
Quais são as novidades na reconstrução do Museu Nacional/UFRJ? A gestora técnica e estratégica do Projeto Museu Nacional Vive, Larissa Graça, conversou com o Harpia sobre as conquistas recentes, os desafios da gestão integrada dos projetos técnicos e as diretrizes fundamentais que orientam o trabalho: preservação do patrimônio histórico, valorização da memória, inovação, sustentabilidade e acessibilidade. Ela também faz reflexões a partir de sua trajetória de quase 20 anos na implantação e gestão de projetos, especialmente nos campos do patrimônio material e imaterial. Confira a seguir.
Harpia — Larissa, para começar esta entrevista, conte aos leitores do Harpia os principais projetos de implantação de museus em que você participou.
Larissa Graça — Desde 2007, atuo na implantação de museus. Meu primeiro projeto foi o Museu do Futebol, em São Paulo, onde entrei na fase final da obra, integrando a equipe da Fundação Roberto Marinho para coordenar a expografia e o conteúdo expositivo. Desde então, minha atuação na Fundação tem sido contínua na área de patrimônio e cultura. Participei da implantação de outros museus, como a reconstrução do Museu da Língua Portuguesa e, em diferentes etapas, do MAR (Museu de Arte do Rio), do Museu do Amanhã e do Paço do Frevo. Atualmente, além da reconstrução do Museu Nacional, também estou envolvida no projeto de implantação e gestão do Museu da Imagem e do Som, que passou por um período de paralisação devido às obras do governo, mas que segue em curso para ser finalizado.

Harpia — E como e quando surgiu o convite para você assumir a posição de gestora técnica e estratégica do Projeto Museu Nacional Vive?
Larissa Graça — Eu já havia trabalhado com a Lucia Basto, gerente executiva do Projeto, por muitos anos, em diversos projetos até 2020, quando ela deixou a Fundação Roberto Marinho (FRM). Nesse período, implantamos diversos museus, entre eles o Museu da Língua Portuguesa, que inaugurou uma nova tipologia museológica no Brasil. Quando ela saiu, assumi a área de Patrimônio e Cultura da FRM e segui com esse trabalho. No início de 2024, com o projeto de reconstrução já em etapa avançada, a Lucia me convidou para integrar a equipe, que é altamente especializada. Algumas etapas importantes da obra já foram concluídas, em especial a restauração das fachadas e coberturas dos blocos 1, 2 e 3. Com os projetos arquitetônicos finalizados e aprovados pelo Iphan, agora poderão ser contratadas e iniciadas as obras internas no Paço de São Cristóvão. Quanto ao edifício anexo Alípio de Miranda Ribeiro, a primeira etapa das obras, que compreende demolições e reforços estruturais já foi iniciada. Em breve também faremos a licitação e contratação dos demais serviços para as obras neste edifício. Paralelamente, estamos avançando para as etapas finais do projeto pré-executivo da museografia — fase que exige um olhar integrado sobre cada detalhe e suas conexões: arquitetura, museografia, conteúdo e planejamento, especialmente.

