Você já observou folhas marcadas por uns caminhos, como se fossem rabiscos? Eles são feitos por algumas espécies de pequenas moscas que, enquanto larvas, se alimentam cavando túneis na superfície das folhas e dos caules. Como o efeito é de minas, elas são chamadas popularmente de minadoras. Com a coordenação da professora Márcia Couri, a pesquisadora Viviane Sousa iniciou, em 2010, os estudos pioneiros no Brasil sobre a família Agromyzidae, com a consequente composição da coleção científica para o Museu Nacional/UFRJ.
Pioneirismo
Viviane chegou ao Museu na iniciação científica, sendo desafiada pela professora Márcia, logo nos meses iniciais, a ser a primeira taxonomista a trabalhar com esse grupo no país. Os estudos anteriores eram focados no controle aos danos causados por essas pragas. Cabe destacar que, mais do que alterações na aparência, elas causam impactos no sabor dos frutos e na coloração das flores, por exemplo, por isso é um grupo de importância econômica. Até então, tínhamos na nossa coleção aproximadamente quinze espécimes doados pela Embrapa. Hoje temos mais de 3 mil indivíduos, de diferentes localidades do Brasil e do mundo.
“Sinto muito orgulho e felicidade por contribuir com a inauguração dos estudos desse grupo e da construção dessa importante coleção para o Museu, que é tão maravilhoso para mim, sendo a minha segunda casa. Cheguei logo no início da graduação, sabendo muito pouco e a professora Márcia me ensinou tanto, despertando a minha paixão pelo desenvolvimento das pesquisas e estou em constante troca com essa equipe maravilhosa e com nossos parceiros“, celebra Viviane, que atualmente desenvolve atividades de pós-doutorado no Museu.
Logo nesse início, o laboratório fez parte do programa Sistema Nacional de Pesquisa em Biodiversidade, o Sisbiota Brasil, criado pelo CNPq. Por meio dele, Viviane teve a oportunidade de coletar em diferentes regiões do país, como na Chapada dos Guimarães e em Rondônia, por exemplo. Quando ingressou no mestrado, usou esse material e focou seus estudos na diversidade desses organismos. “Eu vivia dentro da Biblioteca do museu estudando o que já existia na literatura, e o Seu Antônio além de outros funcionários conseguiram diversos artigos para mim. Hoje, temos um acervo extenso em artigos impressos, livros e PDFs, que fui arrecadando ao longo desses doze anos”, pontua.
O acervo científico vem crescendo constantemente por meio de coletas e parcerias. Viviane acaba de visitar o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia, o INPA, onde recebeu a doação de material do Norte, do Nordeste e de países como o Peru. A coleção da professora Daniela Maeda Takiya, do Instituto de Biologia da UFRJ, também foi doada para o Museu Nacional, com material que representa diversas localidades. E, recentemente, recebemos uma doação de material da Austrália, que ainda está sendo contabilizado.
Pragas agrícolas
Nem todas as espécies da família Agromyzidae são pragas agrícolas, mas no doutorado a Viviane Sousa decidiu focar nelas. Resumidamente, ela realizou pesquisas em cultivos no Nordeste, realizando tanto a identificação morfológica quanto a identificação molecular. Avaliou também os efeitos climáticos, como a temperatura, a umidade no ar e a incidência de chuvas, em relação à sazonalidade dessas moscas em cada lugar e o parasitismo. Por meio de parceria e financiamento da Embrapa e CNPq, a cada dois meses, ela fez coletas em cinco cultivos diferentes: melão, melancia, tomate, além de duas flores ornamentais, a gipsofila e o crisântemo. Esses estudos de campo foram realizados ao longo de um ano no Ceará e no Rio Grande do Norte.
“Esses cultivos são atingidos por dois tipos de praga, que são generalistas, sem uma preferência de cultivo, e, por isso, eles se alastram com facilidade durante o ano inteiro. Dentro do grupo, existem também algumas espécies que têm preferência por determinados gêneros e espécies de plantas, sem ter um impacto tão grande quanto as pragas”, destaca Viviane.
Para a pesquisa, foram escolhidos um pequeno produtor de tomates e grandes empresas, onde os contatos se deram com os agrônomos. “A empresa de melão, principalmente, tinha recursos maiores, com diferentes vertentes de controle, além dos produtos químicos. Eles relatavam o grande impacto no produto final e que os pequenos produtores faziam mais uso de agrotóxicos do que eles, que diversificam as formas de controle. E, realmente, no cultivo de tomate, eu tinha que me retirar na hora da aplicação e eles ficavam azuis de tanto produto químico”, destaca a pesquisadora.
Mesmo plantas ainda bem pequenas chegam a ficar tomadas pela praga, sendo muito difícil controlá-las, porque alguns produtos químicos são menos eficazes para controle das moscas minadoras. “Além dessa resistência ao produto químico, a larva fica protegida dentro da camada mais externa da folha, então cresce facilmente uma nova geração”, explica Viviane.
Ela aproveitou sua estada no local para fazer diferentes vertentes de estudo, envolvendo tanto a coleta de espécies para a identificação quanto para avaliar os impactos em algumas amostras: “Avaliei em laboratório os efeitos climáticos sobre a incidência de mosca-minadora, a partir da contagem das larvas encontradas nas folhas de algumas amostras. Para se ter uma ideia, eu chegava a contar 100 larvas em uma única folha de melão”.
Por estar dentro da Embrapa, Viviane teve a oportunidade de ampliar seus estudos utilizando os equipamentos e recursos dos laboratórios deles, onde foi possível fazer microscopia de varredura em algumas amostras. Além de realizar estudos moleculares supervisionados pela professora Daniela Takiya no IB-UFRJ. Ela conseguiu, por exemplo, verificar as linhagens dessas pragas em laboratório, observando as diferenças genéticas entre uma mesma espécie que ocorre no Brasil e em outras regiões do mundo.
Além da professora Marcia Couri, a Viviane contou com a orientação de Daniela Maeda Takiya, do Laboratório de Entomologia do Instituto de Biologia da UFRJ, e de Nívia da Silva Dias-Pini da Embrapa, de Fortaleza (CE). “Tive a sorte de poder contar com a orientação delas três, que são exemplos de pesquisadoras e de mulheres fortes. Pretendo levar essa parceria para a vida inteira”, evidencia.
Pós-doutorado sobre a família completa
Atualmente, Viviane Sousa está desenvolvendo um estudo molecular da família Agromyzidae, a partir das coleções preservadas em álcool. Todos os gêneros que ocorrem no Brasil, sendo praga ou não, estão sendo estudados.
Saiba mais:
- Caracterização da Infestação por Mosca-Minadora nos Primeiros Dias do Ciclo de Cultivo de Gipsófila e Crisântemo, São Benedito, Ceará, Brasil. Acesse.
- Effects of climate, seasonality, and parasitoid abundance on Liriomyza Mik (Diptera: Agromyzidae) populations on important crops in Northeastern Brazil. Acesse o artigo científico (em inglês).
- Investigating Liriomyza (Diptera: Agromyzidae) Populations From Northeastern Brazil: mtDNA Analyses of the Global Pests L. sativae and L. huidobrensis. Artigo científico em inglês).
- A new species of Liriomyza Mik (Diptera, Agromyzidae) on okra in Brazil, publicado na Zootaxa. Acesse a publicação científica.