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Crianças e jovens são incluídos no universo científico pela Cartas com Ciência

Você se lembra do seu primeiro contato com a ciência? Dezenas de estudantes de países de língua portuguesa estão trocando correspondências, daquelas tradicionais com selo e postadas pelo correio, com cientistas de diferentes partes do mundo. Isso está sendo possível por meio da Cartas com Ciência. O Harpia conversou com um de seus criadores, o Rafael Galupa, e com a doutoranda e técnica das Coleções Zoológicas do Museu Nacional/UFRJ, Marina Gomes. Ela participa de projetos de divulgação científica e acaba de ingressar nesse programa como cientista correspondente.

‘Estamos unidos para trabalhar para a justiça social, com princípios de equidade e de inclusão’, Rafael Galupa.

A primeira lembrança de Rafael Galupa sobre seu contato com o universo das ciências foi durante atividade escolar, nas férias de verão, quando ele se divertiu com experimentos científicos. Isso se deu quando ele tinha uns 10 anos de idade e morava em Portugal. Hoje ele mora em Heidelberg, na Alemanha, sendo pesquisador do Laboratório Europeu de Biologia Molecular (EMBL). Após o contato com um programa dos Estados Unidos de troca de correspondências entre cientistas e crianças, ele e a Mariana Alves se inspiraram para criar a Cartas com Ciência.

Rafael Galupa do Cartas com Ciência

A iniciativa acaba de completar 2 anos. Ela é voltada para promover o diálogo entre cientistas e estudantes de comunidades não privilegiadas nos países de língua portuguesa, por meio de trocas de cartas, pretendendo também ser uma plataforma para a diplomacia e a cooperação científica entre os países de língua portuguesa. Podem participar todos os cientistas interessados que estejam envolvidos com pesquisas ou que já tenham feito, incluindo todas as ciências, como as ciências sociais.

“O nosso objetivo principal é que essas crianças, moradoras de comunidades de baixos rendimentos financeiros, percebam que, se elas quiserem, também podem ser cientistas. Durante o ano letivo, ficam em contato com os pesquisadores e, assim, conseguem constatar que são pessoas ‘normais’, desenvolvendo pesquisa científica, e também tendo suas famílias e seus passatempos. Isso busca desmistificar a ideia de quem pode ser cientista, contribuindo para que as próprias crianças identifiquem isso, ao se sentirem próximas e incluídas na ciência”, explica Rafael Galupa.

Todos os cientistas participam de uma formação antes de ter contato com as crianças e jovens. A ideia é que os estudantes se sintam convidados a participar da ciência. Assim, compartilham com o cientista, que está emparelhado, quais são as preocupações que eles têm com suas comunidades e como eles acham que a ciência poderia ajudar.

São usadas cartas à moda antiga, onde são escritas, colocadas em envelope e postadas pelos correios. “A ideia é buscar a sensação de receber as cartas em mãos com uma mensagem. Por um lado, é para sair um cadinho dos formatos digitais, trazendo esse gostinho especial para a experiência. E também impõe um compasso de espera, que é importante para criar expectativas e dar tempo para os professores trabalharem outros temas. Há ainda estudos que apontam para as vantagens da redação manuscrita em relação à escrita no computador, por exemplo. Isso favorece um vocabulário mais complexo e mais rico, assim como possibilita que cada estudante organize melhor o que está a escrever. Embora nos bastidores da Cartas com Ciência a gente use o digital para tudo”, explica Rafael.

Perguntado sobre o que mais dá orgulho ao ver os resultados da Cartas com Ciência, Rafael responde: “No início, nem tínhamos noção da energia e do interesse que o programa poderia gerar. Hoje, percebo que há muita motivação tanto de professores e estudantes, quanto dos cientistas em participar. Colocamos como objetivo chegar nos primeiros três anos em todos os países de língua oficial portuguesa e já concluímos isso agora com 2 anos. Portanto, é um orgulho, sem dúvida, chegando a mais de 250 estudantes. Também me orgulho por termos uma equipe motivada de pessoas voluntárias que vêm de quase todos os países de língua portuguesa, somente faltando até agora o Timor. Estamos unidos para trabalhar para a justiça social, com princípios de equidade e de inclusão, e isso também me dá muito alento para continuarmos”, pontua Rafael Galupa.

A Cartas com Ciência chega aos estudantes de duas formas. Os professores podem se inscrever para fazer parte do programa, sendo que no momento há vários em lista de espera. Há também o contato feito por meio de outras parcerias, como as associações que trabalham com crianças e jovens. Em alguns lugares, trabalham com turmas inteiras ou escolas. Ninguém tem contato direto com as crianças, sendo sempre por meio do professor ou da professora. O programa fica a custo zero para as escolas e associações e todas as despesas que eles têm podem ser reembolsadas pela Cartas com Ciência. Da mesma forma, os cientistas que precisarem.

