Desde criança, sempre tive grande interesse pelo contato com a natureza, principalmente pelos bichos da floresta ou da praia. Mesmo sem saber ainda que o que eu gostava estava relacionado às ciências naturais. Quando fui decidir minha profissão, percebi a Biologia como a ideal para seguir uma carreira ligada à minha paixão. Por incrível que pareça, somente descobri que o Museu Nacional/UFRJ tem tudo a ver comigo, por ser um ambiente já frequentado pelos grandes naturalistas, após a minha graduação na UFRJ.
Minha ficha caiu sobre isso quando eu estava cursando o mestrado aqui, conhecendo as pesquisas, a história e as exposições. Estava sendo orientada para o estudo de larvas com o Sergio Bonecker e a Cristina Ostrovski do Instituto de Biologia, o IB da UFRJ. Dia a dia, fui percebendo o quanto gosto da Zoologia, da taxonomia, me identificando em descrever e desenhar as espécies para conhecer a biodiversidade marinha. Decidi fazer o doutorado em 2002 com a orientação do Paulo Young, no Setor de Carcinologia, que é dedicado aos crustáceos: camarões, caranguejos e lagostas. Aqui, tinha muito material de mar profundo e se abriu esse universo maravilhoso para mim. Com o falecimento trágico do Paulo em um acidente, a Cristiana Serejo passou a ser a minha orientadora, assumindo integralmente o laboratório e todos os grandes projetos dele em andamento, além dos dela. É uma professora, pesquisadora e mulher muito competente e admirável!
Um dia muito feliz: professora-adjunta do Museu Nacional/UFRJ!
Sempre me senti como se aqui já fosse o meu lugar. Apesar de todas as pressões e inseguranças, de ter passado 6 meses sem remuneração, sem bolsa, eu já tinha uma forte sensação de pertencimento. Prestei sete concursos públicos e passei somente no sétimo, no lugar que eu mais queria no mundo: o Museu Nacional/UFRJ. Este foi o segundo momento mais feliz da minha vida, só ficando atrás do dia do nascimento do meu filho. Mais do que a de segurança financeira, minha sensação foi de benção muito grande mesmo, com o forte desejo de devolver isso tudo para o universo.
O concurso foi muito acirrado, como sempre. Estávamos sentados no auditório, e lembro que, ao meu lado, estava o professor Fernando D´Incao, que sempre foi um ídolo, além de tão acolhedor. Na hora, ele chegou a me perguntar como eu estava me sentindo. Eu estava passando mal, com a sensação que eu iria ter um infarto. Quando eu ouvi meu nome e os parabéns pela conquista, foi muito emocionante e eu somente chorava de alegria. Foi um marco na minha vida. Você talvez não vá acreditar, mas a primeira pessoa que eu liguei foi a minha terapeuta. Ela me fortaleceu emocionalmente para essa conquista tão importante, me ajudando a valorizar naquele momento crucial todo o conhecimento que eu tinha sobre a coleção, a minha experiência positiva como professora-visitante, a todos os anos de estudos, para, assim, poder realmente confiar que eu iria passar em primeiro lugar e assumir como professora-adjunta. Essa autoconfiança foi muito importante mesmo para mim. Logo em seguida compartilhei com a minha família e os meus amigos. Hoje, atuo na pesquisa taxonômica e sistemática de Decapoda (camarões, lagostas, caranguejos) no Setor de Carcinologia.
A exposição Conchas, Corais e Borboletas
Foi inesquecível a experiência de participar da concepção da exposição “Conchas, Corais e Borboletas”, que ficou maravilhosa. Foi muito emocionante visitar a exposição com minha família, principalmente meu marido e meu filho, que tinha na época 3 anos, sendo uma oportunidade de mostrar com o que eu trabalho. Com ela, aumentou minha certeza da importância de trabalhar com a extensão e isso só vem crescendo dentro de mim. Quando eu passava pela exposição e avistava um grupo de estudantes, a minha vontade era parar e ficar trocando experiências, aprendendo a falar numa linguagem mais acessível. É muito legal observar que aquela informação está ampliando o olhar de um estudante. Ainda mais que nosso Museu é popular e é tão importante essa apresentação dos conhecimentos científicos. Ah, inclusive, teve um dia que a escola do meu filho fez a visita com a SAE e eu fiquei acompanhando de longe, por orientação da professora dele. Isso é inesquecível.
