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Estudo revela ocupação humana litorânea mais antiga do Brasil

Acaba de ser publicado na Revista de Arqueologia um artigo científico que analisa remanescentes humanos encontrados no Sítio Arqueológico Rua do Papagaio, em Santa Catarina, datados em 8.600 anos antes do presente. O estudo aborda aspectos da organização cultural e das práticas funerárias de pescadores-coletores, que participaram do processo de povoamento do litoral e não construíram montes de conchas. 

 “Datamos o remanescente humano mais antigo do litoral até o momento, o que traz novas perspectivas para a arqueologia do Brasil. Resumidamente, por meio de uma pesquisa sistemática, apresentamos os principais aspectos da formação de um sítio raso e discutimos brevemente sua presença no âmbito das primeiras ocupações do litoral sul brasileiro”, comemora a professora do Programa de Pós-Graduação em Arqueologia do Museu Nacional/UFRJ, Andrea de Lessa Pinto, primeira autora desse artigo. A coautoria é de Cassiano Silveira dos Santos e Osvaldo Paulino da Silva, tendo como título: “Sítio Arqueológico Rua do Papagaio: Uma Ocupação Diferenciada e Muito Antiga do Litoral Sul do Brasil”. 

Sítio Rua do Papagaio: em segundo plano na imagem, agrupamento de conchas já quase completamente escavado e com a árvore cortada. Foto: Acervo da professora Andrea Lessa (MN/UFRJ)
Sítio Rua do Papagaio: em segundo plano na imagem, agrupamento de conchas já quase completamente escavado e com a árvore cortada. Foto: Acervo da professora Andrea Lessa (MN/UFRJ)

Localizado na cidade de Bombinhas, em Santa Catarina, ele é chamado pelos pesquisadores de sítio raso, tendo uma altura entre 1 e 1,5 metro. Entre os destaques do estudo, está essa datação de 8.600 antes do presente, que permite recuar em mais de três milênios a presença de pescadores-coletores no litoral sul que ocuparam sítios ainda pouco estudados no país. 

Essa descoberta amplia significativamente o intervalo de ocupação desses assentamentos, anteriormente subestimados. Os resultados reforçam que esses grupos foram plenamente adaptados ao estilo de vida litorâneo, habitando assentamentos onde realizavam diversas atividades cotidianas e rituais. É um tipo de assentamento diferente dos conhecidos sambaquis, que são montes repletos de conchas e visíveis na paisagem.  

Diferentes organizações de uso culturais e funerários 
Presença de conchas dispersas aleatoriamente por todo o pacote arqueológico em parte do quadrante, porém com menor densidade do que o observado no agrupamento central. Foto: acervo professora Andrea Lessa (MN/UFRJ)
Presença de conchas dispersas aleatoriamente por todo o pacote arqueológico em parte do quadrante, porém com menor densidade do que o observado no agrupamento central. Foto: acervo professora Andrea Lessa (MN/UFRJ)

O estudo revela ainda um padrão diferenciado de ocupação do assentamento, naturalmente dividido em duas áreas onde eram praticadas predominantemente atividades distintas. Em uma das áreas predominava a prática funerária, com 81% dos sepultamentos, de um total mínimo de cem indivíduos, depositados em sedimentos arenosos escuros sem conchas. Muitos indivíduos apresentavam acompanhamentos funerários caracterizados por bens pessoais e rituais, como dentes de tubarão perfurados, colares de vértebras de peixe, ossos de cetáceos, lascas de quartzo e lâminas de machado, entre outros, além de ocre sobre seis crianças. Havia uma predominância da posição com o corpo deitado de bruços, sendo em 45%. Apenas 25% dos indivíduos estavam com o corpo com a barriga e o rosto voltados para cima. Os demais foram registrados em diferentes posições, com o corpo deitado de lado com graus variados de flexão das articulações. 

 Na outra área, o grupo que ocupou o assentamento concentrou atividades de subsistência, evidenciadas pela abundância de restos faunísticos em associação com estruturas de combustão.  

Alguns desafios nos estudos dos sítios rasos  
Sepultamento no Sítio Rua do Papagaio. Acervo da professora Andrea Lessa (MN/UFRJ)
Sepultamento no Sítio Rua do Papagaio. Acervo da professora Andrea Lessa (MN/UFRJ)

Os sítios rasos são encontrados especialmente no litoral norte e centro de Santa Catarina, com registros também na Baía de Paranaguá, no Paraná, e no litoral norte de São Paulo.  

Como os sítios rasos não se destacam na paisagem como os sambaquis, formados por montes de conchas, ficam mais difíceis de serem localizados para as pesquisas e, como estão situados próximo ao mar, estão sujeitos a remodelações e destruições naturais. Isso costuma deixar os remanescentes em estado de preservação insatisfatórios. Além disso, a especulação imobiliária no litoral também contribui para a sua destruição antes mesmo de serem encontrados. 

Os pesquisadores ressaltam que esse estudo é um ponto de partida para novas discussões, com hipóteses a serem aprofundadas. Pesquisas paleogenéticas em populações litorâneas, por exemplo, devem ampliar o conhecimento sobre esses grupos, incentivando o interesse pelos sítios rasos e seus ocupantes, que tiveram papel relevante no cenário litorâneo pré-colonial. 

Professora Andrea de Lessa Pinto. Foto: Acervo pessoal.
Professora Andrea de Lessa Pinto. Foto: Acervo pessoal.

 

Saiba mais: 

Gostou do tema? Esse é apenas um resumo de alguns pontos levantados. Leia o artigo científico completo publicado na Revista de Arqueologia, edição set-dez/2024, Volume 37, Nº3: “Sítio Arqueológico Rua do Papagaio: Uma Ocupação Diferenciada e Muito Antiga no Litoral Sul do Brasil”, de autoria de Andrea Lessa, Cassiano Silveira dos Santos e Osvaldo Paulino da Silva. Acesse.   

 

 

 

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