Minha vida no Museu Nacional/UFRJ sempre foi muito prazerosa, alegre e gratificante, sendo sempre minha segunda casa. Mesmo aposentada, continuo trabalhando com estudantes de pós-graduação e de iniciação científica e, enquanto eu puder, continuarei ensinando e aprendendo com eles. Além disso, estou ligada a projetos, entre eles o do naturalista francês Auguste Glaziou, um mestre que criou o paisagismo da Quinta da Boa Vista nos tempos de Dom Pedro II.
Meu início no Museu e a experiência no Xingu
Comecei aqui como estagiária da professora Margarete Emmerich, pesquisando taxonomia vegetal, que é a área que identifica, dá nome e classifica as plantas. Eu era estudante da UERJ e após a graduação fiz o mestrado no Museu tendo ela como orientadora. Um momento muito importante para mim foi quando recebi o seu convite para ir ao Xingu. Passamos 20 dias, aprendi muito com os índios e, quando voltei, senti vontade de fazer meu doutorado em Etnobotânica. Essa experiência foi inesquecível e muito enriquecedora para todos nós, até porque a professora Margarete trabalhava junto com sua irmã linguista, Charlotte Emmerich. Estudamos durante algum tempo o material de plantas medicinais que trouxemos, buscando contribuições de diferentes especialistas inclusive de químicos e escrevemos diversos trabalhos que foram publicados.
Com a aposentadoria da professora Margarete, procurei a professora Maria Auxiliadora Kaplan, da UFRJ, para ser a minha orientadora de doutorado. Trabalhei com plantas medicinais e isso me proporcionou um olhar mais amplo nos estudos de botânica. Retornei ao Museu Nacional como doutora, ministrando aulas e orientando alunos de pós-graduação. Acompanhá-los em sua trajetória profissional sempre foi muito especial e gratificante, sendo uma relação de trocas de conhecimentos e de amizade. Avançamos juntos nas pesquisas em etnobotânica, estudando os saberes das comunidades tradicionais indígenas, quilombolas, caiçaras, pomeranas, rurais e etnobotânica histórica.
Glaziou presente!
Neste momento, estamos concluindo o projeto sobre Auguste Glaziou, que identifica por meio de placas, as árvores que ele utilizou no paisagismo da Quinta da Boa Vista no século XIX. Talvez você ainda não saiba, mas tem um fato curioso e de muito valor para a nossa história bicentenária com as ciências: Em 1872, Glaziou organizou um fac-símile muito lindo, que é uma publicação com espécies coletadas em uma expedição à Itatiaia, e deu de presente com uma dedicatória para a Princesa Isabel, filha da Imperatriz Leopoldina e de Dom Pedro II. Ela foi uma grande incentivadora dos estudos de botânica, participou dessa expedição e levou esse presente com ela para a Europa.
A publicação estava no Museu Nacional de História Natural de Paris e, a partir das nossas relações científicas, o curador, Marc Pignal, a doou para o acervo do Museu Nacional/UFRJ por volta de 2016. Até hoje me lembro da emoção que senti com as palavras tão bonitas ditas pela professora Cláudia Rodrigues, que na época era a nossa diretora e valorizou essa conquista. Fiquei feliz da vida por fazer parte desse momento tão raro e especial, meu coração bateu bem forte, e me senti muito prestigiada e querida.
Nessa ocasião, lançamos a exposição temporária: “Plantas do Brasil Central – Resgate Histórico e Herbário Virtual de Auguste Glaziou”, promovido pelo Herbário e pelo Departamento de Botânica do Museu Nacional. Foi muito gratificante! São muitos momentos representativos e sou muito feliz em fazer parte dessa instituição.
Minha filha integrada à minha carreira
Quando a minha filha Adriana Marta nasceu, eu já estava aqui e ela pequenininha me cobrava: “Mamãe, você vai ao Museu de novo?”. Lembro com alegria dela comigo na coleta das plantas e brincando pelos corredores enquanto eu organizava as coleções na sala. Ela conhecia tudo das exposições e, sempre que era possível, estava comigo. Certa vez, em uma época de Natal, organizamos uma festinha, e todos levaram seus filhos. Estávamos alocados na Geologia e tinha uma porta, como aquelas de filmes de cowboy, que abria e fechava. Só sei que a Adriana estava brincando ali com uma amiga e de repente sumiram. Todos procuravam por elas até que eu as descobri dentro de um armário com ossos de dinossauros por conta das risadas. Foi um susto! Minha filha me acompanha até hoje. Ela é nutricionista e gastrônoma e percebo a familiaridade e o amor que ela também tem pelas plantas, assim como eu.
2020: aposentadoria e pandemia
Minha aposentadoria aconteceu no início de 2020, um momento muito difícil e triste para mim. Entretanto, tive a alegria e fiquei muito orgulhosa de uma ex-aluna, Maria Medeiros, ter passado no concurso para professora de Etnobotânica do Departamento de Botânica, do Museu Nacional/UFRJ. No período da pandemia surgiu a oportunidade de participar do edital de um projeto de biodiversidade pela Faperj, que foi aprovado e agora, em 2022, será desenvolvido com o retorno das atividades presenciais.
Ambiente familiar de aconchego
Ao longo da minha trajetória, fui curadora do Herbário durante 8 anos e chefe do Departamento de Botânica por 4 anos e as relações sempre foram de muita troca. Tenho muito apreço por todos que conheci aqui, os que fizeram e fazem parte da minha vida profissional, pessoal, onde os colegas e estudantes viraram meus amigos. Sem esse acolhimento, digamos assim: não daria certo.
Para você ter uma ideia, tenho um problema genético nos olhos, fui fazer uma cirurgia e acabei perdendo a visão do olho esquerdo. Isso dificultou o meu trabalho no Herbário, mas os estudantes e colegas, não só do departamento de Botânica, sempre me ajudaram. Sinto algo muito familiar nas minhas relações com todos do Museu. O professor Luiz Fernando, por exemplo, sempre que passa por mim me pergunta: “Como está seu olhinho?” e isso é algo de muito carinho e gentileza.
Ao escrever aqui para vocês, quero compartilhar todo o sentimento de prazer e emoção de ser docente dessa instituição tão importante, que é o Museu Nacional/UFRJ. Agradeço a todos que continuam com a gente, e eu até me emociono, sabe? Ainda não sei até quando irei continuar trabalhando, mas acredito que esse sentimento seja para a vida toda. Neste momento, estou contente porque estou vendo o trabalho maravilhoso que todos os colegas, estudantes e amigos estão fazendo para a reestruturação do Museu. Ele continua vivo e daqui a pouco estará completamente de pé, reaberto para visitação. E isso é muito, muito, muito importante! Até me faltam palavras porque eu amo o Museu Nacional.
Saudades!
Luci de Senna Valle
Docente, titular, aposentada do Museu Nacional/UFRJ e, atualmente, pesquisadora-voluntária.