Pesquisas que ajudam a refletir a conservação marinha global
Surgiu a oportunidade de realizar uma apresentação na Comissão Intergovernamental de Oceanografia da Unesco (IOC, na sigla em inglês), na sede em Paris. Apresentei os resultados do projeto internacional sobre o mar profundo da Cordilheira Meso Atlântica Sul chamado MAR-ECO. Foi uma indicação da Débora Pires, atualmente professora aposentada do Museu Nacional/UFRJ. Lembro que do restaurante do IOC dava para ver a Torre Eiffel de pertinho, mas o mais especial foi estar no meio de grandes pesquisadores de todo o mundo, participando de discussões que refletiam e identificavam as importantes áreas de proteção marinha pelo mundo. É muito necessário a gente contribuir com esses momentos de decisões mais efetivas a partir dos resultados do que estamos pesquisando.
Esses resultados vieram por meio da parceria que o Departamento de Invertebrados do Museu tem com o pesquisador de mar-profundo, José Angel Perez. Ele sempre está em contato com a gente, como na ocasião em que veio para o Brasil o submersível japonês Shinkai, que chega a 6.500 metros de profundidade, sendo um dos melhores do mundo. Essa foi a expedição de pesquisa Iatá-Piuna, da agência de conservação marinha JAMSTEC, junto a diferentes instituições brasileiras para fazer uma prospecção na Elevação do Rio Grande, na altura do Rio Grande do Sul. Nela, foi descoberto um jardim de esponjas, um estudo interessante publicado pelo Eduardo Hajdu. Na área de Decapoda, publicamos estudos com este material, mas não foram novas espécies para a ciência. Na minha rotina, como estudo o mar profundo, dependo sempre de grandes projetos internacionais para a coleta de material e também de projetos relacionados a monitoramento ambiental realizados por empresas petrolíferas. O Museu Nacional/UFRJ tem uma tradição forte em taxonomia, então somos constantemente procurados para contribuir. Atualmente, também tenho estudado as áreas mais rasas com alunos de Iniciação Científica.
Museu como identidade
A UFRJ é um lugar que visto a camisa completamente, da forma mais positiva possível desde a graduação. Para mim, é essencial contribuir de alguma forma para a evolução institucional. Após o final do meu mandato na chefia do Departamento de Invertebrados, em julho deste ano, passei a participar do colegiado que se dedica, entre outros assuntos, às progressões de carreira docente.
O Museu Nacional/UFRJ tem uma ligação direta com a minha identidade, compõe quem eu sou, materializando a minha paixão pelas ciências naturais. Em setembro de 2018, tive a sensação de ter perdido parte de mim, e imagino que todos nós que amamos o Museu compartilhamos desse sentimento. Eu trabalho com o que eu amo fazer, ficando mais tempo no trabalho do que na minha casa. E passei a criar aqui uma segunda família mesmo, com todos os ônus e bônus. Acredito que tudo tende a fluir melhor quando todos estão direcionados a melhorar o funcionamento da instituição, assim como uma família na sua casa.
Temos um caminho longo, árduo, mas possível até a reabertura do Museu Nacional, que está prevista para os próximos anos. Precisamos juntos perseverar muito. A nossa geração foi muito afetada, as nossas pesquisas não estão as mesmas com as perdas, mas precisamos olhar para hoje e para o futuro, sendo essencial ajudarmos de alguma forma neste momento de reconstrução do Museu, indo além das nossas atividades previstas de ensino, pesquisa e extensão.
Agora, estamos vendo parte do que está sendo reconstruído e já está muito emocionante. Fiquei muito emocionada só de olhar para a fachada principal restaurada. Tenho certeza que será muito grandioso, quando estivermos com tudo concluído, após tudo o que vivenciamos estes anos. Percebo que estamos nos conhecendo muito mais e que estamos mais unidos. Para realmente devolvermos o Museu para a sociedade, precisamos agir de forma pro ativa, fortalecendo e mantendo essa união, juntos ombro a ombro, porque essa contribuição positiva é essencial.
Vamos juntos dar o nosso melhor, mesmo para o que possa parecer impossível à primeira vista, sempre celebrando mesmo as pequenas conquistas porque elas são importantes nessa evolução!
Só temos espaço agora para remarmos juntos e para frente, concorda?
Um forte abraço e até logo,
Irene Cardoso
Professora-adjunta do Departamento de Invertebrados e do Programa de Pós-Graduação em Zoologia (PPGZoo) do Museu Nacional/UFRJ.