Acesse o site do Museu Nacional

Maurílio e as aventuras desde o pioneirismo da paleoarte no Brasil

Um dos meus dias mais inesquecíveis que vivenciei por aqui foi o da inauguração da exposição “Arte com Dinossauros”. Enquanto eu dava os últimos retoques para a abertura ao público externo, fui avisado sobre a fila imensa que se estendia até a estátua do Imperador. Uma equipe de televisão veio para me entrevistar, e o repórter fez questão de perguntar, antes, para as pessoas o que elas estavam fazendo ali. E não restou dúvidas: todas estavam aguardando para ver a nova exposição. Foi um sucesso estrondoso!

Criador e criatura: Maurílio e sua paleoarte. Foto: Diogo Vasconcellos (MN/UFRJ)

E eu decidi colocar uma mesinha na sala e ficar desenhando para ter esse contato próximo com os visitantes, nos finais de semana, em uma troca incrível! Nos primeiros seis meses foi uma loucura e eu fiquei até mais magro, concedendo várias entrevistas e recebendo grupos diversos, escolas, o pessoal do Instituto Benjamin Constant… Aliás, que emoção vê-los tocar as peças com tanta delicadeza e ouvir deles que estavam percebendo como eram os dinossauros!

Eu tenho uma filhinha especial, a Taís, que não tem deficiência visual, mas tem outras limitações e esse contato com eles me emocionou sensivelmente. Ela veio na abertura da exposição ao público do Museu com a minha esposa Bibiana e foi muito importante ter minha família comigo, porque elas são minhas maiores fãs e as pessoas que mais me incentivam. Isso foi em 2015. Inicialmente, essa exposição ficaria uns três meses, mas ela foi ficando até setembro de 2018. Só no primeiro final de semana foram umas 20 mil pessoas. Uma atração de público, que o Museu não via há tempos!

Família: Bibiana com a filha do casal, Taís
Minha chegada à Família Museu Nacional

Minha história com o Museu Nacional/UFRJ começou por meio de um amigo em comum com o Kellner que ficou falando para ele sobre o meu trabalho como artista plástico. Até que ele precisou de um profissional para trabalhar na exposição “No Tempo dos Dinossauros”, que ele foi o curador, e me chamou. Eu ainda não tinha tido nenhuma experiência com paleoarte e cheguei sabendo da relevância e de todo o peso da instituição e de suas pesquisas científicas de destaque internacional. E fui muito bem acolhido!

Inicialmente, eu iria apenas ilustrar os painéis com os ambientes. Aos poucos, fui me envolvendo mais e mais e cheguei a criar um personagem, o Gonti, voltado para atrair as crianças. Criamos até camiseta com ele e foi bem bacana a repercussão. Era um dinossaurinho todo espertinho, que remetia ao Gondwanatitan faustoi. E a cada momento surgia mais um detalhe. Até que me pediram para fazer uma escultura para colocar um pouco escondida. Eu era somente ilustrador e fazer uma escultura realmente foi um desafio. Não ficou tão boa, mas estava aceitável para ser colocada na exposição.

Quando fui me despedir da equipe, após a conclusão desse primeiro trabalho, os professores Sérgio Alex e Kellner me chamaram para tomar um café, me perguntaram o que eu achei do trabalho e o que eu achei das pessoas. E eu respondi que o que eu iria sentir mais falta seria justamente das pessoas que convivi. Isso foi em 1999, e eles me convidaram para trabalhar com eles.

No meu primeiro dia no Departamento, eu pensei que já iria começar a usar a prancheta e os materiais que eles compraram. Mas não foi nada assim. O professor Sérgio Alex logo me entregou inúmeros livros para eu ficar estudando antes de iniciar as ilustrações para os artigos científicos. Eu fiquei “papirando”, “papirando” e “papirando” até ter conhecimento suficiente para poder contribuir com as pesquisas deles e ter meu trabalho nas mais relevantes publicações da área, em nível mundial.

