Eu quero que as pessoas cheguem no Museu e vejam uma casa que precisa sempre ser cuidada com amor. Coloco meu amor aqui, e trabalho com esse sentimento há 30 anos. Gosto de ver o que tem que ser feito e fazer com boa vontade, estar junto das pessoas, sempre ajudando no que for preciso. É uma casa muito boa de trabalhar: uma maravilha isso daqui.
Satisfação em trabalhar
Já estou para me aposentar com toda a papelada pronta, mas ainda não assinei. Eu não iria conseguir ficar em casa parado e pensando que o Museu está aqui precisando de mim. Quando eu perceber que não tenho mais habilidade para fazer as coisas, aí que vou começar a realmente pensar em me aposentar. A professora Vera Huzsar sempre me fala: “Jorge, você não existe“, me elogiando que eu sempre resolvo tudo o que ela me pede. É que eu gosto de fazer tudo e fico feliz quando vou contar que já está pronto.
Sempre que me pedem para fazer uma coisa, eu gosto de primeiro ir, ver e avalio se eu consigo ou não. Eu sempre gosto de tentar pelo menos. Até mesmo para retirar algo do lugar, eu levanto e vejo se tem como carregar. Já aconteceram umas histórias engraçadas. Tinha um jacaré grande em cima de um armário e eu pedi para uns garotos contratados pegarem a peça para depois a gente retirar o armário de lá, e eu não fui junto. Só de olhar, eles voltaram para me dizer que não dava para carregar o jacaré porque ele era muito grande. Fui até lá e eles ficaram insistindo que não daria de jeito nenhum. Subi na escada e, quando levantei, percebi que esse jacaré era de isopor, bem leve. Eles nem tinham tentado.
Mas também já tivemos vezes que precisamos carregar móveis muito pesados. Um trabalho que me marcou foi a retirada de mais de cinquenta armários de ferro fundido de dentro do Museu. Eles tinham mais de 6 metros, com um peso muito grande. E tinha que descer no muque e eu ficava alertando a equipe: “Se cair, deixa cair, porque é muito pesado e tenham muito cuidado para não ficar embaixo de jeito nenhum”. Foram muitas passagens assim, que eu fico cativando.
O Jorge do Museu
Minha mãe sempre me fala para eu me aposentar, mas explico para ela que gosto de trabalhar aqui. Eu trazia ela e minha família quando tinham as festas na Alameda das Sapucaias. Antigamente, a Eliane de Eventos chegava com a ordem e a gente fazia as divisórias no chão, tudo organizado, para depois colocar as lonas. Era um trabalho que eu adorava fazer. No dia, eu apresentava a minha mãe para todo mundo, e mostrava tudo para ela o que a gente tinha feito. Minha mãe era professora primária e gostava muito de participar das festas do Museu. Boa parte da minha família é de professores. E tenho uma irmã que é pintora, ela pinta a família todinha e coloca nas exposições dela com os outros quadros. Eu tenho seis filhos, sendo uma menina, a Bia. O mais velho tem 40 anos e o mais novo tem 27 anos, e ele foi o que mais aproveitou o Museu. O Júnior cresceu correndo pelo Museu todinho, ele sumia enquanto eu trabalhava.
Hoje eu moro em Paciência. Haja paciência para chegar! Na pandemia todinha, que a gente não parou aqui, eu vinha de carro, mas agora já estou usando o trem. A minha vida toda é o Museu Nacional: são 30 anos. Eu sempre falo do Museu Nacional nas minhas rodas de amigos. Eu adoro porque eu e o Museu nos encaixamos como uma luva. Tenho uma casinha na Mazomba, em Itaguaí, e toda sexta eu meto o pé para lá. Fica perto de uma cachoeirinha, mas eu prefiro o meu chuveirão. Eu e minha esposa gostamos de receber nossos amigos e a família com churrasco, feijoada ou mocotó. E todo mundo sabe que eu trabalho no Museu, e eu fico até bobo. Isso me dá uma coisa tão gostosa de ouvir que todo mundo me vê como o Jorge do Museu.
