Ao redor do mundo, o Carnaval é celebrado de formas variadas, refletindo a diversidade dos povos e suas tradições culturais. No Museu Nacional/UFRJ, essa festa serve como fonte de estudos, reflexões e trocas de saberes. Décadas atrás, tivemos os estudos pioneiros do antropólogo Roberto da Matta. E o que está sendo produzido atualmente? Para esta matéria, conversamos com os coordenadores do Laboratório do Lúdico e do Sagrado, o Ludens, e do grupo de pesquisa Observatório de Carnaval, o ObCar.
‘Carnavais, Malandros e Heróis’ e outros marcos
O antropólogo Roberto da Matta foi professor e pesquisador do Museu Nacional entre 1962 e 1987, tendo exercido cargos como: chefe do Departamento de Antropologia e coordenador do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social (PPGAS). Além de ter estudado grupos indígenas, ele se dedicou ao estudo dos carnavais como rituais que ampliam a compreensão da sociedade brasileira. Ele contestou a visão do Carnaval como mero instrumento de alienação ou escapismo, demonstrando que, na verdade, ele serve como uma chave importante para entender as contradições da sociedade, seus momentos de hierarquização e de modulação da ordem. Em sua produção, Da Matta observou que, embora o Carnaval represente aspectos da sociedade, ele não o faz mecanicamente, nem de forma literal, mas ressalta certos aspectos que narram a história que contamos para nós mesmos sobre nós mesmos. Sua vasta produção apresenta marcos da produção antropológica, como: “Carnavais, Malandros e Heróis”, publicado pela primeira vez em 1979, e “Universo do Carnaval, Torre de Babel”.
O Carnaval no Laboratório do Lúdico e do Sagrado
No Laboratório do Lúdico e do Sagrado (Ludens) do Museu Nacional/UFRJ, as pesquisas sobre Carnaval focalizam principalmente a manifestação de devoções nos desfiles das escolas de samba, como narrativas que associam religião e cultura. Muitos enredos abordam, além do catolicismo e das religiões afro-brasileiras, as devoções de outros lugares pelo mundo, como a Índia, existindo essa interface entre religião, cultura e arte. “É importante observar que o Carnaval tem sua dimensão de arte efêmera: ele é feito, mas é desmontado e reciclado após o desfile”, pontua a antropóloga Renata Menezes, professora do PPGAS e coordenadora do Ludens. E completa: “Por isso pode ser importante manter alguns exemplares de fantasias que testemunham o processo carnavalesco, cujo calendário vai desde a escolha do enredo, com diferentes etapas de concepção e realização, até o dia do desfile”.
As doações de fantasias ao Ludens começaram pelo desfile da Mangueira em 2017, cujo enredo, “Só com a Ajuda do Santo”, falava sobre devoções e refletia a visão do carnavalesco Leandro Vieira sobre a conexão entre santos e devotos na cultura brasileira. Após a perda dessas peças no fatídico incêndio de 2018, uma delas foi reconstruída para uma exposição futura do Museu Nacional. Em seguida, o Laboratório recebeu outras fantasias de escolas como a Unidos do Viradouro e a Acadêmicos do Grande Rio, mas sempre alinhadas a seus temas de pesquisa. “Iniciativas como a inclusão do Carnaval no acervo do Museu Nacional refletem o desejo de analisar e valorizar o Carnaval o ano todo, reconhecendo sua significativa contribuição cultural”, avalia Renata. Ela destaca que é importante se levar em conta nas pesquisas e na constituição de acervos os critérios para coleções com os recortes, até porque o volume da produção ano a ano é imensa, com inúmeros detalhes nas dezenas de escolas de samba no Rio de Janeiro. A professora também enfatiza que a nova geração de carnavalescos valoriza enredos que dialogam com questões contemporâneas, bem como com a luta pelo reconhecimento das escolas de samba como elementos essenciais da cultura negra brasileira. Essa abordagem busca destacar o papel da população negra na formação do Brasil.
Quando os pesquisadores do Ludens iniciavam seus contatos com a Mangueira para seus estudos sobre devoção, representantes do Museu Nacional também estavam dialogando com a Imperatriz Leopoldinense para o desfile que fez a homenagem a nosso bicentenário na Avenida, em 2018. A partir disso, surgiu a ideia de se promover, em setembro de 2017, o seminário “A Importância do Carnaval Carioca”, realizado com diversas mesas, trazendo diferentes personalidades do universo carnavalesco. O encerramento foi marcado com a Velha Guarda da Imperatriz Leopoldinense cantando na escadaria monumental do Paço de São Cristóvão.
