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Juliana Sayão e a potência do que é vivenciado aqui

Tenho a sorte e a alegria de experimentar no Museu Nacional/UFRJ muitos momentos especiais e de fortes emoções há quase 20 anos. Entre eles, considero bem emblemático e potente o momento em que troquei abraços com a equipe do SEMU em janeiro de 2019, durante a inauguração da exposição “Quando Nem Tudo Era Gelo – Novas Descobertas no Continente Antártico”. Era a nossa primeira exposição nesta fase de reconstrução, e eu fui a curadora. Vou relatar para vocês um pouco sobre como chegamos a esse abraço tão especial.

Juliana Sayão na abertura da primeira exposição do Museu após setembro de 2018, na Casa da Moeda. Imagem: Capim Filmes

Nessa exposição, buscamos levar um olhar realístico de como é o cotidiano da pesquisa na Antártica, trazendo os detalhes que conhecemos durante os meses que passamos por lá. Quando pensamos em colocar um manequim, por exemplo, decidimos evidenciar a nossa existência, das pesquisadoras mulheres, indo e coordenando uma expedição na Antártica. Então, esse manequim foi feminino, vestindo as botas e acessórios coloridos, como óculos e gorros, que adquiri ao longo do tempo, porque fazem parte da minha rotina de pesquisas e eu me sinto bem e feliz, usando-os durante a minha estada. Foi uma oportunidade de informar também que as roupas não são como as de um esquimó, assim como muitos supõem, mas feitas de tecido tecnológico. Outro ponto foi mostrar como encontramos os fósseis de poliquetas em abundância em uma das ilhas, que os coletamos com as latas de leite em pó, que levamos para nossas refeições.

 

‘Quando Nem Tudo Era Gelo’. Foto: Raphael Pizzino (UFRJ)

Consideramos muito melhor deixar com esse toque de realidade do que somente apresentá-los arrumados em um acrílico: mostramos como trabalhamos lá e que nem todos os fósseis são tão raros assim. Cumprimos, portanto, nossa missão de informar por meio da exposição, que a Antártica não é uma só. Cada lugar que já visitei foi diferente do outro, são pesquisados com objetivos diversos, buscando diferentes aspectos de suas histórias geológicas. Estou envolvida com essa temática desde 2005, quando colaborei da elaboração do Projeto PALEOANTAR, participando depois das expedições que foram possíveis conciliar com minha trajetória acadêmica. Sem dúvidas, essas vivências foram essenciais para os destaques dessa curadoria.

Como a montagem dessa exposição ocorreu nas férias escolares, eu levava minha filha Betina e ela dormiu algumas vezes na barraca de acampamento que fazia parte da museografia. Aliás, ela tinha 2 anos e meio na primeira vez que eu fui à Antártica e até pouco tempo atrás ela fazia cara feia para o lugar, porque remetia ao período em que ela ficava longe de mim por tantas semanas.

Foi um trabalho hercúleo conceber e montar essa exposição, que foi pensada e realizada com o SEMU, que fez de tudo. Na véspera, já estava completamente pronta, e foi muito bonita essa construção coletiva, porque estávamos na ânsia de trazer o Museu de volta para a sociedade, de alguma forma. Após participar da coletiva de imprensa, encontrei o saguão da Casa da Moeda repleto de gente e, confesso que, para eu não chorar, cheguei desviando de todos que queriam falar comigo. Fiz meu discurso como curadora, lendo mesmo, porque eu não conseguiria falar espontaneamente e me aguentar de tanta emoção. Lembro que eu tremia no púlpito e avistei bem na minha frente o professor Ronaldo Fernandes, do DV, com seu olhar tão atento e tranquilo, e segui me segurando para não chorar. Eu só não me aguentei, quando o Kellner falou duas palavras e começou e se emocionar: chorei junto.

Quando chegou o momento do público entrar na exposição, eu somente quis correr e dar esse abraço tão especial no pessoal do SEMU, que me recordo com tanto carinho. Eles estavam lá em cima, abrindo um tecido branco que tampava os bichos que estavam no teto.

Juliana, Kellner e Thaís Mayumi na exposição ‘Quando Nem Tudo Era Gelo’. Foto: Raphael Pizzino (UFRJ)

Só após isso eu consegui cumprimentar as muitas pessoas que foram nos prestigiar, incluindo os colegas do Projeto PALEOANTAR de outros estados, familiares e também integrantes da equipe da Marinha, como o piloto do helicóptero que lançou a gente em dois acampamentos na Antártica, que chegou com seu filho. Foi um momento de reencontros com pessoas que somente temos contato nas expedições, e o nosso Museu Nacional ali cumprindo o papel de juntar pessoas, histórias e conteúdos para se conectar com a sociedade.