“Temos interesse em expandir para além dos países de língua portuguesa, englobando os que têm imigrantes nativos do nosso idioma. Mas seria necessário profissionalizar mais a iniciativa, e ainda estamos no nosso segundo ano. Neste momento, somente contamos com pessoas voluntárias. Estamos em busca de apoio financeiro para conseguirmos gerar postos de trabalho e podermos ter um alcance maior”, informa Rafael Galupa. A Cartas com Ciência tem alguns programas mais curtos fora dos países de língua portuguesa financiados pelo Instituto Camões de Portugal, sendo contemplados: a Suíça, a Namíbia e a África do Sul.

Saiba mais:

 

‘Quero mostrar que ser cientista é algo comum, que não é nada raro, divino ou de outro mundo’, Marina Gomes

Marina Gomes tem proximidade com a ciência desde a infância, porque sua tia e o marido dela são biólogos e professores da UFRJ. Eles sempre a estimularam por meio de contatos com museus científicos e conversas, explicando o que eles estavam desenvolvendo. Marina até cogitou ser veterinária, mas foi incentivada a ser bióloga. Com a divulgação científica, seus primeiros contatos foram em 2017, nos 199 anos do Museu Nacional/UFRJ. Hoje, além de ser técnica das Coleções Zoológicas do Museu Nacional/UFRJ e doutoranda da Zoologia, participa de três iniciativas nas redes sociais: Ambientaí, EcoMarina e CiMusé. Elas costumam receber mais interatividade do público adulto, mas, volta e meia, adolescentes também entram em contato.

“Em relação às crianças, tenho uma memória bem marcada do mais recente aniversário do Museu Nacional, que tivemos contato com o público na Quinta da Boa Vista, antes da pandemia. Um grupo de crianças me perguntou se era o Museu que viram em chamas pela TV e elas lamentaram que não tiveram a oportunidade de conhecê-lo. Fui puxando a conversa para os insetos expostos no estande, mostrando como eles são, suas curiosidades, e elas ficaram fascinadas. Essa situação me tocou muito”, relata Marina.

Ela conheceu o Cartas com Ciência em grupo de WhatsApp com biólogos. Sempre que falam sobre divulgação científica, ela busca para saber do que se trata. “Acessei o site deles, fiquei interessada, vi que as inscrições estavam abertas e fiz o curso de preparação para aprender como conversar com as crianças. Isso foi em 2020 e eu não fui selecionada logo para o emparelhamento com um estudante, talvez porque meu foco de pesquisa seja a distribuição das espécies de insetos, especialmente das moscas. É provável que não seja um tema muito interessante para a maioria”, avalia Marina. E completa: “Quando recebi o e-mail, fiquei muito animada. Até o momento, recebi o nome do estudante e eles pedem para não divulgá-lo. Ainda não sei a idade, nem o país”.

Marina passará a se corresponder ao longo do ano letivo, e espera alcançar o objetivo do Cartas com Ciência. “Quero mostrar que ser cientista é algo comum, que não é nada raro, divino ou de outro mundo, e que qualquer pessoa, inclusive esse estudante, pode ser cientista se ele quiser. No treinamento, informaram que podemos mandar fotos da nossa rotina para demonstrar isso“.

As aulas são dadas em uma plataforma do programa. “O que mais me chamou a atenção é que sempre ouvi sobre o cuidado que precisamos ter ao falar com as crianças sobre ciência. Mas, nesse treinamento, eles recomendaram que a gente fale as palavras consideradas difíceis, como os nomes técnicos, explicando do que se trata em seguida. Outro ponto é que eles são muito bem preparados quanto às eventuais situações que podem surgir, como relatos de violência ou outro tipo de abuso. Eles têm um sistema para que nós cientistas possamos acioná-los para que eles tomem as atitudes cabíveis internacionalmente, buscando resolver a situação”, destaca Marina.

Ela explica que o que mais a impulsiona a trabalhar com a divulgação científica é que muitos dizem que os cientistas produzem conhecimentos somente para si mesmos. “Entendo que, ao transmitirmos mesmo os conhecimentos que parecem muito simples para a gente, conseguimos aproximar a ciência do público. Se as pessoas não conhecerem a ciência, será difícil apoiá-la”, pontua Marina Gomes. Ela exemplifica com um vídeo recente que ela contribuiu na produção para o perfil do Laboratório de Pesquisas em Lepidoptera do Museu Nacional/UFRJ (LaPel). Nele, mostraram como os exemplares de mariposas são tombados na Coleção e o público demonstrou grande interesse pelos comentários.

Marina sempre ouviu também que, se as pessoas leigas tivessem acesso às informações científicas, como as relacionadas às espécies ameaçadas, por exemplo, poderiam tomar uma atitude para reverter o quadro. “Logo pensei: ‘Peraí, as pessoas precisam saber disso! Por que elas ainda não têm acesso a essas informações importantes?’. Não consigo ficar parada deixando de repassar o que eu sei, me sinto até estranha quando não faço isso“.

 

Saiba mais:

Conheça nesta matéria no Harpia os projetos de divulgação científica que a Marina participa.

Veja o vídeo no perfil do Lapel sobre como são coletadas as mariposas. Acesse no Instagram.

 

 

 

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