Um lagarto do gênero Lygodactylus, coletado em 1876 pela Comissão Geológica do Império em Fernando de Noronha, foi recentemente identificado nas coleções históricas de herpetologia do Museu Nacional/UFRJ. Por quase 150 anos, espécimes e ovos passaram despercebidos até serem estudados e confirmados como uma nova espécie para a ciência. Não há outros registros, sugerindo sua extinção. Os resultados foram publicados recentemente nos Anais da Academia Brasileira de Ciências.
É assinado pelo biólogo português e pesquisador associado do Museu Nacional, Luis Ceríaco, e pelo professor e curador das Coleções de Répteis do Museu, Paulo Passos, com o título “Historical natural history collections allow the description of a new and presumably extinct species of dwarf gecko (Squamata: Gekkonidae: Lygodactylus Gray, 1864) from Fernando de Noronha Island, Brazil”. Em tradução livre: Coleções históricas de história natural permitem a descrição de uma nova e supostamente extinta espécie de pequeno lagarto da Ilha de Fernando de Noronha, Brasil”.
A nova espécie descoberta
Lygodactylus neglectus, um lagarto do gênero Lygodactylus, é um pequeno réptil diurno, comumente encontrado em árvores, arbustos ou estruturas artificiais como paredes e muros, medindo aproximadamente 5cm a 6cm de comprimento total. Apresenta uma coloração acastanhada no dorso e bege no ventre. O gênero compreende 71 espécies reconhecidas. Embora a maioria das espécies desse gênero ocorra no continente africano, duas espécies já eram conhecidas no Brasil e no Paraguai desde a década de 1960. Essa nova espécie é a terceira do gênero encontrada na América do Sul.
Repositórios da biodiversidade
A descoberta de Lygodactylus neglectus sublinha a importância das coleções de história natural como repositórios da biodiversidade passada e presente. O que mais surpreendeu os pesquisadores foi o contexto da descoberta. Os espécimes que serviram de base para a descrição dessa nova espécie foram coletados pelo naturalista norte-americano John Casper Branner em 1876, durante a expedição científica à ilha de Fernando de Noronha. Foram depositados nas coleções do Museu Nacional, sendo os únicos testemunhos da presença dessa espécie no Arquipélago de Fernando de Noronha, que nunca mais foi vista ou coletada nas ilhas desde então.
De acordo com os dados disponíveis no catálogo histórico das Coleções de Répteis do Museu Nacional, todos os espécimes de lagartos que Branner coletou em Fernando de Noronha em 1876 estavam originalmente em um único frasco. Não há informações sobre quantos espécimes estavam originalmente neste lote, mas o catálogo indica que o lote foi dividido e novos números foram atribuídos aos espécimes individuais e a outros lotes. Atualmente, os répteis coletados por Branner estão distribuídos, correspondendo a 192 espécimes de Trachylepis atlantica e 52 espécimes e nove ovos de Lygodactylus sp.
Supostamente extinta
A biodiversidade do Arquipélago de Fernando de Noronha, assim como a de muitas ilhas oceânicas, tem sido fortemente impactada pela introdução de espécies invasoras. Algumas das espécies endêmicas da ilha foram extintas pela introdução de ratazanas e gatos, sendo provável que a recém-descoberta espécie de lagarto tenha sofrido o mesmo destino. Essa situação é semelhante ao desaparecimento de outras espécies endêmicas de Fernando de Noronha, como o roedor Noronhomys vespuccii, descrito em 1999. A pesquisa ilustra como a preservação, revisão e atualização das coleções históricas são fundamentais para compreender melhor a biodiversidade e os impactos humanos.
A questão que fica: Se extinta, teria sido extinta em tempos coloniais ou atualmente?
Saiba mais:
“Historical natural history collections allow the description of a new and presumably extinct species of dwarf gecko (Squamata: Gekkonidae: Lygodactylus Gray, 1864) from Fernando de Noronha Island, Brazil”. Acesse na Scielo.
Matéria da edição Nº 29 do Harpia.