O afresco pompeiano “Dragão e Dois Golfinhos”, da Coleção Teresa Cristina, acaba de ser restaurado na Itália. Ele foi contemplado na 19ª edição do Restituzioni. Trata-se do programa bienal de conservação e valorização do patrimônio artístico italiano, que o banco Intesa Sanpaolo realiza há mais de 30 anos em colaboração com o Ministério da Cultura da Itália. Os resultados da mais recente temporada de restaurações estarão dia 23 de junho, na exposição “Fragilidade e Força”, na Gallerie d’Italia, em Nápoles.
São mais de 200 obras, de antiguidades a peças contemporâneas, com a participação de 80 laboratórios de restauro e 54 entidades conservacionistas. Pela primeira vez, estão contempladas todas as regiões da Itália. Da França, foi restaurada uma obra-prima do pintor italiano Vittore Carpaccio, pertencente ao Museu Jacquemart-André de Paris. O nosso afresco dá uma dimensão global ao programa, sendo o único de fora da Europa. O público poderá visitá-la até 25 de setembro deste ano.
É um verdadeiro presente para o Museu Nacional/UFRJ, que completará 204 anos em 6 de junho, neste ano do bicentenário de nascimento da Imperatriz Teresa Cristina.
Importância do afresco
O mural afresco “Dragão e Dois Golfinhos” é um bem cultural que fez parte do Templo de Isis, na cidade italiana de Pompéia, sendo datado entre 62 e 79 d. C. Ele foi encontrado em escavações na região e trazido na bagagem da imperatriz Teresa Cristina, em 1843, quando ela chegou ao Brasil casada por procuração com D. Pedro II. Em pintura a seco e fundo preto, ele mede 51cm por 148cm, sendo um dos quatro afrescos da Coleção da Imperatriz Teresa Cristina do Museu Nacional/UFRJ. Durante o Resgate do acervo, após o incêndio de 2018, ele foi encontrado em 156 fragmentos, de diferentes tamanhos.
Cooperação técnico-científica
A restauração do painel de pintura mural “Dragão e Dois Golfinhos” foi realizada por meio de uma cooperação técnico-científica entre a Fundação Centro de Conservação e Restauro “La Venaria Reale”, sediada em Turim, e a equipe do Laboratório Central de Conservação e Restauração (LCCR) do Museu Nacional/UFRJ. Os contatos com a Fundação foram iniciados, anos atrás, quando o servidor técnico Carlo Pagani realizava sua pesquisa de pós-doutorado. Na época, ele pesquisava pinturas portuguesas sobre madeira, datadas de 1500, do acervo do Museu Dom João VI da Escola de Belas Artes (EBA) da UFRJ. Nesse período, estudou também em Portugal e na Itália. A Fundação é voltada para a formação, pesquisa científica e restauro de bens culturais de diferentes partes do mundo. Neste momento, eles estão envolvidos, por exemplo, com o restauro do Santo Sepulcro, em Israel.
Quando se pensou em iniciar essa cooperação para restaurar uma peça do acervo do Museu Nacional/UFRJ, decidiram fazer essa escolha tendo em vista o interesse do ponto de vista cultural e de sua história. Assim, chegaram à Coleção Teresa Cristina e à experiência essa instituição com o restauro de afrescos de Pompéia. Carlo entrou em contato com a professora Cláudia Rodrigues Carvalho, que estava responsável pela equipe de Resgate, e apresentou a possibilidade. Prontamente, ela e a Direção do Museu Nacional/UFRJ aprovaram a realização do trabalho de coleta dos fragmentos dentro do Paço de São Cristóvão para essa restauração. Essa primeira etapa foi concluída em março de 2020.
Carlo explica que a ideia inicial do projeto era contribuir também com a formação da equipe de restauradores do Museu Nacional/UFRJ, com troca de conhecimentos entre as instituições. Iriam vir especialistas da Itália. Entretanto, com a pandemia, ele precisou ser adaptado para ter um curso realizado à distância, o que acabou permitindo abranger mais instituições brasileiras. Foram convidados para assistir às aulas também os profissionais ligados à restauração do Museu Nacional de Belas Artes, do Museu Dom João VI, da Fiocruz e do IPHAN, totalizando 25 participantes.
“Durante o curso, foi estudado, por exemplo, o que é um afresco, em relação a sua materialidade e todos os aspectos que o envolve, em especial um afresco pompeiano. Na metodologia, foi mostrado como cada caso é trabalhado, detalhes sobre embalagem, materiais e todas as etapas para o restauro de ‘Dragão e Dois Golfinhos’, especificamente”, resume Carlo Pagani.
