Imaginar como seriam as exposições do Museu Nacional a partir das lembranças dos filmes que já assistiu, enquanto passeava na Quinta da Boa Vista com sua família na infância. Amar plantas, conhecê-las desde sempre pela sabedoria popular transmitida por seus pais, ter mestrado sobre anatomia de plantas com flores e ser botânica. Entretanto precisar se desfazer de algumas plantas ornamentais que tinha em casa e manter somente os temperos. Você poderia imaginar por quê? Esses e outros fatos que retratam tanto a realidade brasileira fazem parte da vida da pesquisadora Cecília Bernardo Pereira, que nos conta nesta entrevista. Atualmente, ela participa do projeto de Extensão Botânica no Museu pelo Programa de Pós Graduação em Botânica/UFRJ e do Repórter Natureza, liderado pela professora Cristiana Koschnitzke. Além disso, ela é colaboradora da série “Planta Nossa de Cada Dia”, que é publicada aos sábados nas nossas redes sociais.
Harpia – Como foram seus primeiros contatos com o Museu Nacional/UFRJ?
Cecília – Eu sempre ia à Quinta com minha família nos passeios de infância, corria em volta do Palácio e tinha muita vontade de conhecê-lo, mas meus pais são muito humildes e pensavam que seria algo caro. Meu pai me contava que a Família Real já tinha morado ali, que tinha dinossauros e eu ficava imaginando como seria por dentro, tendo como base o que eu já tinha visto no filme “Parque dos Dinossauros”. Eu sempre dizia que um dia eu iria entrar no Museu e também que eu iria ser cientista. E, graças às pessoas e oportunidades que tive no decorrer da minha vida acadêmica, consegui.
Harpia – Então, como foi esse momento de começar a ser cientista no Museu?
Cecília – Quando eu estudava Biologia na Universidade Castelo Branco, vi um anúncio em grupo de Facebook para vaga de iniciação científica no Departamento de Botânica no Museu Nacional. Vi ali a minha oportunidade de pesquisar em uma instituição que sempre admirei e numa área que já me identificava na faculdade. E foi bem interessante os dois anos fazendo parte do projeto da professora Cristiana Koschnitzke: “As espécies de Ficus (Moraceae) do Horto Botânico do Museu Nacional (UFRJ) e suas vespas polinizadoras”, estudando a reprodução das 43 figueiras que temos lá.
Harpia – E você deu continuidade às figueiras no seu mestrado?
Cecília – No mestrado no Museu, mudei o objeto de estudo. Estudei uma planta que ocorre em Ibitipoca, em Minas, que tem uma produção diferenciada de néctar, defendida com o título “Avaliação estrutural e funcional dos nectários florais de Mandevilla tenuifolia (J.C. Mikan) Woodson (Apocynaceae)”, e a professora Cristiana foi a minha orientadora, juntamente com a professora Bárbara Sá-Haiad.
Harpia – Você estuda plantas, se especializou em botânica, percebo que tem uma relação próxima com elas, então imagino que você tenha inúmeras em casa…
Cecília – Amo plantas, mas como eu moro em uma comunidade no bairro do Jacaré e, nos últimos anos, a água tem chegado de forma bem escassa, precisei me desfazer das plantas ornamentais e da horta que eu cultivava, e estou mantendo somente os temperinhos. Minha relação realmente é muito próxima desde a infância com as plantas porque meus pais são do interior, então é comum na minha família conhecermos as plantas e saber quais são as comestíveis. É até engraçado porque já participei de eventos científicos que abordavam as chamadas PANCS, que são as Plantas Alimentícias Não Convencionais e eu logo questionei: “Esse convencional é do ponto de vista de quem?”. Muitos não consideram que dente-de-leão, serralha e alfavaca sejam comestíveis, e elas sempre estiveram nas minhas refeições, creio eu que pela minha família ser do interior. As pessoas geralmente não tem um vínculo tão forte com as plantas, e chamamos isso de “cegueira botânica”, que é quando a pessoa olha para uma paisagem e não consegue percebê-las, seja pela ausência de vínculo afetivo, ou por não enxergá-las como seres vivos, por serem “paradas”.
Harpia – Cecília, você comentou que não tinha conseguido entrar no Museu na infância por questões financeiras. Você teve a oportunidade de levar sua família?
Cecília – Carreguei a minha irmã comigo assim que eu entrei no Museu e mostrei todos os detalhes para ela. Só não consegui levar meus sobrinhos e meus pais. Veio o incêndio, eles me consolaram muito, especialmente meu sobrinho mais velho, e o levei para as atividades promovidas na Quinta, e esses momentos foram muito bonitos e emocionantes pra gente.
Harpia – E como foi para você ter esse contato com o público nas atividades na Quinta?
Cecília – Meus colegas sempre percebiam o meu jeito com crianças. Sou babona mesmo com elas, e ver os olhinhos brilhando já me faz ganhar o dia, porque é indescritível perceber que estão interessadas em ciência, em conhecer o funcionamento dos polinizadores, que eu estudo há tantos anos. Logo em 2018, no Festival Museu Nacional Vive, trabalhamos para proporcionar experiências de encantamento, desenvolvendo uma estrutura e usando balinhas para que todos pudessem entender o que era o néctar, assim como sujando a mão com amido de milho, por exemplo, para perceber o que é o pólen. Pensamos em cada detalhe para compartilhar com o público nessas atividades de Extensão do Museu. É justamente por esse entusiasmo por trabalhar com crianças, que atualmente estou fazendo licenciatura em Biologia, buscando ampliar meu campo de atuação.
Harpia – Como foi para você a adaptação para as atividades online com o público?
Cecília – Particularmente, para mim foi complicado porque não tenho internet com alta velocidade na minha casa e também porque, como moro em uma comunidade, o barulho até de músicas altas poderiam atrapalhar a experiência dos participantes nos cursos de extensão. Então pedi para os meus amigos mais íntimos que eu fosse para a casa deles – o que era um grande problema especialmente no início da pandemia. Mas consegui, ficando de máscara e mantendo a distância das pessoas. Deu tudo certo.
Harpia – Você nos contou nesta entrevista que levou sua família para esses eventos abertos depois de 2 de setembro de 2018. E como você espera o dia que os levará para a reabertura das exposições no Palácio de São Cristóvão?
Cecília – Com certeza, teremos sempre o dia de ir ao Museu Nacional com toda a família reunida e eu já imagino como será mostrar para eles todos os mínimos detalhes das exposições.