Pesquisa e extensão no Observatório de Carnaval, o ObCar
O Observatório de Carnaval do Laboratório de Estudos do Discurso, Imagem e Som (Labedis) do Museu Nacional/UFRJ, nasceu como um grupo de pesquisa e, atualmente, é também um projeto de extensão. Fundado em 2018 pela professora Tania Clemente, ele tem a coordenação do doutorando Rodrigo Rosa e do pesquisador-orientador e carnavalesco, Milton Cunha.
“Buscamos observar o Carnaval não apenas com viés academicista, mas entendendo que é uma festa popular que produz múltiplos discursos, inclusive políticos, a serem observados dentro da academia com os próprios atores do Carnaval”, explica Rodrigo. Eles iniciaram as atividades com mesas-redondas mensais, convidando carnavalescos, porta-bandeiras e mestres-sala para compartilhar suas experiências no ambiente acadêmico, abordando diversos temas como narrativas das escolas de samba e o bailado da porta-bandeira. “Esses contatos foram despertando o interesse de mais pessoas, lotando auditórios, e gerando conexões que levaram muitos estudantes da UFRJ para estagiar nos barracões”, comemora o pesquisador.
Milton Cunha completa a importância do trabalho que estão desenvolvendo: “Desde os anos 1970, a relação entre o cânone, a intelectualidade, a erudição e a cultura popular vêm se estreitando, com um crescente número de teses, dissertações e pesquisas nessa área. No ObCar estamos empenhados em promover extensões universitárias significativas, considerando o Carnaval também como uma forma de extensão. Nossa decana Tania Clemente, com seu olhar democrático e incentivador, nos encoraja a oferecer cursos para as comunidades, ouvindo e integrando suas vozes e experiências, sendo isso essencial. É muito chique ter o ObCar aqui no Museu Nacional e no Fórum de Ciência e Cultura da UFRJ!”.
A cada ano as mesas-redondas eram iniciadas após o mês de março, abordando o Carnaval que tinha acabado de acontecer. A professora Tania Clemente destaca que, a partir delas, surgiu a ideia do ObCar premiar as escolas de samba do Rio, sendo o primeiro evento de premiação realizado na Cidade do Samba, com a presença de personalidades como Rosa Magalhães, entre outros ícones.
Durante a pandemia, as atividades foram veiculadas no YouTube e, atualmente, elas continuam no formato on-line porque foram conquistados interessados também de outros estados. Outro destaque das atividades do ObCar é o estímulo para os participantes produzirem artigos para serem publicados em diferentes espaços, como a “Revista Policromias”, que é editada pela professora Tania. Ela comemora a vasta produção que rendeu dois volumes em 2021. Ao mesmo tempo, eles passaram a promover cursos.
E como tudo começou? Os idealizadores e realizadores do ObCar têm diferentes experiências com o Carnaval, o que amplia as possibilidades de desenvolvimento de atividades diversas. Em 2000, por exemplo, a professora Tania desenvolveu um trabalho que avaliou como os carnavalescos interpretaram e alegorizaram a temática que foi dada para todas as escolas de samba sobre os 500 anos do Brasil. Até hoje esse trabalho é citado, inclusive no exterior. Ela é professora do Programa de Pós-Graduação em Linguística e Línguas Indígenas (PROFLLIND) e coordenadora do Labedis, que é vinculado ao Fórum de Ciência e Cultura da UFRJ. A ideia de criação do ObCar foi dada pelos seus orientandos, na época, Rodrigo Rosa e Thiago Freitas.
Thiago, em sua tese de doutorado, estudou os carnavais realizados pelo carnavalesco Milton Cunha, com a orientação da professora Tania. Rodrigo é de Niterói e desde a infância frequentava a Acadêmicos do Cubango, escola que foi fundada por um dos seus tios, e também a Unidos do Viradouro. Quanto ao Milton Cunha, todos nós o conhecemos como comentarista de Carnaval na Rede Globo e de temas diversos no Programa Sem Censura da TV Brasil, mas ele tem também uma sólida formação acadêmica, sendo doutorando em Linguística pela UFRJ. O ObCar é registrado no CNPq. No YouTube do Labedis tem uma série de cursos e outras atividades disponíveis. Acesse agora.
Você conhece outras produções do Museu Nacional/UFRJ sobre o Carnaval? Sugira como pauta para imprensa@mn.ufrj.br.
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