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Em memória: homenagens aos servidores do Museu Nacional que partiram em 2024

Com saudade, recordamos os servidores que nos deixaram este ano: os professores Jorge Fontella e Miguel Monné, além da servidora técnica Márcia Valéria de Souza. Eles contribuíram significativamente com nossas atividades de pesquisa, ensino e extensão, deixando um legado inestimável e levando o nome e a história do Museu Nacional/UFRJ pelo Brasil e o mundo. Além de inspirações profissionais, deixaram boas lembranças de convivência e amizade. Convidamos pessoas próximas a eles, para cada um ao seu estilo, prestar uma homenagem. Leia a seguir:  

Homenagem ao professor Jorge Fontella Pereira do Departamento de Botânica 
O professor Fontella quando celebrou seus 80 anos
O professor Fontella quando celebrou seus 80 anos

“Querido Fontella,  

É curioso como as pessoas pensam em homenagear as outras quando elas não estão mais entre nós fisicamente. E, sim, você recebeu lindas homenagens da sua família tão querida, de amigos, de amigos botânicos e de ex- e eternos alunos e alunas. No entanto, o que eu vou contar aqui foi compartilhado, vivido e celebrado com você em tempo real. Então, celebremos.  

Eu jamais imaginaria que aquele pesquisador rigoroso e chefe durão da Seção de Sistemática do Jardim Botânico se tornaria, ao longo da minha vida, um grande amigo, meu pai acadêmico e meu eterno mestre. Seus feitos como um grande Botânico estão devidamente informados no seu Lattes e não preciso listá-los aqui. Prefiro dedicar estas linhas para registrar (e não sei se palavras terão tal poder) todo o amor, carinho e respeito por você, e agradecer o privilégio de termos compartilhado tantos anos. Quero agradecer pela sua sabedoria, generosidade e acolhimento. Dizem que cada pessoa que passa pela nossa vida deixa um pedacinho dela na gente e leva um pedacinho de nós. Você deixou muito em mim.   

Quantas caronas de manhã para virmos para o Museu, e tantas outras, no final do dia, voltando pra casa ou pra cuidar do seu espírito. Sim, você sempre foi muito sensível, espiritualizado e estudioso da alma humana, um pouco eclético também, e me ensinou a rezar (seja lá o que isso for). Na bolsa, sempre um guarda-chuva e um casaco extra. “Tá com frio, Fontella?”, “É esse ar condicionado, minha filhinha”.  

“Olha o padeiro no Horto”. Vinha a mensagem no grupo e as formiguinhas saíam pra lanchar. Nosso cafezinho cheirando pelo corredor e levando embora a naftalina, lá ia a turma do herbário e da taxonomia para aquele bate-papo divertido, cheio de causos antigos do Jardim Botânico e do Museu, alguns até impublicáveis. Às vezes, ouvíamos com atenção a mesma história como se fosse uma novidade; puro prazer da conversa. Sorte das gerações de estudantes que tiveram a oportunidade de te ouvir. Entre os causos famosos estão o curso de Botânica do Alberto Castellanos no Museu Nacional nos idos de 1960, a viagem de coleta de Kombi até o Sul (que aventura!), e sua vida multi-institucional. Sem contar as histórias da turma pé-de-valsa que chegava de todos os cantos do Brasil para os Congressos de Botânica.  

Disciplina de Regras de Nomenclatura, uma viagem no tempo em dois tempos: em 1990, como aluna de mestrado, sua fama assustadora se confirmou com a porta fechada às 9h. Quem não entrou, ficou de fora e levou falta. O latim era uma parte ainda mais tensa. Primeira, segunda e terceira declinações; ablativo, dativo, genitivo, acusativo, vocativo e nominativo; como descobrir se um nome de gênero era feminino, masculino ou neutro? Quem publicava uma diagnose em latim sem te consultar? Um taxonomista não vive, nem sobrevive, sem isso. Aprendemos todos os caminhos com você. Segundo tempo com a geração digital: a visita à Biblioteca era ponto alto para mostrar que cenouras não brotam no balcão do hortifruti. Flora Fluminensis, Index Kewensis e seus suplementos, Gray Index, Font-Quer, Taxonomic Literature, Stearn, Dalla Torre, Flora brasiliensis e tantos outros originais. Obrigada pela herança. Espero poder honrá-lo nos ensinamentos sobre o Código. Você sempre foi nossa principal referência.   