O conjunto com os 159 fragmentos desse afresco chegou em 21 de dezembro de 2021 na Fundação Centro de Conservação e Restauro “La Venaria Reale”, em Turim. Cada deslocamento está contando com o seguro pago pelo banco Intesa Sanpaolo. Logo em janeiro deste ano foi iniciada toda a pesquisa histórico-documental, mas também sobre a restauração realizada na peça por volta de 2015. Por meio de multi-imagem, foram estudados todos os fragmentos que estavam já desenhados em um papel especial pela equipe do LCCR.
Cada fragmento foi fotografado e essa imagem digitalizada passou por um programa, conferindo as posições de cada um deles. Paralelamente, foram realizados outros estudos e diversas análises cientificas. Devido às altas temperaturas, luminosidade e contato com a água, a coloração negra desse afresco ficou branca e seus pedaços sofreram mudanças físicas, ficando abauladas. Tinha ainda uma base que não era a original, que deixou ainda mais complexo esse processo de restauração. No resultado, está um mosaico com os fragmentos que foram encontrados até o momento e, se forem encontrados novos no material do Resgate, serão usados na base feita para permitir que ele seja integrado à peça.
“As instituições italianas envolvidas assumiram o compromisso de preservar esse patrimônio histórico e artístico da Coleção Teresa Cristina por toda sua importância. Espero que possamos dar continuidade a esse trabalho com outros itens dessa relevante Coleção. Todo o procedimento está documentado e ficará como patrimônio do Museu Nacional, contribuindo como fonte de estudos para novas restaurações”, destaca Carlo.
A exposição na Itália
Com o título original “La Fragilità e la Forza”, a exposição está na nova sede da Gallerie d’Italia, em Nápoles, no histórico Palácio do Banco de Nápoles, localizado na famosa Via Toledo. A 19ª edição do Restituzioni cobre um período cronológico de 26 séculos, que vai da antiguidade ao período contemporâneo e oferece um amplo panorama do patrimônio artístico da Itália.
Os visitantes encontram na exposição permanente desse museu obras pertencentes ao patrimônio histórico-artístico do grupo Intesa Sanpaolo. Uma delas é a obra-prima “O Martírio de Santa Úrsula” (“Martirio di sant’Orsola”, no nome original), que é o último trabalho do pintor italiano Caravaggio, de maio de 1610, poucas semanas antes de sua morte.
Está previsto que o afresco pompeiano “Dragão e Dois Golfinhos” fique também em exposição na Embaixada do Brasil em Roma de 27 de setembro a 2 de novembro. Em seguida voltará ao Brasil e o Museu Nacional/UFRJ buscará um espaço para exibi-lo para a sociedade brasileira.
Perguntado pelo Harpia sobre como se sente após estabelecer essa cooperação técnico-científica, o restaurador italiano Carlo Pagani respondeu que foi acolhido no Brasil pelos amigos e colegas de trabalho, teve parte de seus estudos do doutorado financiados pelo governo brasileiro, passou no concurso público e considera, portanto, uma retribuição. “Deixo uma contribuição sobre o que foi possível para mim. Estou perto de me aposentar e tenho certeza de que meus colegas do LCCR irão continuar realizando o trabalho que já estão realizando com alta capacidade técnica, competência, dedicação e estabelecendo diversas parcerias científicas para aplicar tecnologias para os restauros do acervo do Museu Nacional”, conclui.
Equipe no Brasil que participou da restauração desse afresco de Pompéia
- Chefe do LCCR do Museu Nacional/UFRJ, Ana Luiza de Castro Amaral
- Carlo Pagani do LCCR.
- Professora Neuvânia Curty Ghetti do Museu Nacional/UFRJ.
- Pedro Luiz Diniz Von Seehausen do LAPID
- Tarcísio Saramella do LCCR.
- Monica Coeli do LCCR.
- Cleide Martins do LCCR.
- Angela Maria Rebello do LCCR.
- Arqueóloga Jeanne Cordeiro do Laboratório de Arqueologia Brasileira (LAB).
- Arqueóloga Alice Táboas do Laboratório de Arqueologia Brasileira (LAB).
- Estagiaria Jéssica Bonarczuk do LCCR.
- Professora Marilene Maia da EBA/UFRJ, como voluntária.
- Toda a equipe do Resgate.
Saiba mais:
– Conheça a coleção permanente da Gallerie d’Italia, em Nápoles.
– “La Fragilità e la Forza”, no título original, é a exposição que conclui a 19ª edição do programa Restituzioni. Acesse.
– Fondazione Centro Conservazione e Restauro dei Beni Culturali La Venaria Reale. Conheça.
– Conheça o programa Restituzioni do Intesa Sanpaolo, com os detalhes das obras já restauradas, vídeos e publicações. Acesse agora.