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Davi Duarte detecta alinhamento solar em estátua funerária feminina do Egito Antigo

Davi Duarte no Egito. Foto: Pedro Luiz von Seehausen

Na Tumba Tebana 49, na cidade de Luxor, no Egito, a disposição das estátuas do sacerdote chefe dos escribas de Amon, Neferhotep, e de sua esposa Merytra pode não ser casual. As análises de campo sugerem que durante os equinócios da primavera e do outono, um alinhamento solar ilumina somente a estátua de Merytra, indicando uma escolha intencional. Essa importante descoberta é um dos resultados dos estudos de Arqueoastronomia realizados por Davi Duarte sobre o Egito Antigo.

Ele é pesquisador do Laboratório de Egiptologia (Seshat) do Museu Nacional/UFRJ, doutorando do Programa de Pós-Graduação em Arqueologia (PPGArq) e integrante do Projeto Neferhotep, dirigido pela egiptóloga Maria Violeta Pereyra, da Argentina. Seus orientadores são a professora Marta Mega do IFCS/UFRJ e o professor Álvaro Allegrette da PUC/SP. Na entrevista, a seguir, concedida ao boletim Harpia, ele nos conta mais sobre seus estudos.

Estudo de arqueoastronomia sendo realizado nas estátuas funerárias na Tumba de Neferhotep pelo Davi Duarte
Estudo de arqueoastronomia sendo realizado nas estátuas funerárias na Tumba de Neferhotep pelo Davi Duarte. Foto: Pedro Luiz von Seehausen
Harpia — Para começar, informe, basicamente, o que se estuda em Arqueoastronomia?

Davi Duarte — A Arqueoastronomia estuda a relação das arquiteturas erguidas pelos humanos com eventos celestes, sendo até hoje importantes marcadores de tempo e das estações. Devemos entender que o domínio do tempo ainda é uma ferramenta de poder político. Se observarmos com atenção, contabilizar um calendário, as datações cerimoniais e festivas são prerrogativas dos governos. Na Antiguidade, isso também era assim. O saber astronômico para o homem antigo era essencial para sua sobrevivência e, por conseguinte, uma peça nas estruturas de ordenamento e domínio social. É por meio da observação de equinócios, solstícios e helíacos que era possível, como até hoje, registrar a mudança de estações do ano. Saber quando uma colheita deveria ser feita com alguma eficiência, quando seria propício e seguro navegar sob bons ventos e uma boa visibilidade das estrelas orientacionais, entre outros benefícios era essencial. Assim, o instrumento mais utilizado pelos antigos como seus “marcadores de tempo” estava na arquitetura de suas construções como palácios, pirâmides, tumbas, santuários etc.

Harpia — Interessante… E o que você tem estudado no Egito? 

Davi Duarte — Minhas pesquisas no Egito são medições de alinhamentos astronômicos e arquitetônicos da Tumba de Neferhotep (TT49), no Vale dos Nobres da necrópole tebana localizada em Luxor. Construída no período transicional das dinastias XVIIIª e XIXª. Essa tumba apresenta alinhamentos importantes que demonstram que o domínio do saber astronômico, neste período conturbado da história egípcia, não estaria restrito à realeza, mas, apresenta-se representado nas tumbas de uma classe elítica da sociedade desse período.

Harpia — Qual é o seu foco nas pesquisas?

Davi Duarte — O foco da minha pesquisa está em detectar os alinhamentos por meio de uma metodologia de medição com o auxílio softwares de análises astronômicas e imagens de satélite aliados a um equipamento desenvolvido por mim especificamente para a coleta de dados local. No momento, minha pesquisa no Egito está focada na TT49, entretanto, para se cumprir com a metodologia e sua eficácia, são necessárias medições em outras tumbas da necrópole do mesmo período da TT49 e templos, como Karnak e Hatshepsut. Agora em 2024, foi a terceira campanha em que eu participei desde 2020.

Harpia — O que você descobriu até o momento e que sente mais orgulho? 

Davi Duarte — Além de outras importantes descobertas, posso seguramente dizer que a mais marcante na Tumba de Neferhotep está na posição das estátuas mortuárias. Diferentemente das demais tumbas de seu tempo, a posição das estátuas está invertida o que permite que a luz solar, no momento do equinócio, atinja a estátua de Merytra, esposa de Neferhotep, mas não a estátua dele. É algo notável onde podemos sugerir um status de importância à sua esposa cuja estátua está alinhada a um evento celeste marcador de tempo. Ao colocar o equipamento para aferição das estátuas, percebe-se também que a estátua de Merytra tem uma assimetria entre o quadril e o rosto, ao que tudo corrobora, é intencional a fim de uma correção de ângulo.

Davi realizando os estudos no Egito. Foto: Pedro Luiz von Seehausen
Harpia — Maravilhosa essa descoberta. E desde quando você está desenvolvendo esses estudos no Museu Nacional/UFRJ?

Davi Duarte — Inicialmente, o desenvolvimento da minha pesquisa de doutoramento em arqueoastronomia tem como foco os palácios em Creta, na Grécia. Minha ida ao Egito se fez por convite da professora Violeta Pereyra, a fim de utilizar minha metodologia também na Tumba de Neferhotep. Hoje, integro efetivamente a equipe do Proyecto Neferhotep da Universidade de Buenos Aires. Assim, eu participo de duas áreas na arqueologia do Museu Nacional: Egiptologia e Arqueologia do Mediterrâneo.

Foto: Pedro Luiz von Seehausen
Harpia — O que você recomendaria para os leitores do boletim ‘Harpia’ conhecerem mais sobre a Arqueoastronomia?

Davi Duarte — Recomendo, para o dileto iniciante, uma bússola sempre à mão para aferir as arquiteturas monumentais, igrejas antigas, mausoléus, linhas de organização de uma cidade, por exemplo. Entretanto, um aprofundamento na pesquisa sobre a cultura que cerca o objeto de estudo também é essencial para compreendê-lo. Seja num sítio arqueológico — ou mesmo histórico — o uso de um efeito orientacional pelo Homem em relação às suas construções é, por vezes, perceptível e fascinante. Podemos experimentar um olhar astronômico em sítios megalíticos e com inscrições rupestres localizados em diversos lugares no Brasil. O olhar mais atento ao céu e seus eventos pode trazer curiosas descobertas.

 

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