Lembro, como se fosse hoje, do dia que a minha filha Renata visitou a exposição com braile, que ficava ali no térreo do Museu Nacional. Ela foi tocando tudo e conhecendo. Até que ela foi convidada para retirar da caixa de madeira, que eu fiz, os esqueletos dos bichos do mar. Ela ia adivinhando o que eram e conferindo na prancheta se a resposta estava certa ou não. Para mim, foi uma sensação que eu nem consigo falar, porque me dá vontade de chorar. Foi muito bonito.
Ela estava acompanhada da Sheila da SAE, que sempre vem me perguntar como a Renata está. Ela nasceu com uma deficiência visual e hoje é formada em Letras, especializada em português, inglês e espanhol. Em casa, ela sabe lavar, passar e cozinhar, porque a mãe dela ensinou tudo. Da mesma forma para o meu filho mais velho, o Fábio, que cozinha muito bem. Iríamos completar 40 anos de casados, mas minha esposa Neide faleceu há 3 anos. Quando eu precisava de algum material, ela trazia aqui na mesma hora, vindo da nossa casa na Ilha do Governador. Estou no Museu há 13 anos e sempre trouxe minha família para visitar as exposições e participar dos eventos. Até hoje, meus filhos passam aqui para almoçar comigo, quando vão dançar forró na Feira de São Cristóvão. E o meu filho Marcelo foi trabalhar em Portugal.
Marcenaria dentro e fora do Museu
Eu adoro a minha profissão: gosto mesmo e o pessoal fala que sou um artista, mas eu não sou. Executo o que os professores querem: exposições, consertos, móveis… Eu que faço também aquela peça que o professor Alexander Kellner dá de presente com a madeira queimada do Museu, como aquela que ele deu na exposição da baleia na Cidade das Artes. Ali, eu fiz também os painéis para as fotografias, a vitrine de madeira para os dentes da baleia e o suporte para a réplica.
A primeira exposição que participei no Museu foi a do professor Kellner, com um dinossauro que veio do Nordeste e ficava lá nos fundos. Tinha uma televisão grandona, uma réplica e uma asa ao lado, que eu fiz todos os recortes. Desde que trabalho aqui, participei da maioria das exposições: aquela vitrine da réplica do crânio do T-Rex dos Estados Unidos, a da professora Beth Zucolotto de meteoritos que ficava ali perto da bilheteria, e a de minerais do professor Ciro Avila. Sou vidraceiro também, então na exposição do Coral Vivo, inaugurada na festa dos 200 anos, eu fiz uns tampos e pequenas peças. Fiz vários trabalhos mesmo aqui! E fiquei apaixonado pela exposição do professor Kellner do T-Rex, inaugurada em 2018, porque as vitrines ficaram muito bonitas. Enquanto eu trabalhava, o público batia no tapume, pedindo para olhar o que estava sendo montado. Essa ficava depois da exposição dos indígenas.
Em 2019, participei de uma muito bonita sobre a Antártica na Casa da Moeda. Fiz, em conjunto com o arquiteto, a geleira com resina, coberta por um tecido. E toda a mobília e as paredes estavam cobertas por mais de cem chapas de MDF, pregadas por mais de 5 mil parafusos. Levei meu filho para me ajudar e conseguimos entregar tudo antes do prazo. Sinto muito carinho mesmo pelo meu trabalho.
Também trabalhei nas exposições itinerantes, mas eu não viajava com a equipe de montagem. A “Tesouros do Museu Nacional” tinha umas caixas verdes para guardar as coisas, mas chegaram mal feitas, então eu consertei algumas e construí outras. Na exposição dos indígenas, que estava em Brasília, eu fiz as caixas todas de compensado naval. E, nesses trabalhos, conheci a Marilene Alves, que me deu todo o caminho para eu fazer nota fiscal para mim.