Harpia — Larissa, quais são os principais desafios desta fase atual do projeto de reconstrução do complexo arquitetônico do Museu Nacional/UFRJ, que abrange tanto o Paço de São Cristóvão quanto o prédio anexo Alípio de Miranda Ribeiro, na Quinta da Boa Vista?
Larissa Graça — A fase atual envolve muitos desafios. Estamos lidando com diferentes fontes de financiamento, o que resulta em distintas especificidades legais e operacionais. A grande novidade é o início das obras no prédio anexo Alípio de Miranda Ribeiro. Após um intenso planejamento de desmobilização da equipe do Museu que ainda trabalhava neste prédio e de suas respectivas coleções, realizado no ano passado, a primeira etapa das obras pode ser iniciada. Os laboratórios e as reservas técnicas foram transferidos para os novos módulos emergenciais construídos pelo Museu Nacional no Campus de Pesquisa e Ensino Museu Nacional. Os recursos para as obras do Alípio foram destinados pelo Ministério da Educação (MEC), sendo necessário que os processos licitatórios sejam elaborados a partir das premissas da lei pública de licitações, diferentemente da contratação das obras do Paço de São Cristóvão, contratadas pela SAMN, com recursos captados junto à iniciativa privada pela Lei Federal de Incentivo à Cultura. Desta forma, toda a documentação para a licitação, contratação e acompanhamento são diferentes para cada uma das modalidades de contratação das obras. Muita gente ainda desconhece, mas para que uma licitação possa ser realizada por um ente público, é necessário receber os recursos antes de iniciar o processo licitatório — já com a disponibilidade orçamentária assegurada. No caso da Lei Rouanet, podemos contratar a empresa e ir viabilizando a execução dos serviços por etapas. Para a contratação das obras do edifício anexo trabalhamos com prazos bastante apertados, mas conseguimos cumprir todas as etapas graças ao esforço conjunto de diversas instâncias, especialmente a PR-6 e com isso foi possível empenhar os recursos a tempo, viabilizando o início destas ações. A parceria com a PR6 foi fundamental para garantirmos a contratação em tempo recorde e a preservação dos recursos do orçamento de 2024, que devem ser empenhados até o dia 31 de dezembro. O contrato com a construtora J Azevedo Engenharia foi assinado em 26 de dezembro de 2024. Cabe destacar que temos também o desafio de conseguir mais recursos com o MEC para completar as obras do Alípio, porque os recursos já disponibilizados cobrem somente a primeira etapa. Neste primeiro momento, resumidamente, eles cobrem a demolição e o preparo das fundações e da estrutura para realizar essa grande adaptação do prédio. Num segundo momento, serão feitas as instalações e, posteriormente, a fase de acabamentos, revestimentos e mobiliário. Já iniciamos a elaboração dos documentos técnicos para a próxima etapa de licitação pública, para que quando houver o repasse dos recursos pelo MEC, já estarmos com a documentação adiantada.

Harpia — E como foi o processo de licitação no Paço de São Cristóvão?
Larissa Graça — Para as obras do Paço, a fonte de financiamento é o Pronac, que, de forma resumida, funciona assim: com o projeto aprovado na Lei Federal de Incentivo à Cultura, é possível licitar as obras, enquanto ocorre o processo de captação de recursos. Assim, realizamos uma licitação de grande porte para esta fase das obras, seguindo uma outra série de exigências legais, e contratamos a construtora Biapó, que tem ampla experiência na restauração de patrimônio histórico. Agora estamos executando o contrato por etapas, a partir da emissão de ordens de serviço, conforme disponibilidade orçamentária do projeto, com a internalização de recursos com os parceiros privados. As peculiaridades técnicas do Paço de São Cristóvão — agora acrescidas de achados arqueológicos — exigem um olhar técnico minucioso e um acompanhamento constante. Paralelamente, contamos com a Velatura Restaurações para executar o gerenciamento da obra. Destaco também a atuação fundamental da SAMN (Associação Amigos do Museu Nacional), que é a contratante e proponente no PRONAC. De maneira colaborativa, a equipe de gestão do Projeto Museu Nacional Vive e a equipe da SAMN fazem a gestão financeira, administrativa e jurídica de diversas ações. Conseguimos, por exemplo, graças à parceria da SAMN, contratar a mesma empresa gerenciadora para as duas obras — uma decisão estratégica essencial para garantir a articulação eficiente entre essas frentes.
Harpia — Até recentemente, no prédio anexo Alípio de Miranda Ribeiro, funcionavam alguns laboratórios de pesquisa com seus acervos científicos. O que haverá nele e por que é importante que as obras dele sejam realizadas ao mesmo tempo que as do Paço de São Cristóvão?
Larissa Graça — Os dois prédios irão funcionar como um complexo arquitetônico. No Alípio, ficará o “coração” dos sistemas prediais, como por exemplo os reservatórios de água, os quadros de energia elétrica, as principais máquinas de ar-condicionado, entre outros equipamentos essenciais, que irão alimentar o Paço de São Cristóvão. Para que o Museu Nacional possa reabrir, mesmo que de forma parcial, precisamos ter esse prédio anexo com esses sistemas operando, ainda que ele esteja sem os acabamentos completamente concluídos. Nós temos o grande desafio, na gestão das obras, de compatibilizar e coordenar o trabalho de duas construtoras diferentes e, portanto, dois controles de obras diferentes, mas cujos sistemas devem funcionar conjuntamente.

