Numa segunda-feira de 2005, eu estava fazendo a ronda das salas expositivas do Museu Nacional, conferindo as peças, cada detalhe. O Museu estava ali só para mim. Em certo momento, me veio muito claro: “Se eu fizesse isso a vida inteira, eu ia ser feliz!”. Nessa época, eu estudava no Colégio Pedro II, era estagiária no programa de iniciação científica e estava definindo a minha carreira. Até me emociono só de lembrar daquele instante, porque foi ali que decidi ser museóloga. Eu estava feliz em estar na equipe, sendo orientada pela museóloga e historiadora Thereza Baumann na Seção de Museologia. Ela integrava todos nas reuniões, nas atividades, contribuindo desde a curadoria das peças nas exposições até a escolha das cores e dos textos. Eu achava divertido e, ao mesmo tempo, estava descobrindo o que era essa profissão.

Desde sempre eu já frequentava programas culturais com minha família. A minha mãe, Lidia, é professora de português e o meu pai, Jorge, é professor de história e eu pensava em cursar algo de humanas, mas ainda desconhecia a Museologia. A gente morava no Méier, eram comuns as visitas à Quinta da Boa Vista, e tenho algumas lembranças do Museu, da baleia, dos animais taxidermizados e das múmias.

Mas minhas lembranças mais marcantes são de quando eu cheguei para estagiar, participei da montagem da exposição “Memória dos Visitantes do Museu Nacional”, nas Salas do Trono e dos Embaixadores. Logo depois veio a renovação das salas de Arqueologia Pré-Colombiana e de Arqueologia Greco-Romana, com a Coleção Teresa Cristina. Lembro de ver os afrescos de Pompéia sendo colocados na vitrine e que o trabalho de montagem terminava super tarde. Mas as equipes do SEMU, como a museóloga Marilene Alves, a bióloga Edina Pereira, mandavam os estagiários embora antes de anoitecer, porque éramos muito novos. E tive a oportunidade de participar da primeira versão da exposição itinerante “Tesouros do Museu Nacional”, que apresentava cenograficamente peças icônicas do acervo. Após a primeira montagem, vi tudo sendo planejado para a logística das viagens, com a criação de caixas de transporte que depois levaram essa apresentação do Museu para várias partes do país.

Em 2007, fui estudar Museologia na UniRio, trabalhei em outras instituições, como o Instituto Butantan e o Ecomuseu Ilha Grande/Uerj e voltei ao Museu em 2015, exatamente dez anos após o estágio, já como servidora. Foi bem no momento da montagem da exposição “Arte com os Dinossauros”, com os trabalhos do paleoartista Maurílio Oliveira.

Eu cheguei e, imediatamente, ajudei a equipe que estava trabalhando na montagem para a inauguração. Foi apenas uma sala, mas rendeu uma repercussão imensa: com mais de 11 mil visitantes na primeira semana. Saiu em todos os canais de televisão, foi uma repercussão enorme e, por isso, uma recepção intensa do público com fila que dobrava o Jardim Terraço. Foi uma experiência incrível, muito especial.

Participei de vários outros projetos importantes entre 2015 e 2018, antes do incêndio. O último deles foi a remontagem do Maxakalisaurus topai. Em 2017, fechamos a sala para refazer a base, que tinha sido atacada por uma infestação de cupim. Em 2018, o professor Alexander Kellner assumiu a Direção do Museu e definiu como prioridade a reabertura dessa sala. Para buscar recursos, fizemos uma campanha de financiamento coletivo, e trabalhei intensamente da campanha à remontagem, com revisão dos conteúdos da sala e inclusão de novas peças e recursos de acessibilidade.

Logo depois do aniversário de 200 anos do Museu, fizemos a abertura com a presença dos doadores, inclusive as crianças que contribuíram, fascinadas pelo dinossauro! Essa é uma das coisas que eu mais amo em ser museóloga: poder ter a visão global dos projetos acontecendo, desde que nasce uma ideia até chegar nesses momentos de trocas com os públicos.

O ano 2018 foi muito marcante. Em meio aos desafios nos preparativos para os 200 do Museu, ganhamos de presente a homenagem pela Escola de Samba Imperatriz Leopoldinense, que apresentou o bicentenário do Museu no Carnaval. E foi um processo que desde 2017 várias pessoas do Museu estavam envolvidas, desde a pesquisa dos carnavalescos, ensaios na quadra em Ramos e na Quinta da Boa Vista, e até o desfile na Marquês de Sapucaí. Foi muito marcante esse envolvimento de todos, e, após o Carnaval, a Escola nos doou as fantasias do desfile. Decidimos montar a exposição “O Museu dá Samba” e, ao invés de colocar as fantasias em uma só sala, as espalhamos pelo Museu ao lado das peças que as inspiraram, então o Museu ganhou uma cara de Carnaval!
Exposições na reconstrução
Depois do fatídico incêndio, a gente da Seção de Museologia conversou e decidiu: se a gente acredita que o Museu Nacional vive, esse diálogo com o público precisa continuar e a gente precisa continuar fazendo exposições seja onde for. Logo que a gente se reuniu com o Kellner, na primeira semana da reconstrução, sugerimos a continuidade da montagem do projeto que já estávamos desenvolvendo para a exposição “Quando Nem Tudo Era Gelo” sobre as pesquisas na Antártica. A professora Juliana Sayão tinha acabado de chegar ao Museu para ser curadora dessa exposição e descobrimos que muitas peças não estavam no Paço de São Cristóvão, e que seria possível continuar o projeto. Conseguimos uma parceria com a Casa da Moeda do Brasil, no Campo de Santana, e foi muito simbólico e incrível porque foi justamente no prédio da sede original do Museu, 200 anos depois de sua criação. Isso em pouquíssimos meses pós-incêndio e sem ter sequer espaço para trabalhar. Foi muito especial porque foi o primeiro grande momento feliz de todos juntos do Museu novamente e isso nos deu forças para seguir tocando nosso trabalho.