Algumas pessoas daqui do Museu também me contratam para os móveis das casas delas. E compram meu artesanato feito com reaproveitamento de troncos de árvores caídas e bambu: bancos, bandejas, luminárias, porta-garrafas, colheres, porta-celulares… Meu filho me mostrou na internet como usar um pedaço de bambu para fazer um amplificador para o som do celular e eu fiz para vender. A gente fica em casa assistindo a vários vídeos ensinando a confeccionar coisas para eu fazer e ele me ajudar a personalizar. Uma vez sobrou de uma exposição um pedaço de luz de LED e pedi para mim. Daí, eu peguei uma copa de uma palmeira, que encontrei caída, coloquei uma base de tronco de árvore que eu já tinha, envernizei e fiz uma luminária. O Eduardo Barros, que tem o carro verde e era administrador no Horto, me ajudou a dar um preço e fez uma propaganda para mim. Uma pessoa comprou na hora e já me pagou. Pedi para ela deixar ainda de mostruário até eu conseguir comprar mais luz de LED e fazer outras. E assim comecei a vender umas grandes e outras pequenas.
De Minas para o Rio
Nasci em Minas Gerais, perto da Bahia, no Distrito de Araçuaí, a 12 léguas da cidade. Fica antes da cidade turística Virgem da Lapa. Meu pai trabalhava com alambique, quando eu era criança, e depois fomos morar num sítio plantando na roça até os meus 19 anos. Somos cinco irmãos, quatro homens e uma mulher, e eu sou o mais velho. A minha mãe detestava gente preguiçosa e sempre nos incentivou a trabalhar. Cheguei há 52 anos no Rio de Janeiro, e começaram a me chamar de Mineiro. Até hoje eu moro no mesmo morro na Ilha do Governador. Eu não gostava das encarnações sobre os mineiros e nem do que as pessoas ficavam generalizando sobre as comidas e os costumes porque Minas é muito grande. Meu nome é José Gonçalves dos Santos e poucas pessoas sabem. Só me chamam de Mineiro ou Seu Mineiro, que é o meu carimbo.
Comecei trabalhando com construção civil onde aprendi a profissão de carpinteiro e depois de marceneiro. Aprendi tudo com um colega de trabalho que viu que eu levava jeito para trabalhar com madeira e me recomendou fazer alguns cursos, mas ali ensinavam coisas muito básicas, que eu já sabia. Depois, fui trabalhar em estaleiro naval durante 20 anos. Nas minhas folgas, eu gostava de passear na Quinta da Boa Vista, visitando o zoológico porque adoro bichos e também visitava o Museu.
Chegada ao Museu
Fiquei desempregado por pouco tempo e apareceu um trabalho no Rio Comprido. Lá, apareceu uma arqueóloga e me contratou para uma reforma grande no museu do Parque Nacional de Itatiaia. Ela me disse que, se gostasse do meu trabalho, iria me trazer para o Museu Nacional, porque estavam precisando de um marceneiro como eu. Adorei o serviço e lá era tudo artesanal, no serrote mesmo. Então, a Simone Mesquita me trouxe para cá e estou aqui até hoje. Gosto muito do que eu faço.
O Museu Nacional é a minha segunda casa. Nunca tive problema com ninguém aqui. Agradeço o carinho das pessoas porque, na pandemia, elas se juntaram e me deram dinheiro todos os meses, por mais de 2 anos. Graças a Deus fizeram isso porque gostam de mim. Isso foi muito importante para complementar a minha aposentadoria. Foi muito lindo, espetacular mesmo ver que a minha pessoa merecia isso. Fico sonhando em trabalhar nas futuras exposições, depois da reabertura do Museu.
Um abraço para todos,
José Gonçalves dos Santos, conhecido como Mineiro
Prestador de serviços de marcenaria para o Museu Nacional/UFRJ
Observação: Os integrantes do corpo social que quiserem conhecer as peças produzidas pelo Sr. Mineiro podem entrar em contato com ele ou visitar o galpão de marcenaria no Campus de Pesquisa e Ensino.