Você certamente tem dádivas na sua vida. Eu tenho várias e vou compartilhar aqui algumas relacionadas à minha história com o Museu Nacional/UFRJ, que começou em 2005, quando a Thereza Baumann era a responsável pela Seção de Museologia. Desde então, venho prestando serviços para as exposições permanentes e temporárias, internas e externas. São muitas trocas e aprendizados com os curadores, a equipe, incluindo o pessoal da oficina, e o público ao longo dessas quase duas décadas.
Acolhimento
Você lembra da sua chegada ao Museu? Lembro com nitidez sobre o dia que recebi a notícia de que a Thereza Baumann precisava de alguém já formado em Museologia e eu era a única da minha turma que tinha se formado nos quatro anos previstos, então uma colega me passou o contato dela. Moro no Vidigal e, quando desci para ir a uma banca de jornal comprar um cartão para recarregar os créditos do meu celular, passou um ônibus com destino à São Cristóvão. Decidi subir naquele ônibus, e quando eu cheguei à Quinta da Boa Vista, sentei num banco na frente do Museu e liguei para o número da sala da Thereza, informando que eu estava lá. Ela ainda não tinha marcado a entrevista e me informou que teria uma reunião em instantes. Mas, ela é tão gentil, que me convidou para conversar enquanto a reunião dela não era iniciada. Quando fui relatar a minha experiência, informei que somente tinha estagiado no Museu da República, e ela me respondeu que ela, também estava aprendendo. Imagina? Com toda a bagagem e experiência que ela já tinha. Tudo ficou acertado para o meu início no dia seguinte, a reunião dela já seria iniciada, e ela gentilmente pediu para um colega me levar para almoçar como uma convidada dela, já me integrando à equipe. Então, os meus primeiros minutos para trabalhar para o Museu foram com a receptividade, a humanidade, a delicadeza e o respeito da Thereza.
Os fascinantes meteoritos
Participei da construção de algumas exposições com os meteoritos, em diferentes fases, e a exposição “Memória de Visitantes” foi a primeira que trabalhei no Museu. Ela destacava a memória dos visitantes ilustres que o Museu recebeu ao longo do tempo. Entre estes a visita de Albert Einstein ao Museu, em maio de 1925, e seu contato com o meteorito Bendegó. Foi maravilhoso porque eu já comecei no Museu tendo contato com os diferentes curadores, a grandeza e a beleza do acervo. Foi também o meu primeiro contato com a professora e curadora Maria Elizabeth Zucolotto, que é muito dinâmica. Em 2015, participei da exposição “Da Gênesis ao Apocalipse” onde ela decidiu posicionar o meteorito Santa Luzia de forma que o público pudesse sentar e tirar fotos. Fiquei muito feliz em estar na equipe e ver a reação do público.
Fios de esperança
Já no início do meu trabalho percebia fios de esperança que o Museu teria a modernização das suas exposições: trabalho importante iniciado nos anos 2000. A exposição do Egito estava pronta e a da Coleção Teresa Cristina e os Afrescos de Pompéia, que tinham acabado de ser restaurados ganharam novas vitrines. Tinham movimentos para reformular outras exposições, apesar da falta de recursos, e acompanhei de perto algumas delas. Nesse período, também participei dos projetos e atualizações das exposições de longa duração de Cultura Pré-Colombiana, Etnologia Indígena, Paleontologia entre outras.
‘Conchas, Corais e Borboletas’
Outro destaque foi a renovação e mudança de salas da exposição sobre os Invertebrados, que antes ficava nos fundos e foi levada para o lado do Paço onde fica o Jardim das Princesas. Quando cheguei ainda tinham partes concebidas, na década de 1950 pelo Diretor do Museu, professor José Cândido de Mello Carvalho, e equipe. Já apresentava elementos modernos até os dias de hoje. Eram belíssimos os dioramas, que reproduziam os invertebrados no meio ambiente, sendo feitos por verdadeiros artistas como obras de arte, e a paleta de cores representada pelos tons de cores dos besouros, era linda. Anos depois, essa exposição foi totalmente reformulada e participei de todo o trabalho.
