial devido a sua fragilidade e importância. Também tem que ser reconhecido o trabalho do Setor de Etnologia e Etnografia (SEE), em especial de João Pacheco de Oliveira, que, apesar de aposentado, ajudou no início desse processo com a importante mediação com os tupinambás, em especial aos da Serra do Padeiro. Gostaria de ressaltar o trabalho de Gabriela Evangelista e Renato da Costa do Núcleo de Comunicação e Eventos; as inúmeras ações, muitas emergenciais de Wagner Martins, Mariah Martins (que coordenou com a Presidência a organização do evento), Juliana Sales, Robson Mendes e diversos outros profissionais da Administração. Outros setores também fizeram parte dos trabalhos, tais como o Núcleo de Atendimento ao Público (NAP), os trabalhadores terceirizados da segurança, limpeza e portaria e tantos outros que se dedicaram muito para o Museu nesta e em outras ocasiões.

E não podia deixar de fazer um agradecimento especial à vice-diretora, Andrea Costa, que, com suporte de todos, fez um excelente trabalho, muito elogiado! Também sei que todos que estiveram presentes nesse evento do Manto, ocorrido entre 8 e 12 de setembro, se emocionaram muito, vendo os tupinambás celebrando o seu ente sagrado! Valeu a pena! 

 

 

Palavra da Direção, artigo de opinião publicado no Harpia Nº 30, outubro de 2024.

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