Quase em paralelo, surgiu a oportunidade de realizar no CCBB do Rio a exposição “Arqueologia do Resgate”. Conceber e montar do zero em dois meses, enquanto tocávamos a Antártica, foi uma insanidade coletiva, mas gratificante por ver a força e mobilização das equipes mesmo nas piores condições, com a participação de quase todas as equipes de curadoria do Museu. Contamos com uma equipe especializada em expografia para nos ajudar.

Foram muitos dias e noites de trabalho, mas conseguimos entregar para o público uma mostra com as peças que já tinham sido resgatadas no Museu, inclusive levamos o meteorito Santa Luzia. Imagina um meteorito de quase uma tonelada sendo levado até o hall do CCBB, parando a Rua Primeiro de Março? A ideia era mostrar ao público resultados do trabalho monumental que as equipes estavam realizando no Resgate de Acervos e evidenciar que o Museu seguia vivo, mantendo suas atividades de ensino, pesquisa e extensão, apesar de tudo. Nesses meses iniciais eu não consegui nenhuma vez falar em público sobre o Museu sem chorar, porque é a história da minha vida, da vida de tanta gente do Rio, do país. Mas foi, e continua sendo essencial manter esse contato do público com os acervos do Museu Nacional. Foram muitos projetos especiais e importantes desde então.

Mais recentemente, na experiência temporária “Entre Gigantes”, contribuí principalmente com conteúdo, revisando textos, e acompanhei a montagem, incluindo a entrada do trabalho do artista visual indígena Gustavo Caboco, do povo Wapichana. É importante para o Museu ampliar nossas narrativas, além do olhar exclusivamente científico. A abertura foi emocionante, e o primeiro dia de visitação mais ainda. Com três salas, concluímos agora em 28 de setembro, recebendo mais de 60 mil visitantes. Foi a primeira vez desde 2 de setembro de 2018 que o público pôde entrar, mesmo que temporariamente, no histórico Paço de São Cristóvão, sede das futuras exposições e suas atividades educativas. Foi um marco para todos nós, foi muito significativo.
Agora, estamos tendo a definição pelo público do nome do cachalote, que está suspenso na claraboia. Lembrei de um momento muito engraçado que vivenciamos anos atrás na definição do nome de um bebê mastodonte de pesquisa do professor Leandro Salles. Entre as diversas sugestões do público, foi escolhido o nome Badauí. Várias pessoas pensaram que fosse algum nome indígena, mas não sabíamos a justificativa da escolha. No dia do evento de anúncio do nome, no Auditório Roquette-Pinto, quando os professores perguntaram para o menino bem novinho o motivo dele ter sugerido esse nome, ficamos sabendo que era simplesmente uma homenagem ao ídolo dele, o vocalista Badauí, da banda CPM 22. Eu adoro essa história, e tenho certeza de que esse menino deve gostar ainda mais.

E pensar que, desde aquela segunda-feira de 2005 no Museu, quando decidi ser museóloga, passaram-se exatos 20 anos! Apesar de tudo o que aconteceu, é especial ver agora todas as conquistas da reconstrução e a definição das novas exposições do nosso museu de história natural e antropologia. É muito gratificante contribuir com tudo isso, inclusive como pesquisadora.

Uma das minhas grandes conquistas recentes foi a defesa da minha tese de Doutorado em Memória Social, em 2024, em que pesquisei justamente a memória das exposições do Museu e o processo do desastre e da reconstrução. E uma grande emoção foi ter tido a possibilidade de realizar a defesa dentro do Paço de São Cristóvão, em reconstrução. Em momentos como esse, passa um filme na nossa cabeça de tudo que essa instituição já passou e tudo que ainda podemos realizar nela.

Eu sigo fazendo a minha parte, trabalhando, sonhando e esperando para o futuro do Museu Nacional que ele seja renovado, fortalecido, com coleções recompostas e preservadas, que os espaços sejam acessíveis e um diálogo ativo com a sociedade. Que o Museu incorpore as tendências contemporâneas da museologia, com a participação dos públicos, a inclusão de diferentes narrativas nas exposições e a valorização do engajamento comunitário, da sociedade e dos públicos do entorno.

Espero que o Museu Nacional seja um espaço de aprendizado, reflexão e inovação, conduzido com ética, responsabilidade, transparência e respeito à legislação que o rege como órgão público à serviço da sociedade. Que as expertises e forças individuais sejam sempre mobilizadas para o trabalho coletivo, interdisciplinar, de interesse da instituição. Que tenha uma gestão eficiente e sustentável, e que continue sendo uma referência nacional e internacional, vivo, funcionando, aberto e conectado às necessidades e expectativas do nosso tempo.
Agradeço a todas as pessoas que têm contribuído e caminhado com a gente neste processo de reconstrução, reafirmando nosso compromisso de que o Museu Nacional/UFRJ é de todo mundo e para todo mundo. Convidamos nossos públicos e parceiros a se engajarem, visitarem as exposições temporárias e participarem dos eventos, reconhecendo o Museu como espaço de aprendizado e de compartilhamento de histórias.
Juntos, podemos transformar perdas e desafios em oportunidades para reconstruir essa instituição viva, aberta, inclusiva e em defesa da cultura, da ciência e da educação no nosso país!
Abraços,
Thaís Mayumi Pinheiro, museóloga da Seção de Museologia e coordenadora das Novas Exposições para Reconstrução do Museu Nacional/UFRJ.
Conteúdo do Harpia Nº 34, outubro de 2025.