Às sextas-feiras, como ninguém é de ferro, Bar do Carlinhos. Não, Rastro de Cobra! Quem viveu sabe do que se trata. E lá estava você no meio da moçada bebendo aquela cerveja impecável e comendo batata frita e moela de frango com farinha, no pé sujo mais sujo de São Cristóvão, ao som do melhor do rock ‘n roll. Como fomos felizes ali… celebrando.  

Final de ano, como não poderia deixar de ser, almoço de Natal do Departamento de Botânica. Mas não só, Jorginho nasceu no dia 7 de dezembro e só foi registrado dia 17. Celebremos, então, duplamente. Foram muitos anos, muitos enfeites, muita comida, muitos bolos lindamente enfeitados, espumante e … discursos. Mais recentemente, os churrascos do Museu Nacional, dia de reunir a turma com direito à aquele forró gostoso. Celebramos.  

 Neste ano de 2024, e nos que ainda virão, você estará sempre conosco, nas aulas de nomenclatura, nas revisões taxonômicas, nas restingas, nos cerrados, nos cafés, nos bares, nas festas e nos forrós. Celebraremos sempre a sua luz.  

 Sua eterna aluna.”, homenagem prestada pela professora do Departamento de Botânica, Andrea Ferreira da Costa. 

 

Homenagem à servidora técnica e coordenadora do Programa de Educação Patrimonial Márcia Valéria de Souza   
Márcia Valéria em evento de iniciação científica em 2019 no Auditório da Biblioteca

“Mulher, negra, de Minas Gerais, era bibliotecária com formação em Conservação Preventiva e Restauração e professora. Participou da reabertura do Laboratório Central de Conservação e Restauração (LCCR) do Museu Nacional/UFRJ, criado anteriormente no ano de 2000, sendo uma das conservadoras a passar no concurso público realizado no ano de 2009. Ela se destacou em sua profissão, tendo reconhecimento profissional em diversas instituições por onde trabalhou, tais como: Fundação Casa de Rui Barbosa, Museu do Ingá, Museu Imperial, entre outros. No Museu Nacional, ela tinha orgulho de coordenar e orientar o Programa de Educação Patrimonial (PEP) oferecido aos estudantes do Colégio Pedro II, por meio do Programa de Iniciação Científica, que posteriormente se tornou um curso de extensão da Universidade, e hoje podemos assistir a um pedaço de seu trabalho no canal do YouTube “Um Museu de Grandes Possibilidades”. A Márcia foi uma colega de trabalho detalhista e muito afeita às atividades que lhe atribuíam. Infelizmente nos deixou cedo, seu falecimento em 2 de julho de 2024, nos pegou de surpresa, e parafraseando as palavras de Susana e Alícia, ex-monitoras da Márcia, publicadas no site Patrimônio Fluminense (acesse), que “a preservação do patrimônio cultural e a educação patrimonial perdem uma profissional de luta e comprometimento que buscava sempre o desenvolvimento social e profissional de seus alunos, construindo cidadãos preocupados com a preservação do patrimônio e da memória nacional”. Homenagem prestada pela servidora técnica e chefe da Biblioteca Central do Museu Nacional/UFRJ, Leandra Pereira de Oliveira. 

  

Homenagem ao professor Miguel Angel Monné Barrios do Departamento de Entomologia 
O professor Miguel Monné com sua coleção de besouros pouco antes de setembro de 2018, clicado pela sua filha, a professora do Departamento de Entomologia Marcela Monné
O professor Miguel Monné com sua coleção de besouros pouco antes de setembro de 2018, clicado pela sua filha, a professora do Departamento de Entomologia Marcela Monné

