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Observações sobre a Estação Biológica de Santa Lúcia e o Horto Botânico na primavera

Oficialmente, estamos na primavera. Mas, como aqui no Brasil as estações não são tão definidas como no hemisfério Norte, pouco dá para perceber a diferença no dia a dia da cidade. Em florestas serranas do Sudeste, a mudança de estação fica um pouco mais perceptível. Fato é que, ao olhar para o calendário, nos deu vontade de usar essa época como pretexto para falar sobre a Estação Biológica de Santa Lúcia, no Espírito Santo, e o Horto Botânico do Museu Nacional/UFRJ, na Quinta da Boa Vista, no Rio. Convidamos dois conhecedores desses nossos espaços especiais para nos passar suas impressões pessoais, respectivamente: o professor e ornitólogo Marcos Raposo e a professora e botânica Cristiana Koschnitzke.

‘Nesta época, observamos com mais facilidade a forte relação entre as aves e as flores’, Marcos Raposo

Marcos Raposo

 

Nas florestas atlânticas de montanhas bem conservadas do Sudeste do Brasil, dá para ouvir mais os bichos nos meses próximos à primavera, porque estão em plena atividade reprodutiva. Um desses lugares especiais é a Estação Biológica de Santa Lúcia (EBSL) no município de Santa Teresa, região serrana do Espírito Santo, que funciona como um campus avançado de pesquisas, recebendo pesquisadores de diferentes lugares. São 440 hectares, o que equivale a 616 campos de futebol. Foi criada em 1940 a partir das pesquisas do patrono da ecologia no Brasil, o naturalista Augusto Ruschi, que foi pesquisador do Museu Nacional.

As aves sobrevivem ao inverno de diferentes formas, as florestas ficam mais silenciosas e tristes, digamos assim, e ocorrem os eventos migratórios para a parte mais baixa. Já na primavera, as aves têm à disposição uma abundância maior de flores e frutos nessas florestas primárias como a Santa Lúcia. Nesta época, observamos com mais facilidade a forte relação entre as aves e as flores, porque não são somente os beija-flores que gostam de néctar, mas inúmeras espécies se alimentam dele e chegam até a comer a flor inteira. E as árvores perdem as folhas e deixam suas flores mais atraentes para os pássaros e, assim, acontece a polinização, espalhando a espécie pela floresta”, resume o ornitólogo, professor e curador da Coleção de Aves do Museu Nacional/UFRJ, Marcos Raposo.

Aqui o inverno é mais seco, tem menos água. Então é na primavera que as aves poderão alimentar seus filhotes com mais facilidade, os bichos vão demarcar território, cantando muito mais. “Para se ter uma ideia, no inverno dá para ouvir umas 40 espécies de aves, enquanto na primavera umas 200 ao longo dos dias em Santa Lúcia. Ficam muito marcantes os cantos das tovacas, que se parecem com um alarme de carro, e são interessantes, assim como o canto estridente de inhambus, que têm a aparência de uma galinha. Você já deve ter ouvido falar da dupla sertaneja Chitãozinho e Xororó, que tem nomes de inhambus. Outro canto que gosto muito é o das arapongas, que parece uma bigorna batendo no ferro”, cita Raposo sobre os cantos das aves que mais chamam a atenção dele.

O professor Marcos Raposo com pesquisadores em trabalho de campo

São poucos lugares no Brasil onde se têm florestas primárias, preservadas. Na Estação Biológica de Santa Lúcia tem floresta primitiva e tem também trechos de floresta secundária velha. “Ela é preservada e a conhecemos muito porque a estudamos há décadas. São poucos lugares no Brasil onde podemos encontrar uma Mata Atlântica tão preservada. É um patrimônio maravilhoso”, avalia o professor Marcos Raposo. “Na primeira vez que fui para Santa Lúcia e vi um gavião em cima do alojamento, onça passando a 100 metros de mim, eu não me perdoei por não ter ido antes. Lá, ainda temos o gavião-real (Aliás, cientificamente é chamado Harpia harpyja, sendo homenageado no nome do nosso boletim), sendo um dos poucos lugares no Brasil, assim como os muriquis, ambos ameaçados de extinção. Eles precisam de lugares bem conservados para manter sua dieta e, assim, suas populações”, explica Raposo, que é apaixonado por aves. Passou a anotar as aves que avistava, quando foi morar no Recife (PE), entre seus 6 e 10 anos, porque seus irmãos ficavam duvidando que ele tivesse visto na estrada o tanto de gaviões que ele contava. “Quando entrei no Museu, no Laboratório de Ornitologia, minha paixão pelas aves virou pesquisa e amor mais maduro. Agora me dedico a estudar a filosofia da ciência, após muitos anos dedicados a descrever e fazer muitos trabalhos de taxonomia e classificação de aves”, finaliza.

Saiba mais sobre a Estação Biológica de Santa Lúcia, aqui.

‘Entre 400 espécies do Horto, temos, em todos os meses, aproximadamente 100 delas com flores’, Cristiana Koschnitzke.

Cristiana Koschnitzke

Criado como um espaço de experimentações dos botânicos, o Horto Botânico do Museu Nacional/UFRJ é uma área cultivada dentro da cidade. Ela foi anexada ao Museu em 30 de setembro de 1896. Quando assumiu a função de responsável técnica pelo Horto, por volta de 2012, a professora e botânica Cristiana Koschnitzke decidiu listar, identificar e mapear todas as espécies de plantas do lugar.

Calliandra emarginata, Amherstia nobilis e Chloroleucon tenuifolium
Calliandra emarginata, Amherstia nobilis e Chloroleucon tenuifolium

“Ao longo de 6 anos, a cada 15 dias, eu verificava as florações. Entre 400 espécies do Horto, temos todos os meses aproximadamente 100 delas com flores, com leve diminuição entre maio e junho, que são os períodos mais secos. Também temos algumas espécies ornamentais, que florescem o ano todo. A elevação na primavera é bem pequena, porque o que mais influencia é o período de chuva”, observa Cristiana. Ela destaca que entre o Norte e o Sudeste do Brasil, temos um inverno mais seco e um verão mais úmido, sem ter as outras estações tão definidas por ser um país tropical. E, para algumas espécies como o ipê, o que desencadeia a floração é a diminuição da temperatura.

Alpinia zerumbet, Aechmea bromeliifolia e Heliconia bihai
Alpinia zerumbet, Aechmea bromeliifolia e Heliconia bihai

Cristiana sempre foi urbana, mas é encantada por plantas desde pequena. Ainda lembra que, quando estava na educação infantil, gostava de quebrar a folha de um limoeiro para cheirar e que, quando surgiram as flores brancas, o aroma chegava na sala de aula. “Nós do espectro autista temos os sentidos muito apurados e meu hiperfoco sempre foi com as plantas. Além disso, minha mãe sempre teve muitas plantas, meu pai gostava de orquídeas, e o meu avô de origem alemã me levava para o jardim dele, mostrando os detalhes das plantas e flores”, relembra Cristiana.

Conheça mais sobre o Horto Botânico e suas espécies, além de conseguir ouvir os sons das aves do lugar, aqui.

 

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