Além dessa exposição tão representativa da nossa reconstrução, lembro com carinho da primeira grande exposição que trabalhei no Museu. Em 1999, eu era estagiária, e inauguramos “No Tempo dos Dinossauros”, que recebeu 220 mil visitantes, ficando como a mostra científica temporária mais visitada no país, na época. Conseguimos recursos e nessa época a estrutura de pessoal era bem reduzida, com poucos técnicos e alguns estagiários. Nós mesmos moldamos uma série de fósseis e eu fiz o crânio de um dos pterossauros. Foi quando o Maurílio  colaborou com o Museu pela primeira vez. A abertura também foi bem emocionante. Eu estava posicionada embaixo de um pterossauro para falar sobre ele e, quando entrou aquele mar de gente, o Kellner veio até a mim e meu deu um abraço, celebrando essa conquista especial.

Túnel do tempo: O recém-doutor Kellner com a então estagiária Juliana
Túnel do tempo: O recém-doutor Kellner com a então estagiária Juliana em 1999 na primeira grande exposição no MN
Publicações marcantes

A minha primeira publicação acadêmica foi no Boletim do Museu Nacional, em 2000, sendo um marco na minha trajetória. Mas foi em 2003 que eu publiquei o resultado do meu mestrado em uma revista internacional: ele é citadíssimo até hoje. Foi um trabalho sobre a paleohistologia de dois pteurossauros. Resumidamente, estudo a estrutura microscópica dos ossos. Iniciei nessa área por sugestão do Kellner e eu embarquei nessa, sendo uma das primeiras pessoas no Brasil a realizar esse tipo de trabalho. Na época, só tinham três publicações sobre osteohistologia de pterossauros, mas o meu trabalho foi o primeiro com lâminas de vários ossos do mesmo esqueleto. Um desses pterossauros depois ficou anos na exposição do Museu.

Coletiva de imprensa no Museu Nacional do artigo da Science sobre ovos e ossos de pterossauros da China
Coletiva de imprensa no Museu Nacional sobre o artigo da ‘Science’ sobre ovos e ossos de pterossauros da China

Entre as publicações de destaque está também a descrição de um dinossauro descoberto na Bacia do Araripe, no Ceará, que estava no Anexo Alípio de Miranda, em setembro de 2018. Fui a primeira autora e o nomeamos como Aratasaurus museunacionali, que significa: dinossauro renascido do fogo do Museu Nacional. Foi publicado na revista “Scientific Reports” do grupo Nature. E, na “Science”, publiquei um trabalho sobre a descoberta de centenas de ovos e ossos de pterossauros da China, junto com o professor Kellner e outros colegas brasileiros e chineses, sendo possível essa realização graças às cooperações internacionais que temos. Foi uma super descoberta e um sonho realizado de estar nessa publicação reconhecida mundialmente!

Na área de divulgação científica, foi bacana ser uma das fontes do documentário e do livro “Em Busca dos Dinossauros”, onde fizemos uma expedição até o Maranhão, por volta de 2001.

2001 - Laje do Coringa, Ilha do Cajual - MA. Coletando fósseis durante a Expedição Em Busca dos Dinossauros
2001 – Laje do Coringa, Ilha do Cajual – MA. Coletando fósseis durante a Expedição Em Busca dos Dinossauros
Caminhos que me trouxeram ao Museu

Nasci no Rio, mas morei fora por alguns anos. Até os 7, vivi em São Pedro da Aldeia, depois fomos para a Inglaterra na fronteira com a Escócia, em seguida fui com minha família para o Chile. Tive uma infância livre, brincando em contato com a natureza, onde eu saía de bicicleta com meus amigos e voltava só no final da tarde. Apenas quando eu tinha 13 anos que a minha história com o Rio realmente começou. Meu pai era militar e minha mãe administradora, sem cientistas por perto como referência. Sou da geração pré-Jurassic Park, sem essa chuva de programas infantis sobre dinossauros e fósseis. Minha história com museus começou na adolescência e passou a ser bem intensa, onde pude visitar os principais do mundo.

O que me despertou para a ciência foi a chegada ao Colégio de Aplicação da UFRJ, que tinha um Clube de Ciências e o professor Álvaro foi um grande incentivador. A propósito, eu fazia parte de tudo: também era do grêmio estudantil e do teatro. Pelo Clube, eu tive a oportunidade de ter uma experiência de estágio na Fiocruz e ali nascia o projeto piloto do PIC Júnior, que é o Programa de Iniciação Científica para o Ensino Médio. Foi muito bom porque despertou a vontade de ser cientista, desisti de querer ser jornalista, como até então eu queria, e também fiquei com a certeza que não deveria seguir com ciências biomédicas, porque não me identifiquei.

Assim que ingressei em Ciências Biológicas, eu queria trabalhar com animais exóticos e desejava estar logo em laboratório, sonhava em estagiar no zoológico, mas tinha que esperar até o 3º período para me candidatar. Mas, nas primeiras férias, uma amiga que também se chama Juliana me ligou falando que tinha se inscrito para uma entrevista de estágio, mas achava que tinha mais a ver com meu perfil. Como tínhamos nomes iguais e estávamos no mesmo período, consideramos tranquilo que eu fosse no lugar dela, onde funciona hoje o Museu de Ciências da Terra, na Urca.