“Falar de quem nos influenciou, foi importante em nossa construção, é falar muito de si mesmo. Quando cheguei ao Museu Nacional, em meados de 1995, logo eu tive a chance de conhecer o professor Miguel Monné. Figura cativante e que, inevitavelmente, me atraiu imediatamente. Ainda levaria um tempo para eu poder ouvir ele cantar um tango em alguma reunião de amigos, quando seu idioma se afastava cada vez mais do português, indo em direção a um “miguelês”. Naquele momento, eu um jovem professor – talvez naquele momento o mais jovem do Museu – necessitava de referências, e ele era uma grande referência. Sua capacidade de trabalho, conhecimento da literatura e dedicação à instituição e à coleção de Coleoptera do Museu serão sempre uma referência. Apenas tempos depois, soube que ele dormia muito pouco e, mesmo assim, era difícil compreender todo seu conhecimento sobre os vários temas relacionados, principalmente ao seu grupo de trabalho (besouros da família Cerambycidae), taxonomia, nomenclatura e história da zoologia. Ele, quase 30 anos mais velho que eu, era muito avançado no uso dos recursos tecnológicos (para quem é jovem é preciso lembrar que naquela época ainda precisávamos de cópias em papel das publicações que nos interessavam e grande parte de nosso esforço cotidiano era conseguir referências). Incrivelmente, algumas vezes o Miguel era quem me lembrava que precisaria pedir renovação de bolsa, competir em editais etc.   

Normalmente, eu procurava pelo Monné logo após o almoço e, quase sempre, ele estava trabalhando na coleção: organizando os exemplares em gavetas que pareciam não ter fim. Nestes primeiros anos de convivência, certa vez recebi uma resposta estranha de uma revista científica importante em herpetologia. Os dois pareceristas haviam aprovado com pequenas sugestões e o editor principal rejeitou, mas sugeriu fortemente que eu fizesse nova submissão (Infelizmente isso agora ficou comum e, na verdade, se trata de um tipo de trapaça para disfarçar o tempo que a revista está levando para publicar os artigos. Ou seja, eles já emitiram os pareceres com sugestões, quando os autores submetem novamente, eles contam a data da segunda submissão e, assim, parece que todo o processo foi muito rápido). Bem, isso era novidade no final dos anos 90 e um dos pareceristas ficou revoltado e mandou uma carta dura para o editor com cópia para mim. Com isso, fui pego em meio a uma controvérsia entre o editor de um dos mais importantes periódicos da minha área e um cientista famoso e curador da maior coleção de anfíbios do mundo. Suponho, e nunca quis ter certeza, que a cópia para mim da correspondência era para que eu mudasse de revista. Então, fui conversar com o Miguel Monné. Falamos sobre várias facetas do que estava acontecendo e ele levantava prós e contras sobre resubmeter para a mesma revista ou mandar para outra. Na verdade, ele nunca me disse o que fazer, mas ouvir suas opiniões foi importante.   

Miguel Monné participou ativamente da vida do Museu Nacional e foi um cientista produtivo e respeitado por seus pares (para quem quiser saber um pouco mais veja “Vida de Zoólogo” de Ulisses Caramaschi & Marcela Monné, 2018. Informativo da Sociedade Brasileira de Zoologia XL (125): 3-4). Claro que sua invejável produção, principalmente de seus catálogos que poucos cientistas teriam a capacidade e perseverança necessárias para realizar, que fizeram o nome do professor Miguel Monné. Para mim, por outro lado, que me vi sobre seus ombros (desculpem a pieguice), lembro das conversas desinibidas, divertidas e úteis; lembro dele brincando com meu filho em meu colo; cantando tango. Sempre um amigo, mesmo quando raras vezes discordamos”. Homenagem prestada pelo professor José P. Pombal Jr. do Departamento de Vertebrados, lido também no velório do professor Monné, em 7 de setembro de 2024.  

 

 

É com pesar que também lamentamos o falecimento dos vigilantes, que estavam aposentados, Sr. Ivan Ribeiro e Sr. José Aroldo Campos. 

Caso você conheça outros servidores que fizeram parte do nosso corpo social e que faleceram em 2024, por favor, nos informar para acrescentarmos a este conteúdo de homenagens. Envie para imprensa@mn.ufrj.br. 

 Um abraço fraterno para os amigos e familiares dessas pessoas especiais. Nossos sinceros sentimentos! 

 

Conteúdo do Harpia 31, dezembro de 2024.

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