Nessa época, ainda não havia um paleoartista dedicado a se aprimorar nessa atividade no Brasil e os pesquisadores precisavam contar com os especialistas do exterior. Não é a mesma coisa. Ter um artista plástico para trocar diretamente com eles, pessoalmente, estando com eles desde as escavações nos sítios, estudando sobre o assunto e fazendo exatamente o que os dados científicos revelam é um diferencial. Com os pesquisadores do Museu, pude sentar algumas vezes ali nos sítios, junto aos vestígios, e sentir até mesmo aquela atmosfera de onde os dinossauros estiveram há milhões de anos. Tive algumas oportunidades inesquecíveis de acompanhar as escavações pelo Brasil e também na Argentina.

E os pesquisadores sempre estão me passando conhecimentos, estando acessíveis a esclarecer cada detalhe. Eu já dominava o desenho, mas fui percebendo as necessidades dos pesquisadores de ter também esculturas que eu fui me aprimorando, adaptando técnicas até deixar os animais e os ambientes com as aparências que os pesquisadores têm de informações científicas. Lembro até hoje de como foi o dia em que eu fui fazer uma escultura para ser apresentada em uma coletiva de imprensa. Virei noites até conseguir e foi uma satisfação vê-la ilustrando as matérias de diversos jornais.

 

Mas, afinal, o que faz exatamente um paleoartista?

Por meio de uma parceria entre os paleontólogos envolvidos na pesquisa científica e o artista plástico, juntamos as técnicas científicas com as artísticas para a obtenção da possível aparência dos organismos extintos. A minha inspiração sempre foi a do paleoartista Mark Hallett, que criou a expressão paleoarte para resumir a atividade de artes plásticas realizadas a partir das evidências científicas da paleontologia. E, lá no meu início, eu escrevi um e-mail para ele e fiquei muito feliz com o retorno dele surpreso por ter um paleoartista no Brasil e eu respondi que eu era um iniciante ainda. Foi bacana trocar ideias com um ídolo.

Expedição na Ilha do Cajual (MA)

Pouco a pouco, a paleoarte foi se profissionalizando no Brasil e sempre há um espaço para ela nos eventos científicos, incluindo apresentações e até cursos, workshops, entre outros. Lembro que anos atrás eu encontrava uns jovens que me diziam que meu trabalho os inspirava e hoje eles são paleoartistas premiados. Isso me deixa feliz e realizado.

E a ciência sempre está evoluindo e tudo pode mudar porque a ausência de evidência, não é evidência de ausência. A paleoarte feita para cada animal segue o que os pesquisadores têm até o momento da publicação do estudo. Por exemplo, às vezes, não são encontradas nos fósseis as penas de um animal, mas não quer dizer que ele não tenha tido penas. Pode ser apenas uma questão puramente sobre a qualidade de preservação das características ao longo do tempo. Com o avanço de outros achados de materiais da mesma espécie, assim como o avanço da tecnologia, surgem novas evidências detectadas pelos cientistas, novas interpretações e, consequentemente, a representação pela paleoarte acompanha essas evoluções dos estudos científicos. Hoje, já há trabalhos que estão usando uma tecnologia que consegue detectar até a cor que os animais tinham.

É o amor

Desde meu início por aqui, já comecei a perceber o diferencial das pessoas, trabalhando com grande dedicação para dar o seu melhor, sem medir esforços. E esse amor foi me contagiando também! Sinto o Museu como uma extensão da minha casa, um lugar realmente com pessoas acolhedoras e ligadas ao amor que sentimos pelo Museu. Aqui, eu jamais tive um dia rotineiro, sempre tive uma série de desafios importantes para me aprimorar continuamente. Tudo o que aconteceu de melhor na minha vida se deu depois que passei a fazer parte da Família Museu Nacional! Realmente, é uma experiência especial, onde me encontrei sobre o que eu realmente queria me dedicar na vida.

Quando as portas do Museu Nacional forem reabertas, quero que o público encontre as novidades, destacando toda a pujança da nossa instituição, mas que a atmosfera que sempre tivemos seja mantida. Que as pessoas de diferentes perfis continuem sendo recebidas de forma igual e com toda a dedicação e amor das equipes, assim como sempre foi! Isso é essencial.

Fazer parte da Família Museu Nacional sempre foi e é uma grande aventura com maravilhosas descobertas!

 

Maurílio Oliveira

Paleoartista que presta serviços, principalmente, para o Departamento de Geologia e Paleontologia do Museu Nacional/UFRJ.

 

Compartilhe

Facebook
Twitter
Email
WhatsApp
Telegram