O responsável era o doutor Alexander Kellner, que tinha acabado de chegar do doutorado em janeiro de 1997, e estava fazendo seu pós-doc lá. Achei a sala dele o máximo e me recordo que tinha uma plaquinha do Jurassic Park, que tinha sido lançado há pouco tempo. O trabalho era limpar e fazer um levantamento sobre o que tinha na coleção. Ele abriu uma porta de ferro rangendo de tão antiga e, em meio a muita poeira, me encantei pelas vértebras gigantes de dinossauros e pelo crânio de um crocodilo fóssil do Acre. Dia a dia, fui percebendo que eu tinha talento.

Quando o Kellner passou para o concurso do Museu Nacional/UFRJ, em agosto de 1997, ele me trouxe como estagiária e segui nessa área, fazendo meu mestrado e doutorado no PPGZoo.

2002: fotografando as lâminas osteohistológicas de pterossauros na antiga sala de microscopia do PPGZoo do Museu Nacional/UFRJ

Enquanto eu finalizava meu doutorado aqui no Museu, passei em 2006 para a Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Sempre mantive meus laços com o Museu Nacional, atuando em parceria com os projetos do LAPUG, mas foi em 2018 que retornei ao Museu para desenvolver as atividades de uma licença de capacitação e, em seguida, consegui a redistribuição e passei a ser professora efetiva no Museu.

Em 2002, confeccionando as lâminas do mestrado no antigo laboratório de preparação de fósseis do Setor de Paleovertebrados/DGP
Por que escolhi voltar para o Museu Nacional/UFRJ?

Em 2018, eu vim para passar 6 meses e não voltei mais para a UFPE. Aqui sempre foi a minha casa, onde eu passava a maior parte do meu tempo. Enquanto meus amigos tinham um milhão de distrações pelo Rio, nesse momento áureo de adulto jovem, eu estava no laboratório estudando. A minha relação afetiva pelo espaço sempre foi muito forte e eu fazia isso porque eu me sentia bem. Claro que eventualmente eu saía, mas era com meus colegas de pesquisa. Meu universo sempre girou por aqui, embora eu não morasse perto.

A estada da minha família no Rio também influenciou a minha volta, obviamente. Mas o momento do incêndio foi muito tocante. Na sexta-feira anterior, minha filha estava comigo no laboratório, se distraindo com um tablet e correndo pelo palácio, enquanto eu trabalhava.

Juliana e Betina no Museu, na sexta anterior a 2 de setembro de 2018

Eu penso que não foi por acaso eu estar no Rio neste momento tão marcante. Isso me tocou de tal forma que eu decidi retomar a minha história, definitivamente, com esse lugar que sempre senti como a minha casa. Apesar de nunca ter me distanciado completamente do Museu: sempre participei de bancas, de cooperações de pesquisa e até mesmo aproveitava minha vinda nas minhas férias para trabalhar uma semana por aqui.

E pude voltar com a bagagem que construí enquanto fui professora na UFPE, com meu nome estabelecido na paleontologia, podendo contribuir com este momento de reconstrução do Museu. Talvez se eu tivesse ficado em 2006, eu não pudesse contribuir da mesma forma que posso hoje. Foi importante essa temporada fora também.

Percebo que o Museu Nacional/UFRJ está dentro de mim de uma forma inseparável. Voltei com o sentimento de compromisso com o resgate da minha casa. Aceitar o cargo de diretora-adjunta também faz parte disso: de dar um tempo na grande dedicação nas minhas atividades acadêmicas para fazer algo que vale muito a pena. Sei que essas contribuições de hoje vão deixar um legado. Assim que o Museu se restabelecer, irei retomar minhas atividades de pesquisa, seguindo o curso natural.

Espero, em breve, voltar a ver o Museu em conexão com a sociedade, dentro do seu espaço principal: o Paço de São Cristóvão. Que os pesquisadores possam contar logo com uma estrutura física de laboratório e guarda de coleções para continuar desenvolvendo as pesquisas de ponta com o pioneirismo e a qualidade que sempre tivemos. É só isso o que nos falta hoje, pois de resto continuamos sendo os mesmos, apesar de tudo que sofremos com o incêndio.

Estamos em um momento atípico hoje. Sei que, na época da minha chegada, era muito mais fácil se apaixonar pelo Museu. Desejo que as pessoas que estejam chegando agora também possam olhar nossa instituição com o mesmo carinho e que estejam abertas a contribuir com os cuidados tão necessários nesse momento.

Aproveito esse espaço para agradecer o corpo social, que está trabalhando incansavelmente neste processo de reconstrução do nosso Museu Nacional/UFRJ. Cada pessoa aqui é essencial para mantermos a nossa missão relacionada ao ensino, à pesquisa e à extensão, mantendo o nome do Museu e do nosso país na elite intelectual  mundial, ao mesmo tempo que estamos dia a dia voltados para tornar a nossa produção científica o mais acessível e em diálogo com a sociedade.

Temos muito boas expectativas à vista, em futuro breve, contando com as tão importantes colaborações das pessoas!

Um excelente 2023 para todos nós e o nosso querido Museu!

 

Juliana Manso Sayão

Diretora-adjunta de Integração Museu e Sociedade e professora efetiva da Seção de Museologia do Museu Nacional/UFRJ.

 

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