
Uma extensa pesquisa arqueológica realizada na cidade de Santarém, no Pará, revelou a presença de duas aldeias indígenas soterradas pela ocupação urbana atual. Os sítios Aldeia, com 121 hectares, e Porto, com 89 hectares, compõem o maior complexo arqueológico pré-colonial já registrado em área urbana da Amazônia. O estudo, publicado no “Journal of Field Archaeology”, revela ocupações datadas entre 1200 e 1600 d.C. e traz novas evidências sobre a dimensão, o conteúdo cultural e a organização social de antigas aldeias indígenas amazônicas. Ele foi liderado pela professora do Museu Nacional/UFRJ, Denise Cavalcante Gomes, que irá apresentá-lo em duas sessões diferentes na WAC, um congresso mundial de arqueologia que irá ocorrer na Austrália, entre os dias 22 e 28 de junho.

O artigo descreve os métodos de pesquisa empregados e apresenta os contextos de ocupação cultural, bem como a cronologia, que confirma a contemporaneidade desses sítios que são habitacionais, enquanto o sítio Aldeia parece ter sido um centro cerimonial coletivo, com feições destinadas ao depósito de artefatos xamânicos.

A pesquisa aprofundada foi conduzida pela professora Denise Gomes entre 2006–2015, buscando compreender a inserção desses sítios em uma sociedade regional de 23 mil km² e contextualizar sua atividade ritual. A professora destaca que a atividade ritual conduzida por líderes espirituais parece ter sido o aspecto mais proeminente do registro arqueológico de Santarém, estruturando politicamente a região.

“As minhas pesquisas remontam ao ano de 2006. Eu peguei umas avenidas que cortassem a cidade, de ponta a ponta, e fui fazendo tradagens com aquela boca de lobo. A gente foi marcando os locais que apresentavam terra preta e com cerâmica, cortando oito bairros. Ao longo do estudo percebi que não era apenas um, mas dois sítios arqueológicos, quase que contínuos com um lago no meio”, explica a professora Denise Gomes.

Ela relata que, ao longo da pesquisa, solicitava para as pessoas escavar em seus terrenos.

No bairro de Aldeia, durante o período que eu realizou a primeira delimitação, fizeram uma vistoria em uma casa que estava realizando uma obra. “Lá, nós encontramos um conjunto muito interessante de vasos somente rituais, e encontramos um contexto que mostrava que esses vasos haviam sido utilizados e intencionalmente quebrados”, relata a arqueóloga do Museu Nacional.

Ela começou a perceber durante as escavações que existia uma atividade muito mais intensa no sítio arqueológico Aldeia do que no sítio Porto, por exemplo. E isso a fez, posteriormente, a pensar nesse espaço do sítio Aldeia não só como um sítio habitacional, mas também como um espaço cerimonial. A professora Denise destaca que a comunidade científica sabia que existia um enorme sítio em Santarém e o mundo todo conhecia a importância do lugar, mas não havia até então uma delimitação desses espaços. Trata-se do maior sítio arqueológico em área urbana do Brasil.

Cronologia
– Cronologia da primeira ocupação da fase Pocó-Açutuba em Santarém – 1000 a.C a 1500 d.C. presente nos sítios Aldeia e Porto.
– Cronologia da ocupação pré-colonial tardia de Santarém, a qual estão relacionados os 2 grandes sítios de terra preta antropogênica – 1000-1600 d.C.
Estudo compartilhado com a comunidade e internacionalmente com cientistas
Este ano, a professora Denise Gomes retornou à Santarém e participou de uma série de atividades para apresentar os resultados dos estudos para os moradores e autoridades da região. Em 25 de abril, ministrou a palestra “Iconografia das Cerâmicas Santarém e Konduri”, no Instituto Casa do Tapajó, em Alter do Chão, Santarém. O encontro teve como público principal indígenas das etnias Palikur e Galibi, do Baixo Oiapoque (AP), e Wai Wai, da Calha Norte (PA), com tradução simultânea em Wai Wai. A atividade integrou a programação do projeto Energia Limpa, Vida Sustentável (CNPq/Fapesp), coordenada pela professora Lilian Rebellato (UFOPA).

No dia seguinte, 26 de abril, ela participou do evento no Centro Cultural João Fona, com a palestra “Santarém: A Cidade Sobre as Aldeias: Arqueologia Urbana e Memória Ancestral em Santarém”. A realização foi fruto de uma parceria entre a Secretaria de Cultura da Prefeitura de Santarém, o Projeto Energia Limpa, Vida Sustentável e o Programa de Pós-Graduação em Ciências da Sociedade da UFOPA.

A pesquisa também terá destaque internacional na 10ª edição do Congresso Mundial de Arqueologia (WAC), que ocorrerá entre os dias 22 e 28 de junho de 2025, em Darwin, Austrália. A arqueóloga foi selecionada para apresentar sua investigação em duas seções distintas: “Urbanismo em Ambientes Tropicais: Sustentabilidade, Resiliência e Colapso” e “Arqueologia das Cidades: Perspectivas Críticas sobre Cidades Antigas, Históricas e Contemporâneas”.