Você já leu um nome científico e ficou intrigado, pensando sobre o que ele quer dizer? Buscando informar e também inspirar cientistas de todas as áreas e amadores da ciência, acaba de ser lançada uma publicação com verbetes sobre as etimologias de 1.206 espécies de anfíbios brasileiros. O professor Ulisses Caramaschi, do Setor de Herpetologia do Museu Nacional/UFRJ, é um dos autores e nos conta nesta matéria alguns destaques para todos os interessados na origem e na formação dos nomes das espécies.
Com o título em inglês “Etymologies of Brazilian Amphibians” — ou “Etimologias dos Anfíbios Brasileiros”, em tradução livre —, a publicação oferece ao leitor informações sobre a origem e a história dos nomes dos gêneros e das espécies, incluindo os sinônimos e as evoluções dos nomes ao longo do tempo. Ela está apresentada como suplemento especial da revista “Herpetologia Brasileira”, da Sociedade Brasileira de Herpetologia. Nas 293 páginas, há uma compilação abrangendo desde Rana pipa, a primeira espécie brasileira descrita na décima edição do “Systema Naturae” de Linnaeus (1758), até Osteocephalus melanops, publicada em 20 de dezembro de 2021. Dentro desse espectro, 18 nomes de espécies aparecem no século XVIII, seguidos por 204 no século XIX, 527 no século XX e 457 nos primeiros 21 anos do século XXI. O total de 1.706 entradas primárias são listadas, representando um número muito maior se as desinências e variações de um mesmo nome forem consideradas.
“Foi muito satisfatório realizar esse trabalho para facilitar a rotina de quem descreve espécies, independente da área, podendo também ser uma fonte de inspiração. Essa publicação tem um cunho não tão especialista, o que favorece ser consultada pelas pessoas que se deparam com um nome científico, como o do sapo-cururu: Rhinella diptycha, e queira saber de onde vem esse nome tão esquisito”, avalia o professor do Departamento de Vertebrados do Museu Nacional/UFRJ, Ulisses Caramaschi.
Ele chama a atenção para o número de nomes derivados de diferentes idiomas de diversas partes do mundo, incluindo as indígenas: “Foi curioso descobrir a vasta quantidade de línguas usadas para nomear as nossas espécies”.
Homenagens
Chegando ao Museu Nacional/UFRJ em dezembro de 1984, o professor Ulisses Caramaschi já descreveu dezenas de espécies e nelas prestou suas homenagens a cientistas como Bertha e Adolfo Lutz, Antenor Leitão de Carvalho, Carlos Alberto Cruz, José P. Pombal Jr., entre outros pesquisadores. E também aos donos de propriedades onde foram feitos trabalhos por algum tempo, em alusão a alguma característica do animal ou em referência às localidades onde as espécies foram encontradas, por exemplo. Em alusão à festa popular Bumba Meu Boi, que ocorre em São Luís, no Maranhão, ele nomeou uma rãzinha que ocorre na região como Elachistocleis bumbameuboi.
Ele também já recebeu uma série de homenagens nesse sentido. “A vantagem de ser antigo é essa: de às vezes ser lembrado”, brinca o professor Ulisses. Há umas quatro espécies de anfíbios com seu nome, tem um gênero e duas espécies de opiliões, um besouro, uma mosca, um escorpião, entre outros. Em seus trabalhos de campo, enquanto coletava anfíbios, pegava outros tipos de espécies para os colegas de outras áreas também. Aqui do Museu, o professor José P. Pombal Jr., por exemplo, nomeou um anfíbio como Crossodactylus caramaschii, a professora Marcia Couri descreveu uma espécie de mosca como Fannia caramaschi e o professor Adriano Kury o homenageou com um gênero de opilião. Na nova publicação, tem verbetes que mostram famosos como Luiz Gonzaga, Eric Clapton e Ozzy Osbourne, também prestigiados nos nomes de anfíbios.
Desafios dessa investigação
Até meados do século XX, não havia tanta preocupação com a etimologia. O professor Ulisses destaca que só modernamente os trabalhos passaram a ter o item etimologia, onde os autores definem de onde surgiu o nome, por isso foi um desafio encontrar a origem de algumas expressões. Uma delas foi derivada de um clássico: Hyla, que é um nome comum para pererecas na Europa. “Para achar essa etimologia foi um problema, porque é originário de um poema grego da antiguidade, referente às ninfas. Outros também foram difíceis para serem rastreados, mas conseguimos. Só não conseguimos ainda um nome, descrito na América Central, que não descobrimos quem foi a pessoa homenageada. Presumimos que seja alguém comum, como o proprietário das terras ou algum conhecido no lugar”.