Harpia — Larissa, o Projeto Museu Nacional Vive incorpora princípios de inovação, sustentabilidade e acessibilidade, por exemplo. De que forma a acessibilidade está sendo integrada desde as fases iniciais da reconstrução do Museu?
Larissa Graça — É importante observar que a acessibilidade nos museus é um campo em constante evolução. Inicialmente, o foco estava em atender normas e leis por meio de adaptações físicas que garantissem o acesso ao edifício. Depois, ficou claro que isso não era suficiente: era preciso garantir o acesso ao conteúdo. Hoje, vivemos uma terceira etapa, voltada à diversidade de público. Para o Museu Nacional, estamos adotando essa abordagem ampliada desde o planejamento, entendendo a acessibilidade como a capacidade de acolher diferentes perfis de visitantes. Por exemplo, o projeto arquitetônico contempla áreas específicas para acolher pessoas neurodivergentes. Em vez de apenas adaptar horários, como fazem alguns museus, teremos áreas de acalmamento pensadas para momentos de barulho ou aglomeração. Além disso, os recursos como objetos táteis beneficiam a todos, aproximando o público do conteúdo. Esse olhar ampliado já vinha sendo desenvolvido em outros projetos, como no Museu da Língua Portuguesa, com a consultoria de Luís Soares — que também colabora neste projeto. Em ambos os casos, são museus que enfrentaram grandes incêndios e precisaram manter a relação com o público durante a reconstrução. Um exemplo é o eixo de acessibilidade do Projeto Museu Nacional Vive, com ações como o programa Cidade Educadora, voltado às escolas e ao território. Também realizamos escutas contínuas, como os encontros “Diálogos da Reconstrução”, presenciais e transmitidos pelo YouTube, que mostram como as comunidades estão participando da formação, documentação e desenvolvimento das novas coleções e exposições. Acredito que temos conseguido avançar ao incorporar essas especificidades, com um olhar ampliado e cuidadoso para a acessibilidade.
Harpia — Realmente, é essencial. E na área de sustentabilidade vocês receberam uma certificação em 2024. Você poderia resumir para os leitores do Harpia sobre os cuidados que vocês têm nas obras neste sentido?
Larissa Graça — O Projeto Museu Nacional Vive busca certificações de sustentabilidade, como a LEED (Leadership in Energy and Environmental Design) e a Procel, que exigem o cumprimento de critérios desde o planejamento até a fase de uso do edifício. A Certificação LEED avalia desde pré-requisitos obrigatórios até estratégias que somam pontos para determinar o nível a ser alcançado. Seu processo exige a integração entre projetistas, consultorias, equipe de comissionamento e depois, na etapa da obra, da construtora, garantindo o cumprimento de todos os parâmetros ambientais, como por exemplo o descarte adequado de resíduos, um controle rigoroso no canteiro de obras, a destinação correta de materiais, o uso restrito de determinados produtos, entre outras ações. Essa certificação também avalia o prédio após sua ocupação, para verificar que as condições internas para os usuários e funcionários é adequada. São medidas que exigem planejamento e fiscalização constantes, mas que asseguram a fidelidade aos princípios do Projeto e o compromisso ambiental. Além disso, estamos em processo de obtenção da Certificação Procel, voltada para a eficiência energética. Trata-se de uma certificação mais específica, que avalia o desempenho energético dos edifícios. Assim como a LEED, ela reforça o compromisso institucional com práticas sustentáveis. Ter essas duas certificações significa adotar critérios técnicos e operacionais rigorosos, não apenas durante a construção, mas também no funcionamento contínuo do espaço. Mais do que selos, elas representam um compromisso com a sustentabilidade, a responsabilidade ambiental e o bem-estar de todos que irão frequentar o Museu Nacional.

Harpia — E em relação aos achados arqueológicos no Paço de São Cristóvão, como vocês estão incorporando isso ao que o público irá encontrar na reabertura do Museu?
Larissa Graça — Após o incêndio, o projeto de restauração do Museu Nacional revelou descobertas importantes, como pinturas, elementos decorativos originais e achados arqueológicos, que ampliam o entendimento sobre a história do edifício e de seus ocupantes ao longo do tempo. Esses achados, visíveis quando tivemos o prédio desnudo, serão incorporados ao Circuito Histórico, integrando a museografia e oferecendo ao público novas camadas de conteúdo. Embora o projeto já tenha sido aprovado pelo IPHAN, ele é constantemente atualizado com base nas evidências encontradas durante as obras, em diálogo direto com o Instituto, que acompanha tudo in loco. Um exemplo é a Sala do Bendegó, onde a restauração revelou cores e elementos não previstos inicialmente, levando à reformulação do projeto original com o aval do IPHAN. A atuação conjunta entre equipes técnicas e órgãos de preservação tem garantido intervenções mais assertivas. O trabalho é coletivo e exige mediação, ajustes constantes e integração entre arquitetura, arqueologia e museografia. Outro exemplo é que decidimos manter à mostra uma parede com vestígios de uma fachada do século XIX, sendo um testemunho das alterações na arquitetura do palácio ao longo do tempo.

