E se os estudos do Departamento de Botânica do Museu Nacional/UFRJ sobre a diversidade florística brasileira ficassem acessíveis a pesquisadores do mundo todo? No livro científico “Aspects of Brazilian Floristic Diversity – From Botany to Traditional Communities” há exatamente isso, abordando aspectos da botânica às comunidades tradicionais. Com a contribuição de 44 autores, entre docentes e estudantes com vínculo com o Museu, esse projeto diverso conta com a edição das professoras Maria Franco Trindade Medeiros e Bárbara de Sá Haiad, sendo publicado pela renomada Springer. Confira detalhes na entrevista que elas concederam ao Harpia.
Harpia — Professora Maria e professora Bárbara, para começar, nos contem como surgiu a ideia de realizar esse livro e quando isso aconteceu?
Maria Franco — A ideia surgiu em 2020, bem no início da pandemia de Covid. Durante conversa com a professora Bárbara de Sá Haiad, quando estávamos juntas na coordenação do PPGBot, sugeri que fizéssemos um livro que representasse a produção do Departamento de Botânica do Museu Nacional. A ideia foi juntar as experiências de professores do departamento com estudantes que passaram pelo Programa, como também com aqueles que ainda desenvolviam suas pesquisas na época, conseguindo publicar um livro bem diverso que abordasse várias áreas da botânica. O livro aborda temas essenciais como anatomia, reprodução, estudo do pólen, conservação e o uso de plantas por comunidades tradicionais, oferecendo uma visão detalhada da flora brasileira. É um passeio sobre a botânica, focado na diversidade florística, conservação, cultura material e imaterial, promovendo uma compreensão interdisciplinar da diversidade florística brasileira, culminando na interação com as pessoas, e também para profissionais interessados por estas temáticas
Bárbara Haiad — E, curiosamente, a pandemia teve seu lado positivo, favorecendo a participação de quase todos os professores, que contribuíram com capítulos dentro de suas especialidades. O envolvimento dos estudantes de mestrado e doutorado foi essencial, com alguns capítulos retratando teses e dissertações desenvolvidas nos laboratórios do Departamento de Botânica. Cada capítulo estava relacionado à linha de pesquisa do professor correspondente, geralmente o último autor no capítulo. Maria e eu estávamos sempre juntas, em função da coordenação, mesmo on-line. Alinhar todas as abordagens foi o maior desafio, mas ficou mais simples ao adotar a biodiversidade sob diferentes óticas como tema comum. Recebemos a avaliação do projeto pela editora Springer, uma escolha estratégica por sua referência internacional.
Harpia — Que ótimo que os estudantes do Museu tiveram essa oportunidade de estarem num livro científico com os grandes nomes, inclusive com as professoras premiadas…
Bárbara Haiad — A participação dos estudantes foi fundamental, porque eles trazem novas ideias e energia para o trabalho. Foi muito legal ler as mensagens deles, porque o Museu Nacional tem açúcar, né? Todos gostam do período que passam aqui.
Maria Franco — Realmente. Ao final da editoração, foi gratificante perceber que na troca de mensagens entre os autores, os estudantes estavam felizes por se conectarem com a pesquisa, com suas professoras e o Museu Nacional.
Harpia — E, professoras, como vocês se sentem ao ver essa obra concluída, com a participação de tantas mãos que contribuíram com as pesquisas nos capítulos desse livro?
Maria Franco — Constato que agrupar diferentes gerações autorais neste livro demonstra um processo de pesquisas que mantêm uma dinâmica ininterrupta. É a soma de conhecimentos múltiplos ao longo da história que se faz.
Bárbara Haiad — Para mim, foi uma sensação de prazer ver o livro concretizado, sendo um projeto que começou com uma ideia da Maria e se tornou realidade com a colaboração de todos os colegas. Os autores gostaram da proposta, trabalharam com a gente seus capítulos com ânimo e vontade. E, quando vi pronto e pudemos entregar como produto para os colegas que participaram, senti uma sensação de prazer, ao constatar que o projeto deu certo e que o resultado agradou os autores também.
Harpia — Que bacana! Além de ser editoras, vocês também escreveram capítulos. Professora Maria, você escreveu capítulo que aborda a narrativa museológica. O que você quis transmitir para os pesquisadores da área?
Maria Franco — O eixo condutor deste capítulo foi a abordagem do patrimônio biocultural por meio da narrativa museológica como uma forma de retorno da pesquisa em etnobotânica histórica. Resumidamente, foi pensada a importância do Museu Nacional como mediador entre diferentes formas de conhecimento pela via expositiva.
Harpia — Professora Maria, como também temos leitores leigos no Harpia, você poderia falar um pouco mais sobre como se dá esse retorno da pesquisa etnobotânica histórica?
Maria Franco — É de suma importância o respeito à memória individual ou coletiva. Considerando a história pregressa ou a recente, o compromisso ético com as pessoas com quem trabalhamos nas nossas pesquisas, quer seja de natureza direta ou indireta, implica em se desenvolver uma ação devolutiva fidedigna. Em termos práticos, por exemplo, esta ação de retorno pode se concretizar através de uma exposição de narrativa instigadora sobre o percurso de naturalistas e o descobrimento progressivo da nossa flora. As possibilidades são infinitas. Em diálogo com integrantes de comunidades locais pode-se pensar em estratégias que atendam aos interesses e necessidades locais e ou globais.
Harpia — E, professora Bárbara, o que os pesquisadores encontram no seu capítulo?
Bárbara Haiad — O capítulo aborda a esterilidade nas flores, que pode ocorrer tanto em flores com órgãos sexuais femininos e masculinos aparentemente funcionais quanto em flores que têm apenas uma função sexual. Essas flores necessitam de um vetor de polinização, geralmente animais, para promover a troca gênica e garantir a variabilidade genética essencial ao sucesso da espécie. O capítulo explora as diversas formas e manifestações fenotípicas da esterilidade feminina e masculina em espécies com flores unissexuadas, detalhando os processos que levam a essas condições. Este estudo revisional analisa a literatura existente sobre o tema e utiliza como exemplo principal uma planta da restinga do estado do Rio de Janeiro, estudada durante o doutorado de Isabella Haddad, ex-aluna do Laboratório de Anatomia Vegetal, hoje doutora.
Muito interessante, professoras Maria e Bárbara. Agradeço por trazer essas informações aos leitores do Harpia!
Saiba mais:
“Aspects of Brazilian Floristic Diversity – From Botany to Traditional Communities” é um livro científico, publicado pela editora Springer. As editoras são as professoras do Museu Nacional/UFRJ: Maria Franco Trindade Medeiros, que coordena o Laboratório Interativo em Etnobotânica (LinE) e Bárbara de Sá Haiad, que coordena o Laboratório de Anatomia Vegetal. Ele explora diversos aspectos da botânica, destacando a diversidade e a conservação de algas e angiospermas, além da cultura material e imaterial. Cada seção oferece uma perspectiva única sobre diferentes áreas do campo da botânica, agrupando temas que revelam as amplas possibilidades de pesquisa. Comentários de abertura fornecem uma visão geral do conteúdo subsequente. O objetivo é proporcionar uma abordagem abrangente e respeitosa da botânica, convidando a uma experiência mais aprofundada nessa área. Acesse.
Entrevista da edição Nº 29 do Harpia.