Estação Biológica de Santa Lúcia
A gente sempre ia para Santa Teresa, no Espírito Santo, ajudando a construir as pontes, fazer os caminhos, e a manutenção dos laboratórios e do túmulo do Ruschi na Estação Biológica de Santa Lúcia. Fui várias vezes. A gente chegava a ficar entre 10 e 15 dias, e demorava porque a gente comprava os troncos, e ainda mandava fazer o tratamento, e de manhã a gente fazia aquela fila, levando um por um até lá em cima. Eu não gostava de ficar na mata, mas gostava quando eu estava por lá e tinham umas festinhas na cidade muito bonitas. Fui a umas festas italianas, festas do beija-flor, com barracas e roupas típicas muito bonitas. Eu adorava.
Contribuições nas montagens e desmontagens de exposições
Participei de praticamente todas as exposições que foram montadas ao longo desses anos, no preparo das salas e no que fosse necessário. Vinha sempre uma equipe com os móveis já montados, e a gente chegava para pendurar algumas coisas, pintar a sala e arrumar a iluminação. Foram muitas exposições, e tinham umas peças grandes feitas pelo Maurílio Oliveira para pendurar. Teve uma do professor Kellner que deu um trabalho, porque era muito frágil e tinha que ficar numa posição igual a do bicho voando, e a gente levava um montão de tempo até conseguir. Todo mundo aqui da manutenção sente o maior prazer em trabalhar aqui.
Eu não sei por que, mas eu não era de ficar parado admirando as exposições, não. Eu chegava e só montava ou desmontava. Meu negócio sempre foi fazer as coisas. Quando eu não consigo, fico incomodado. Fico pensando em casa e volto para cá já tentando, testando de diferentes formas. E, quando outra pessoa é contratada, eu observo como ela vai fazer para eu já saber numa próxima vez.
A gente desmontou aquela baleia grande que estava no segundo andar há uns 15 anos. Veio um cara especialista e ficamos junto, ajudando em tudo. Aquele borboletário lindão, que tinha na exposição no segundo andar, foi preso no teto, passando por dentro do sótão para pregar nos caibros lá em cima. E, na desmontagem, a gente retirava todos os móveis para liberar o espaço. Também ajudei nas exposições itinerantes. Eram 20 dias para montar e 15 dias para desmontar. Isso para mim era maravilhoso porque a gente fazia uma verdadeira revolução no lugar! Lembro que ficou muito lindo o nosso trabalho em Natal.
Minha chegada ao Museu
Antes de trabalhar na UFRJ, há 40 anos, eu trabalhava na manutenção da Varig. Quando passei na seleção de funcionários, fui encaminhado para a antiga prefeitura no Fundão, e recebido pela Dra. Lúcia, a engenheira, e o Wagner. Como lá tinham poucas coisas para fazer na época, eles começaram a me emprestar para alguns setores, e fui rodando a Universidade. Quando me emprestaram para o Museu, reencontrei o Wagner. E eu ficava indo e voltando até que ele arrumou um jeito de me deixar aqui. Comecei a trabalhar direto e a me envolver com o Museu, porque aqui é assim: o Museu te envolve de uma tal maneira… Quando eu cheguei, a chefe era a Dona Vanda. Aí, quando eu passei para a responsabilidade da oficina, eu vi que não sou somente um bombeiro hidráulico, mas o chefe da Manutenção, trabalhando em tudo com a equipe. Fui pegando aos poucos o serviço, absorvendo tudo o que eu consigo. Gosto de brincar com o pessoal, colocando apelidos trocados de propósito. Eu gosto muito de brincar com os meus colegas, graças a Deus.
Espero reencontrar todos vocês em breve.
Um abraço,
Jorge Luiz Silva
Servidor público, chefe da Manutenção do Museu Nacional/UFRJ.