Passando de trem pela Estação São Cristóvão, já avistei a fachada do Museu Nacional em seus diferentes momentos. A paisagem agora é outra, sendo muito satisfatório quando vejo como ela está, com cada detalhe cuidadosamente restaurado. E mais ainda por fazer parte da equipe de restauração. Olhando para ele dá até uma vontadezinha de chorar, não dá?
Cuidado contínuo
Minha função é cuidar para que cada trabalhador das obras de restauração retorne para suas casas e encontre suas famílias, no final do dia, do mesmo jeito que eles chegaram aqui. Eles precisam ter passado por treinamentos com todas as normas regulamentadoras para saber como trabalhar em altura nos andaimes, e em todo o tempo devem estar bem protegidos. É muita responsabilidade e sempre estamos fazendo reciclagens e observando o tempo todo eles trabalhando para evitar acidentes e outras coisas também. Sou o segurança do trabalho da equipe da Velatura e tem também o Marcos, que é o segurança do trabalho da equipe da Concrejato, e contamos também com o Jhony, que é técnico de edificações da Velatura, além das arquitetas Daniela e Verônica, e a Solange, que é administradora.
Há uns 25 anos presto serviços para a equipe do arquiteto e restaurador Wallace Caldas, uma pessoa muito inteligente, que admiro. Trabalhei no Theatro Municipal, no Museu de Belas Artes, na Igreja da Sé, no Arquivo Nacional, no BioParque e em muitos outros projetos importantes. Guardo dentro do meu livro de segurança no trabalho, com carinho, um recorte de jornal, que eu apareço na foto sobre a restauração do Theatro Municipal, na época que a Carla Camurati era a diretora.
De todos esses projetos tão importantes, o Museu Nacional é diferente, porque ficou destruído pelo incêndio e por tudo o que ele representa. Quando você entra aqui, sente algo difícil de explicar, mas que não é difícil de entender. Eu rodo todo o Museu e vejo a satisfação do pessoal que está trabalhando, além de me passar toda uma história de tudo o que já aconteceu aqui, até porque sou espírita kardecista. O Jardim das Princesas é algo muito bonito, que o público ainda não conhece, mas vai ter a oportunidade de conhecer também.
Nasci no Lins dos Vasconcellos, fui criado em Piedade e, quando eu era garoto, passeava com minha família pela Quinta da Boa Vista, visitando o zoológico e o Museu Nacional. Depois, fiz o mesmo com meus filhos e minha esposa. Hoje, eu moro em Madureira e acordo por volta das 4h para começar a trabalhar aqui às 6h, orientando e observando os trabalhadores.
Abraço ao Museu
Eu gosto de acompanhar as visitas mediadas que o Kellner faz com os convidados. Ele começa a falar, e eu começo a me envolver com essa garra toda, que é muito importante, e começo a acreditar que tudo vai dar certo e que nada vai atrapalhar. Acho engraçado quando ele conta que matava aula para visitar o Museu, mas que podia fazer isso porque estudava muito também.
Já veio aqui muitas pessoas importantes, inclusive o Lula recentemente, que é o meu Presidente. Mas me lembro de uma japonesa que, quando viu o estado que o Museu Nacional ficou por dentro, começou a chorar aos prantos. Dei um abraço nela porque percebi que era isso o que ela precisava naquele momento. Todos nós precisamos de um abraço. Até desviei o meu rosto para que ela não visse que meus olhos também estavam cheios de lágrimas. Aqui, todos os dias sentimos uma emoção diferente: o Museu mexe com a gente.
As pessoas aqui são muito educadas e gentis. Fica fácil. Um dia a professora Marcia Couri pediu para eu mostrar as obras do Museu para um colega dela. Era o horário do almoço na obra, então fomos nós três conversando sobre tantos detalhes interessantes, que nem vi o tempo passar. Aprendo muito com os professores e depois eu repasso o que eu aprendo aqui, sempre que possível, para outros visitantes das obras. Nessas horas, eu me sinto até um professor. Sou casado com uma professora e passo para ela muitas coisas que aprendo aqui sobre a história do Museu.
Satisfação por fazer parte
Estou na equipe da Velatura no Museu Nacional, desde o final de 2021. Recebi uma ligação do Wallace e aceitei na hora: deixei o outro trabalho para fazer parte dessa reconstrução. Antes de começar nessa equipe, no início das obras, eu tive a oportunidade também de trabalhar na documentação chamada PPRA, que é o Programa de Prevenção de Riscos Ambientais. Com o Wallace, comecei a trabalhar no início da minha carreira, no Arquivo Nacional, assim que completei o curso de Segurança no Trabalho.
São muitas oportunidades interessantes ao trabalhar aqui. Até pude deixar umas palavras de esperança de um mundo melhor na Cápsula do Tempo do Museu Nacional, que foi enterrada ano passado e será aberta daqui a 50 anos. Pedi para o Kellner e ele deixou. Escrevi que espero que as pessoas evoluam, sem racismo, sem preconceito, que se entendam mais, conseguindo ajudar mais o próximo. Que no futuro as pessoas abracem mais as situações, entendendo que a falta de conhecimento, por exemplo, foi só a falta de oportunidade para aprender. Tem um filme que eu gosto muito que se chama “O Livro de Eli”, onde o personagem vai deixando mensagens de esperança às pessoas que restaram no mundo. Ter esperança é importante.
Quando o Museu for reaberto, a primeira coisa que vou notar será o olhar das pessoas, porque será bonito observar como elas vão olhar tudo o que será novidade para elas. Além disso, espero que sejam tomadas todas as providências para conservá-lo. Que ele seja melhor do que era. Quero trazer minha família, meus amigos, meus vizinhos. Tenho filhos, que hoje estão com 16, 24 e 30 anos. É muito importante saber que trabalhei numa obra que vai dar muita alegria para as crianças, que, no futuro, meus filhos irão trazer os meus netos e eles vão trazer os filhos deles.
Agradeço a todos pela confiança no meu trabalho!
Um abraço,
Allan Kardec Santos Chagas
Técnico de Segurança no Trabalho da Velatura, empresa de restauração que presta serviços no histórico Paço de São Cristóvão, sede principal do Museu Nacional/UFRJ.