Onde estão os registros científicos de mulheres como a Imperatriz Leopoldina? Assim como os de outras mulheres, até poucos séculos, suas atividades de pesquisa em história natural somente ficavam registradas em seus diários, cartas e cadernos de estudo. Historicamente, mencionam Leopoldina como a esposa traída de D. Pedro I, a mãe de D. Pedro II, mas pouco falam de sua importância para o desenvolvimento científico no Brasil.
“Se ela não tivesse escrito em seus diários e se não tivessem guardado suas correspondências e cadernos de estudo, talvez nunca iríamos saber sobre sua importância para as ciências no Brasil e que ela foi uma naturalista”, avalia Gabriela Evangelista, que escreveu em seu mestrado na UFRJ a dissertação “Imperatriz Leopoldina: uma história da mulher e das ciências naturais no Brasil do século XIX (1817 – 1826)”.
Quando decidiu estudar a vida da Imperatriz Leopoldina nas ciências, Gabriela somente encontrava breves citações sobre ela ser uma estudiosa de mineralogia, botânica e zoologia. Até chegar aos diários e correspondências foi um processo. Durante a pesquisa no acervo do Setor de Memória e Arquivo (Semear) do Museu Nacional/UFRJ e no Museu Imperial, em Petrópolis, que tinham os diários e cadernos de estudos redigidos em alemão, foi identificado que a Imperatriz Leopoldina também estudava astronomia e esse dado ainda não tinha aparecido em outros registros sobre a vida dela.
“Em praticamente todas as cartas têm a menção a alguma atividade científica que ela estava realizando. Ela mesma coletava os animais, fazia a taxidermia, assim como a exsicata das plantas e mandava para seu pai na Áustria, Francisco I, porque havia o costume nessa época dos Gabinetes de Curiosidades de História Natural. E uma das motivações para ela casar com D. Pedro I foi a possibilidade de vir estudar mais sobre a riqueza e a beleza natural do Brasil”, explica Gabriela. Na Áustria, ela se dedicava ao estudo das Ciências Naturais desde a infância, e seu professor de mineralogia, o Dr. Schuch, descrevia o Brasil como um paraíso da natureza, repleto de pedras preciosas.
Ela mesma organizou sua Comitiva Nupcial Real, com uma Missão Científica, o que deixa claro seu entusiasmo e familiaridade com as ciências. Participaram renomados naturalistas, despertando a necessidade de inserir e alavancar o Brasil no campo científico. “Ficou de legado os inúmeros livros que ela trouxe e também os que ela solicitava nas correspondências para amigos de diferentes lugares. Eles foram somados à biblioteca iniciada por D. João VI, e ela mesma criou seu Gabinete de Curiosidades no Paço de São Cristóvão, também ficando como herança para Pedro II”, informa Gabriela Evangelista.
Nos conteúdos pesquisados estavam relatos de que ela era proibida algumas vezes por Pedro I de realizar suas excursões científicas e pesquisas. “Sua postura de ser pioneira, estando em lugares proibidos explicitamente para mulheres, é uma inspiração para todas as mulheres, dentro e fora do Museu. Enquanto eu estava manuseando os diários, com as luvas, eu pensava na importância daquele documento tão íntimo. E toda a conexão, porque como ela imaginaria que mais de 200 anos depois uma estudante iria se debruçar sobre eles para conhecer sua produção científica. Foram emocionantes esses momentos de contato com o que ela escreveu e esse estudo contribui para contar a história geral, fortalecendo a história da mulher nas ciências”, conclui Gabriela, destacando que esses diários muitas vezes eram encontrados escondidos e boa parte das mulheres os destruíam para que ninguém tivesse acesso, com medo da repressão.
Trechos escritos pela Imperatriz Leopoldina
(…) Agora porém vamos ao que interessa”.(…) Se Metternich não encontrar um marido para mim, quero ter permissão para estudar mineralogia até saber tanto quanto o meu inteligente professor Schuch. Sei que até hoje nenhuma mulher jamais estudou mineralogia, pois as mulheres não podem entrar na universidade de modo algum – mas isso não será impedimento para mim! O que vai acontecer é que eu simplesmente serei a primeira a fazê-lo (…) (KAISER, 2005. p. 33).
“O que acho muito esquisito aqui são em primeiro lugar as diversas lindas plantas e os pássaros com garras; estou te enviando sementes, que vão por Viena, e espero que as recebas; (…) Estou te mandando também um macaco, um […] e um periquito, estes dois últimos são muito raros (…) (Carta de 30/11/1817. In: KANN e LIMA, 2006, p. 315).”
“(…) a não ser pelo forte calor, gosto do país, que é como um paraíso e tem muito encanto para mim como botânica e mineralogista.(…) As plantas, das quais já tenho seis caixas, e as sementes, que são magníficas, irão pela […] para […], pois não arrisco mandá-las de outra forma, já que conheço muito bem esse tipo de roubos. Envio-te tantos pássaros quanto conseguir (…) (Carta de 20/01/1818. In: KANN e LIMA, 2006, p. 323).”
(…) as magníficas paisagens de São Cristóvão me dão oportunidade de caminhar muito; diariamente faço novas descobertas nos reinos animal, vegetal e mineral. O Conde Wrbna lhe entregará uma pele de preguiça e […], que eu mesma abati, e mais dois roedores, cujos nomes estranhos esqueci. (Carta de 26/01/1818. In: KANN e LIMA, 2006, p. 328-329).
“Todos os dias saio para caçar, abato trinta, quarenta peças; já que meu esposo ama caçar, tenho uma grande predileção por isso. (Carta de 30/07/1818. In: KANN e LIMA, 2006, p. 344).
“Faz quinze dias que estou em Santa Cruz; embora esteja no sexto mês de gravidez e tenha uma barriga do tamanho de um enorme barril, passo o dia caçando, o que me distrai muito, pois apenas nas matas sombrias, ermas, posso pensar em meus velhos conhecidos e deles sentir saudades em paz e à vontade. (Carta de 06/12/1818. In: KANN e LIMA, 2006, p. 347-348).”
“(…) acabo de retornar de uma pequena excursão pelos caminhos de São Paulo, por onde cavalguei, em três dias, mais de 35 milhas alemãs; nunca vira caminhos tão ruins, rochedos da altura de um homem, que o cavalo saltava de um lado para outro (…). Trouxe pássaros muito belos e um grande crocodilo, que aqui é chamado de jacaré; em breve receberás uma linda coleção de pássaros e plantas para o teu museu, pois a pouca cultura do Brasil não me permite te enviar um presente”. (Carta de 18/06/1823. In: KANN e LIMA, 2006, p. 421-422)
A dissertação de mestrado “Imperatriz Leopoldina: uma história da mulher e das ciências naturais no Brasil do século XIX (1817 – 1826)” foi apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e das Técnicas e Epistemologia da UFRJ, tendo como orientadora: Nadja Paraense dos Santos. Disponível em: http://www.hcte.ufrj.br/docs/dissertacoes/2018/maria_gabriela_evangelista_soares_da_silva.pdf