Harpia — Na sua trajetória, você vivenciou de perto processos complexos de implantação de museus. Como tem sido participar da reconstrução do Museu Nacional e o que tudo isso pode trazer para o futuro?
Larissa Graça — Antes de 2018, sabíamos que o Museu Nacional operava dentro do que era possível na época. Agora, nosso compromisso é entregar à sociedade um museu ainda mais qualificado. É evidente que o incêndio foi uma tragédia — algo que jamais deveria ter acontecido —, mas agora vamos reconstruir com tecnologias contemporâneas, especialmente observando a segurança. Sabemos que os gestores do Museu Nacional sempre tiveram a intenção de requalificá-lo, mas esbarravam na escassez de recursos. No Museu da Língua Portuguesa, vivi de perto os desafios de adaptar edifícios históricos às exigências modernas de segurança, como os sistemas de combate a incêndio. Instalar sprinklers, por exemplo, é um enorme desafio em prédios tombados. No caso do Paço de São Cristóvão, estamos conseguindo reconstruir lajes e sistemas já considerando essas demandas desde o início. O ideal seria que, como sociedade, compreendêssemos que museus precisam de recursos permanentes e requalificação contínua. Temos mais de 3 mil museus no Brasil, muitos com acervos valiosos, mas ainda com estruturas precárias. Tragédias são dolorosas, mas também geram comoção, reflexão para aprimoramentos nas normas de segurança para que sejam evitadas, uso de tecnologias mais avançadas, e a percepção da importância de novas linhas de crédito para as instituições ou até mesmo a sensibilização de investidores particulares, como ocorreu em Paris com o incêndio da Catedral de Notre-Dame. A mobilização foi imediata e massiva, refletindo o valor que a França atribui à sua história e cultura. Durante uma visita recente ao Museu Nacional, a secretária-geral da UNESCO, Audrey Azoulay, nos contou que houve até uma certa “competição” entre bilionários franceses para ver quem doava mais para a reconstrução. Esperamos que mais bilionários e instituições do Brasil e do mundo também reconheçam a importância de preservar nosso patrimônio. A captação de recursos para o Museu Nacional segue ativa, e estamos completamente empenhados para reconstruí-lo com toda a segurança possível, qualidade técnica, com as melhores experiências para os visitantes e a sustentabilidade da instituição após a reabertura. Nosso maior desafio é conseguir mais recursos para agilizar os processos.

Harpia — Larissa, diante de tantos desafios, o que te fez aceitar o convite para participar da reconstrução do Museu Nacional?
Larissa Graça — Na verdade, é paixão. Trabalho com o que amo. Fazer um museu dá muito trabalho, mas é isso que me move. E o Museu Nacional, especificamente, tem um valor afetivo muito grande. Para mim, como profissional da área, com a experiência que carrego, há um componente de realização em poder colaborar. E trabalhar com essa equipe maravilhosa só reforça isso. É um projeto coletivo, feito por muitas mãos — e eu estou muito grata por poder chegar com mais duas mãozinhas aqui para fazer isso acontecer.

Harpia — Para concluir nossa entrevista: o que você espera para o futuro do Museu Nacional?
Larissa Graça — Espero que cada visitante saia tocado de alguma forma por esse museu de história natural e antropologia. Às vezes, uma visita transforma a vida de uma pessoa. Uma criança vem, vê o esqueleto de um dinossauro, e aquilo desperta algo tão forte que ela decide ser cientista. Isso é algo intangível. A minha esperança — ou talvez minha fantasia, meu desejo — é que cada visitante que entrar no Museu Nacional possa sair tocado de alguma forma. Que essa experiência — seja pelo conteúdo, pela exposição ou simplesmente por entrar no prédio e conhecer esse monumento — provoque perguntas, reflexões. Que desperte uma percepção da história, um sentimento de pertencimento. Que isso gere algum tipo de reflexão sobre a própria vida. E que ajude também a gente a se reconhecer como brasileiros, a enxergar a potência de um país que pode sonhar, que pode pesquisar, que pode se perceber grande. Para mim, o Museu Nacional carrega um verbo importante: o esperançar. Que cada visitante possa sair daqui esperançando algo — para si e para o nosso país.
Saiba mais:
Para conhecer mais sobre o Projeto Museu Nacional Vive acompanhe o site. Acesse.
Conteúdo do Harpia Nº 32, abril de 2025.