Com o nome “Conchas, Corais e Borboletas”, mantivemos a paleta e outros tesouros da época, entre as novidades, estava o famoso borboletário, construído com réplicas de exemplares representando o panapanã, deixando um resultado belíssimo com experiência de encantamento para o público. Nela contamos com contribuições de diferentes curadores, porque é uma área muito ampla dentro do Museu. Aliás, foi com essa exposição que descobri uma nova habilidade, passando a fazer também alguns suportes especiais para as exposições. Dias depois na inauguração, levei minha mãe, assim como sempre a levo na maioria das exposições que trabalho, ela fica sempre muito emocionada. Em 2014 a exposição de longa duração “Kumbukumbu África, Memória e Patrimônio” trouxe à luz o acervo africano por meio das pesquisas, projeto e trabalho diário na montagem da professora Marisa de Carvalho Soares. Nesta exposição tive a oportunidade e liberdade de colocar em prática as habilidades e conhecimentos que adquiri ao longo do tempo. Minha última participação nas exposições internas foi na exposição “Expedição Coral: 1865 a 2018” nas comemorações dos 200 anos do Museu Nacional em junho de 2018. Logo em seguida fiquei trabalhando no projeto de itinerância da exposição “Os Primeiros Brasileiros” rumo à Brasília, no Memorial dos Povos Indígenas, com inauguração em 28 de agosto de 2018.
Na estrada, com exposições itinerantes
Participei de algumas exposições itinerantes. Uma delas foi a “Tesouros do Museu Nacional”, que, quando chegávamos, algumas pessoas imaginavam que fossem tesouros como joias ou relíquias, mas, na verdade, os “Tesouros” remetiam ao conhecimento. Tinha réplica de Luzia, pontas de flechas, conchas e outras peças representativas do acervo do Museu. Ela foi iniciada com pouca verba e as caixas acabaram sofrendo avarias durante as itinerâncias. Então, iniciei um projeto para um edital junto com a historiadora Cíntia Raymundo da Silva, apresentamos para a Thereza que o concluiu brilhantemente e conseguimos a verba para a revitalização. Nesse novo momento, além de novos acervos, a história e todos os departamentos do Museu estavam representados. Ela tinha uns “cases” verdes bem modernos para transportar o acervo em segurança e, assim, saí Brasil afora com essa exposição e com a nossa equipe. Fiquei muito orgulhosa de representar o Museu Nacional em outras instituições, e me emocionava ao perceber as reações e as curiosidades do público com aquelas partes representativas das coleções e da história do Museu. Ela também despertava o desejo do público em vir ao Rio visitar as exposições e isso aconteceu algumas vezes, então, ela cumpriu bem seu papel.
Outra itinerante que participei foi a exposição “Os Primeiros Brasileiros”, que fomos com ela até Córdoba, além de diferentes estados e Brasília. Em quase todos os lugares, com exceção de Córdoba (pois o tempo de montagem foi extremamente curto), pudemos executar todo o projeto museográfico inclusive pintando as paredes e construindo mobiliários de acordo com o projeto apresentado pelo curador João Pacheco de Oliveira às instituições que trabalhamos. Montávamos em média em 20 dias, e meses ou ano depois voltávamos para fazer a desmontagem. Em 2019, trabalhei na remontagem dessa exposição no Arquivo Nacional, no Centro do Rio. Foi um prazer participar (Agora, ela ganhou uma versão digital. Acesse).
A museologia chegando à minha vida
Foi aos 40 anos que resolvi cursar museologia. Na época, eu era professora da educação infantil e estudava aos sábados no pré-vestibular comunitário que funcionava no Colégio Estadual André Maurois, no Leblon. Uma colega me informou sobre a relação candidato-vaga na Uni-Rio e as aulas ligadas a artes, que eu já tinha interesse. Ao mesmo tempo, eu estudava com a ajuda de programas da televisão como o Telecurso 2000 e os programas do Futura. Certa vez, assisti ao filme “Macunaíma” comentado, e foram feitas relações com o livro, de forma bem detalhada. Ao abrir a prova discursiva do vestibular, o que tinha lá? As perguntas de literatura eram justamente sobre “Macunaíma” e graças aquele dia que assisti ao filme eu consegui responder a todas aquelas questões de literatura. Foi mais uma dádiva da minha vida.
A vida é assim: as coisas boas acontecem quando menos esperamos, mas precisamos estar empenhados em conseguir alcançar nossos objetivos. E é por isso que eu desejo que o Museu Nacional volte a brilhar como já brilhou e desejo também ter um dia a oportunidade de caminhar por suas salas e corredores repletos de visitantes!
Espero reencontrá-los nas futuras exposições.
Até breve,
Marilene Alves
Formada em Museologia pela Uni-Rio e prestadora de serviços para as exposições do Museu Nacional/UFRJ.