As centenárias esculturas, que ficavam no topo do Paço de São Cristóvão, agora podem ser contempladas na exposição que acaba de ser inaugurada no Jardim Terraço. Mas, afinal, como foi esse processo de restauro? Por que foi decidido colocar réplicas no trecho que encobre os telhados? Para nos contar sobre essas e outras curiosidades, o Harpia conversou com o coordenador da obra de restauração do bloco histórico, o arquiteto e restaurador Wallace Caldas.
Alta tecnologia e artesania no mesmo processo
A tomada de decisão de deixar as esculturas em mármore de Carrara no acervo expositivo e as réplicas na platibanda foi feita com base em fatos e dados. Junto ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), foi definida a necessidade de uma análise profunda das esculturas originais com testes de ultrassom. “É muito interessante que aliamos alta tecnologia com artesania no mesmo processo, uma somando a outra para termos a melhor informação e, assim, sabermos como atuar nessa matéria, que estava muito prejudicada pelos impactos que sofreram em setembro de 2018. Assim, conseguimos ser mais certeiros sobre o que fazer e como fazer com cada uma delas”, ressalta Wallace Caldas da Velatura Restaurações.
O estudo com ultrassom mostrou que havia muitas fissuras internas. “Foram esses resultados que nos levaram a decidir que não as levaríamos às posições originais na platibanda do Paço de São Cristóvão. Levamos em conta que essas fissuras se movimentam com as dilatações e as contrações, quando a escultura está sob uma atmosfera instável. Ali no topo, ficariam suscetíveis a chuva ácida, a variações bruscas de temperatura e a erosão eólica pelos ventos fortes no prédio que fica no alto da Quinta da Boa Vista. Esses e outros elementos propiciam uma degradação de uma obra de arte como essa, ainda mais em estado frágil. E a situação somente poderia piorar dentro de 10 anos, com eventuais perdas”, avalia o especialista.
Além do ultrassom, foi realizado um escaneamento em 3D para a modelagem das 30 esculturas por um especialista que veio direto da Espanha com equipamento de última geração. “Tudo isso foi desenvolvido pensando na reprodutibilidade desses elementos originais, já que era impossível devolvê-los às suas posições anteriores. Hoje, temos arquivados digitalmente todas essas esculturas em detalhes tridimensionais, o que irá favorecer pesquisas futuras”, considera Wallace Caldas.
As originais receberam um restauro conservativo, onde os procedimentos não são tão invasivos. “O primeiro passo foi fazer a limpeza, depois consolidamos a matéria, que é um processo de agregar superficialmente as partículas soltas de material às esculturas. E, nos pontos com trincas e fissuras, obturamos com argamassa e cal, que têm compatibilidade com o mármore. Assim, buscamos evitar danos futuros pela eventual penetração de micro-organismos, por exemplo. E optamos por deixar essas intervenções aparentes até por uma questão didática para se contar a história dessas esculturas. E o educativo do Museu poderá também aproveitar esse momento e detalhar com as imagens tridimensionais de alta tecnologia, que estarão disponíveis também para isso”, explica Wallace.
Como as estátuas ficam no topo do bloco histórico e a uma distância de mais de 30 metros, optou-se então por fazer as réplicas em argamassa de cal e areia, com estrutura interna e pó de pedra. “Dessa forma, a aparência fica como se elas tivessem sido esculpidas em pedra. Das 30 esculturas, 25 foram modeladas em formas de borracha de silicone a partir das originais, para ficarem com o formato idêntico” e 05 delas, por não ser mais possível a junção das partes, devido a fragilidade, recorremos a execução de réplicas utilizando impressora 3D, que refez as esculturas em material sintético e em todos os seus detalhes. Estas peças foram utilizadas como modelo para execução de réplicas, assinala Wallace.
Para a restauração das esculturas originais foram envolvidos seis profissionais e para a realização das réplicas, oito. Já para o embalamento, içamento das réplicas e retoques finais no topo do prédio-monumento, foram envolvidos diretamente cinco profissionais. Eles trabalharam sob a coordenação de Wallace Caldas, que estudou Arquitetura na UFRJ e trabalha com a área de patrimônio desde a década de 1990. Em São Paulo, ele trabalhou nos dois momentos do Museu da Língua Portuguesa, entre 2002 e 2006, e depois pós-incêndio, em 2015. Mais recentemente trabalhou no Museu do Ipiranga, que está prestes a reinaugurar, tanto no período da restauração de todo o arcabouço arquitetônico quanto do período da implantação das doze exposições. No Rio, trabalhou no restauro do prédio histórico do Museu de Arte do Rio (MAR), além de outros significativos como a mais recente grande obra do Theatro Municipal do Rio de Janeiro, envolvendo fachada e cobertura, onde trouxeram de volta o histórico douramento com folhas de ouro.
Cabe destacar que as esculturas originais passaram a fazer parte do acervo expositivo do Museu Nacional/UFRJ. Oito delas está na exposição que acaba de ser inaugurada no evento #MuseuNacionalVive no Bicentenário. As demais estão na reserva técnica.
Afinal, quando essas esculturas em Carrara chegaram ao Paço de São Cristóvão?
Wallace Caldas explica que essas esculturas decorativas com tema greco-romano são pertencentes ao estilo neoclássico, mas ainda não se pode precisar o momento dessas aquisições e nem de onde elas vieram. “O neoclassismo entra no Brasil na segunda metade do século XIX,, sendo provável que tenha sido nesse período, mas não se sabe o momento exato que foram adotadas dentro das sucessivas obras que o prédio recebeu. Foi desenvolvido um estudo detalhado, incluindo desenhos e cartões postais, e identificamos que no jardim frontal também existiam esculturas de mármore”, informa o restaurador. Mais recentemente, nesse jardim, foi instalada 01 escultura fundida em metal.
Nesse período Neoclássico, as esculturas de mármore tinham a função de embelezar e modernizar a cidade para aquela época, estando presentes em platibandas, praças, coretos e fontes. “Observando o conjunto de esculturas do Paço, estimamos que foram feitas pelo menos duas aquisições na época, porque elas têm formatos e dimensões diferentes, tanto que usaram o artifício de algumas delas terem uma base também de pedra. Assim, as menores ganharam altura e conseguiram proporcionar esse alinhamento mais harmônico com as esculturas maiores. Há uma diferença também na qualidade da feitura delas”, explica o restaurador. Essa pesquisa será aprimorada para compor as futuras exposições do Museu Nacional/UFRJ.
Estátuas da mitologia grega
Orfeu, Ninfa, Mercúrio, Luna, Hígia, Cibele, Ceres e Belerofonte. Essas são as oito esculturas esculpidas em mármore de Carrara, expostas no Jardim Terraço, recentemente revitalizado. A exposição está aberta ao público diariamente, das 9h às 18h, até 2 de novembro de 2022.
Saiba mais:
Assista ao vídeo sobre esse processo de restauro:
Assista também à matéria veiculada no Jornal Hoje, da Rede Globo, com a nossa participação: ‘Símbolos da Independência’: veja detalhes da restauração do Museu Nacional