Destaques da Estação Biológica de Santa Lúcia
A nossa tão bonita e importante Estação Biológica de Santa Lúcia, fica na região serrana do Espírito Santo. E o professor Ulisses destaca que essa reserva é uma preciosidade da nossa instituição, sem par, com uma fauna bastante diversificada, merecendo ser mantida e conservada para as pesquisas científicas. De anfíbios, estima-se ter entre 40 e 50 espécies, aproximadamente. Os pesquisadores têm facilidades para trabalhar lá, como usar o alojamento, sendo em local acessível e a comodidade de se locomover pelas trilhas bem demarcadas.
Lá tem um sapinho chamado pingo-de-ouro, que se desloca pelo chão da mata durante o dia e tem uma coloração dourada. “Ele se destaca ao passar pela folhagem da serrapilheira. Por ser diurno, poderia ser facilmente predado, mas ele é venenoso”, explica o professor Ulisses. Ele é do gênero Brachycephalus. “Lá tem também uma perereca com hábitos noturnos e muito colorida, mas somente quando ela se movimenta, e tem um canto muito espetacular. Em posição de repouso durante o dia, ela é igualzinha a uma folha morta, ficando muito bem camuflada. E ela foi descrita pelo Adolfo Lutz do Museu Nacional”, detalha o professor.
Nomes científicos: Como são formados e o que significam?
O professor Ulisses Caramaschi explica a seguir: Os nomes populares pelos quais são conhecidas muitas espécies de animais e plantas, ainda que possam ser muito específicos e se associarem a uma espécie em particular, geralmente não podem ser utilizados para a comunicação científica por causa de sua variabilidade. Por exemplo, uma mesma espécie ou várias espécies semelhantes com grande distribuição geográfica podem ter vários nomes populares, de acordo com a região em que se encontram; assim, a rã comum pode ser cassote ou gia no Nordeste, rã-estrela ou rã-manteiga no Sudeste! Imagine se essa distribuição envolver vários países, cada um com sua língua própria. Em vista disso, objetivando a exatidão da comunicação científica, foi criada a nomenclatura zoológica, como um sistema de nomes científicos aplicados a unidades taxonômicas de animais atuais ou extintos. Da mesma forma, ocorre na botânica.
Atendo-se apenas aos animais, cada espécie é reconhecida por um nome que deve seguir estritamente o Princípio da Nomenclatura Binominal. Assim, o nome científico de uma espécie é a combinação de dois nomes, um binômio: o primeiro é o nome do gênero, seguido do nome da espécie. Assim, como exemplo, temos o conhecido mosquito da dengue, cujo nome científico é Aedes aegypti, sendo Aedes o nome do gênero e aegypti o nome da espécie.
Mas, como são dados esses nomes científicos para as espécies? Pois é possível a qualquer autor que descubra uma nova espécie, ou pelo menos que ele considere ser uma nova espécie, publicar sua descrição segundo o Código Internacional de Nomenclatura Zoológica, o que envolve a atribuição de um nome. Esse nome deve ser escrito com o alfabeto latino e constituir uma palavra própria ou derivada do latim, do grego, de qualquer outra língua (mesmo que não possua alfabeto, como uma língua indígena, por exemplo), ou mesmo por uma combinação arbitrária de letras que se considere formar uma palavra. Ainda, esse autor deve apresentar a etimologia, ou seja, a origem e formação do nome escolhido, mas nem sempre foi assim. Os nomes de espécies mais antigos nem sempre possuem sua etimologia explicitada.
Saiba mais:
- Acesse o PDF gratuito: “Etymologies of Brazilian Amphibians”, que está na página inicial do site da Sociedade Brasileira de Herpetologia. Assinam a autoria da publicação: Esteban O. Lavilla, da UEL – Conicet + Fundación Miguel Lillo, Tucumán, da Argentina, Ulisses Caramaschi, professor titular do Setor de Herpetologia do Departamento de Vertebrados do Museu Nacional/UFRJ, José Antonio Langone, do Departamento de Herpetología, Museo Nacional de Historia Natural, Montevidéu, no Uruguai, e Délio Baêta, pesquisador associado do Setor de Herpetologia do Departamento de Vertebrados do Museu Nacional/UFRJ.
- Código Internacional de Nomenclatura Zoológica. Acesse.