Feitas pelas mãos de artistas da comunidade Ilé Àse Ógún Àläkòro, Quilombo Quilombá, representações de orixás, em madeira, metal e palha da costa, agora integram nosso acervo afro-brasileiro. Na festa de aniversário dos 205 anos do Museu, o público teve acesso pela primeira vez à peça que representa Xangô.
Esse personagem foi escolhido em razão da narrativa iorubá: Xangô é o senhor da justiça e do fogo transformador (e não destruidor). Sua ferramenta é o machado de duas lâminas, o oxé, que, por cortar para os dois lados, simboliza a imparcialidade na aplicação da justiça. “Após o incêndio, o Museu Nacional precisou se reinventar. Trabalhamos para que os alicerces que refundam a instituição tenham por base processos dialógicos e democráticos como esforço institucional de reparação histórica”, ressalta a técnica do Setor de Etnologia e Etnografia (SEE), Michele de Barcelos Agostinho.
Como a comunidade Quilombo Quilombá, de Magé, tem artistas que produzem representações de orixás, a equipe do SEE avaliou a importância do Museu Nacional ter objetos como esses em seu acervo como forma de reparação histórica. Essas representações foram confeccionadas pelos artistas Jonathan Nobre, Jorge Nobre e Wellington Soares.
Valorização da memória e da diversidade cultural
Michele de Barcelos informa que, até o incêndio de 2018, havia nas nossas Coleções Etnográficas objetos reunidos a partir da violência policial. Nos anos 1880, a polícia da Corte cercava e invadia as casas de africanos e de seus descendentes que viviam no Rio de Janeiro, aprisionava as pessoas e seus objetos sob a acusação de “feitiçaria”, charlatanismo e por serem consideradas perigosas.
“Não podemos permitir que o Museu Nacional seja um lugar de práticas coloniais. O SEE vem trabalhando para estabelecer relações colaborativas entre a instituição e as comunidades de origem das coleções, de modo a apoiar suas políticas de memória. Planejamos ver estas e demais peças do novo acervo etnográfico nas futuras exposições do Museu, as quais estarão pautadas numa educação antirracista e de respeito à diversidade cultural do Brasil”, ressalta a técnica do SEE, Michele de Barcelos Agostinho.
Ela conta que, no acervo de antes de 2018, tinha também peças reunidas em outros contextos. Algumas representações de orixás foram reunidas, por exemplo, por Heloísa Alberto Torres, na década de 1940, e não fazem parte das apreensões da polícia. Todos esses objetos estavam na exposição “Kumbukumbu”, inaugurada em 2014 e desaparecida no incêndio.
A recepção dessa coleção
Os técnicos Crenivaldo Veloso, Michele de Barcelos e Paula de Aguiar foram receber essa coleção adquirida para o SEE do Museu Nacional/UFRJ, no Quilombo Quilombá, em 25 de maio. São cerca de vinte peças.
“Tivemos uma bela recepção pela comunidade, com direito a café da manhã e feijoada no almoço. Também esteve presente a Superintendente de Saberes Tradicionais da UFRJ, a professora Marcia Cabral. Sentimo-nos muito acolhidos. Esperamos conseguir retribuir à altura o carinho e a confiança recebida”, agradece Michele.
Festa dos 205 anos do Museu
A representação do Xangô foi a peça central da atividade que o SEE realizou na tenda científica. Foram realizadas também outras atividades: roda de jongo, desfile de moda com a grife da comunidade, jogo de quebra-cabeça para as crianças e barraca com comida do quilombo. “Tudo em comemoração à aquisição desta nova coleção para o Museu Nacional. Sem o apoio do Paulo José dos Reis, liderança do Quilombo Quilombá, e da comunidade nada disso teria acontecido”, reconhece Michele de Barcelos.
O início da parceria
Essa parceria surgiu em outubro de 2022. A equipe do SEE vinha conversando com a presidente da Associação Estadual das Comunidades Quilombolas do Estado do Rio de Janeiro (ACQUILEJ), Bia Nunes, quando ela os apresentou ao Paulo José dos Reis, liderança do Quilombo Quilombá, Bongaba, Magé. Eles dois estiveram no Campus de Ensino e Pesquisa Museu Nacional para participarem do evento de recepção da coleção de cerâmica do Quilombo Buriti do Meio, de São Francisco (MG). “Essa coleção de cerâmica foi o nosso primeiro material afro-brasileiro adquirido após o incêndio de 2018. Depois disso, o diálogo e a parceria com o Quilombo Quilombá cresceram”, explica Michele de Barcelos.
Saiba mais:
Para conhecer em detalhes a nova linha curatorial das Coleções Etnológicas do Museu Nacional/UFRJ, leia essa matéria do Harpia com o professor João Pacheco de Oliveira: Nossas Coleções Etnológicas renascem de forma inovadora. Acesse.