O trabalho com o barro é uma prática ancestral que marca a identidade cultural e os caminhos de sobrevivência dos membros da comunidade quilombola Buriti do Meio, do norte de Minas Gerais. Eles enviaram ao Museu Nacional/UFRJ uma coleção de 20 peças representativas de suas técnicas e tradições. Trata-se de um acervo pioneiro: é o primeiro acervo afro-brasileiro deste momento de reconstrução, o primeiro acervo afro-brasileiro reunido em parceria com a comunidade e o primeiro acervo quilombola da história da instituição.
As peças foram selecionadas segundo as avaliações dos membros da própria comunidade e do Ponto de Cultura Quilombo Artes. “Isso é inédito para o Museu Nacional/UFRJ porque as coleções africanas e afro-brasileiras que havia, até o incêndio, foram reunidas, a sua grande maioria, no século XIX, no contexto da escravidão”, explica a técnica do Setor de Etnologia e Etnografia (SEE), Michele de Barcelos Agostinho. Ela destaca que a formação de coleções pelos próprios sujeitos, segundo seus próprios critérios, valores e narrativas, tem sido prioritária na perspectiva curatorial do SEE, responsável pelo diálogo, aquisição e guarda desse material.
“Não há mais lugar para relações unilaterais, desrespeito ou qualquer forma de violência na aquisição e exposição de acervos etnográficos. O mundo mudou, os museus mudaram. O espaço museológico precisa ser ético, polifônico, diverso e de múltiplas representações; precisa construir relações dialógicas com as comunidades de origem. Os saberes tradicionais não podem ser silenciados frente ao saber acadêmico”, pontua Michele.
Recepção das peças
Em novembro de 2022, foi feita a recepção dessas peças no Campus de Pesquisa e Ensino Museu Nacional. Organizada pela equipe do SEE, contou com a presença de Wendell Lima, representante do quilombo Buriti do Meio que trouxe as peças com o apoio da Prefeitura de São Francisco (MG). Além de integrantes do corpo social do Museu, estiveram presentes a presidente da Associação das Comunidades Quilombolas do Estado do Rio de Janeiro (ACQUILERJ), Bia Nunes, e o Pai Paulo de Ogum da comunidade Ilé Àse Ógún Àläkòro, Quilombo Quilombá, de Magé, Rio de Janeiro.
Durante a entrega das peças, Wendell Lima discursou: “Eu trouxe uma peça de 200 anos. Ela tem um significado enorme pra gente. A gente tá trazendo o maior ‘ouro’ da comunidade pra vocês. Eu espero que vocês zelem por esse ‘ouro’”. Ele se referiu à peça mais antiga, que foi usada para guardar água e que ele julga ter essa antiguidade, sendo um objeto precioso enviado ao Museu Nacional/UFRJ. As demais peças foram feitas recentemente e são voltadas para o uso cotidiano, como ornamentação ou utensílio doméstico. Na sua fala, também informou: “Nossas cerâmicas têm um significado de amor, de carinho e de muita atenção. Pra gente chegar a fazer uma peça dessa leva oito horas todos os dias”.
A comunidade quilombola Buriti do Meio está localizada na zona rural do Norte de Minas Gerais. O contato foi iniciado por intermédio da antropóloga Aline Rabelo, consultora da UNESCO e que integra a equipe dedicada às novas exposições. Ela contou com o apoio de Gustavo Fialho, estudante do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social (PPGAS) do Museu Nacional/UFRJ, que estudou a comunidade para a sua dissertação de mestrado. Com o título “O Povo da Cultura e as Forças do Barro no Quilombo Buriti do Meio – MG”, foi defendida em fevereiro de 2018. Ele conheceu essa comunidade quilombola, por acaso, durante suas férias na região.
Diálogo, aquisição e guarda do SEE
A técnica Michele Agostinho explica que a expectativa do SEE é de que o contato com a comunidade seja permanente. “Para nós é muito importante ter a colaboração das comunidades em todas as etapas do trabalho, desde o registro e documentação das peças, passando pela guarda e conservação, até a exibição pública”, avalia.
No SEE, a ficha de registro é bastante completa. Ali, o representante da comunidade pode documentar as informações que achar pertinentes sobre os objetos, como, por exemplo, a melhor maneira de guardá-los, se há restrições para exposição, os usos e os significados dos objetos, entre outros detalhes. “Fazer um inventário participativo é crucial para garantir que os interesses e narrativas das comunidades sejam introduzidas no espaço museológico e que ali estejam documentadas, evitando que os diálogos construídos hoje sejam esquecidos no futuro”, ressalta Michele Agostinho.
Saiba mais:
Dissertação de mestrado de Gustavo Fialho, pelo PPGAS/MN/UFRJ: “O Povo da Cultura e as Forças do Barro no Quilombo Buriti do Meio – MG”. Acesse.
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