É curioso olhar para trás e ver como as minhas escolhas — e também algumas felizes coincidências — me trouxeram até o LCCR, o Laboratório Central de Conservação e Restauração do Museu Nacional. Quase tudo passa por aqui, desde o valioso acervo resgatado de relevância histórica, cultural e científica imensurável, que remonta a épocas específicas, até as doações de peças que estão sendo recebidas do Brasil e do exterior. Ninguém restaura nada sozinho. Nossa equipe trabalha de forma coletiva e interdisciplinar, desenvolvendo o trabalho com base em pesquisas aprofundadas, diagnósticos detalhados, processos científicos específicos, arte e diálogos estreitos com os curadores das Coleções para as tomadas de decisão.
O Museu Nacional na minha vida
Das visitas da infância ao Museu Nacional, minhas lembranças são bem fragmentadas da Sala Egípcia e de um dinossauro… Elas ficam um pouco mais claras quando me lembro da época em que fiz um estágio aqui, por volta de 2014, quando eu era estudante da graduação em Conservação e Restauração da UFRJ. Aliás, um curso novo, que acabei escolhendo com dúvidas, mas, ao longo do tempo, fui gostando das possibilidades que a minha carreira me proporcionava.
Fiz meu TCC sobre uma pintura afresco que atualmente se encontra no prédio da Escola de Belas Artes da UFRJ. Nele, explorei os diversos tipos de exames científicos que podem ser utilizados para o estudo da técnica e das deteriorações. E estava na minha banca o conservador-restaurador do Museu Nacional, atualmente aposentado, Carlo Pagani.
No período de Resgate do Acervo do Museu, o Carlo conseguiu que o afresco pompeiano “Dragão e Dois Golfinhos”, da Coleção Teresa Cristina, fosse contemplado na 19ª edição do Restituzioni, que é um programa bienal de conservação e valorização do patrimônio artístico italiano. Essa restauração ficou a cargo dos especialistas da Fundação Centro de Conservação e Restauro “La Venaria Reale”, em Turim. Mas era necessária a preparação e a documentação minuciosa dos 159 fragmentos para o envio para eles, então o Carlo me convidou para trabalhar com a equipe aqui no Rio, como voluntária.
Esse processo me deu uma compreensão mais profunda da técnica afresco, sendo uma oportunidade interessante. Recebemos uma capacitação virtual, de forma geral, sobre o que eles desenvolvem há tantos anos, e, após o restauro, nos enviaram uma documentação detalhada sobre as escolhas e materiais utilizados. Tempos depois, passei no processo seletivo e, assim que o LCCR passou a ter mais espaço físico, comecei a trabalhar como terceirizada.
Rotina alia as experiências de todos
Você pode imaginar que cada peça do acervo apresenta desafios únicos, por conta da amplitude de um museu de história natural e antropologia. Mas estamos com o impacto adicional do fatídico incêndio, como ele foi controlado, e os resquícios do tempo.
Antes de qualquer ação, elaboramos uma proposta de tratamento que precisa ser aprovada pelo curador responsável. Nunca procedemos sem essa autorização, mantendo uma comunicação constante com os curadores para definir as prioridades de trabalho, sempre respeitando as diretrizes estabelecidas por eles.
São vários detalhes pensando na peça agora e também em longo prazo, porque elas não vão ficar na reserva técnica para sempre. Nada poderá ir para uma exposição sem uma consolidação adequada, que vai desde colar pedaços até fechar fissuras, então é importante pensar nas mudanças de temperatura e umidade para cada uma delas. São muitos detalhes e nos pedidos dos curadores são especificados até se é para limpar uma fuligem ou é para mantê-la como está.
No nosso trabalho, usamos materiais modernos e específicos para garantir compatibilidade química e preservar a integridade das peças. A química é fundamental em nosso trabalho, assegurando que os materiais escolhidos não alterem a cor, adicionem brilho ou comprometam a estrutura dos itens das coleções. Além disso, tudo o que fazemos precisa ser reversível, para que intervenções futuras possam ser realizadas sem danos.
Esperança
Eu tenho muito orgulho de trabalhar no LCCR porque vejo de perto o impacto do nosso trabalho. Há muitas lendas sobre a destruição total após todo desastre, como se nada mais restasse. Mas, após a poeira baixar, percebemos que muitos itens são passíveis de restauro, o que nos dá esperança. É um desafio enorme, claro. Quando fazemos pesquisa, percebemos que é raro encontrar um acervo com o nível de dano que temos. Mas ver que nem tudo está perdido, que muita coisa pode ser recuperada, isso me dá uma satisfação imensa. É muito importante preservar períodos específicos da história que, uma vez perdidos, não existirão mais.
Fico especialmente tocada quando penso na reabertura do Museu. Imaginar essas peças restauradas de volta ao contato com o público nas exposições. É um privilégio estar aqui, contribuindo para a preservação e o resgate da nossa história.
Temos muito trabalho pela frente.
Tô indo! Qualquer coisa, manda mensagem!
Jéssica Bondarczuk, cientista e conservadora-restauradora terceirizada do Laboratório Central de Conservação e Restauração do Museu Nacional (LCCR).