Com obras raras, amplo e rico acervo reunido e atualizado desde o século XIX, a Biblioteca Central do Museu Nacional/UFRJ se destaca na América Latina. São mais de 500 mil volumes sobre ciências naturais e antropológicas. Nesta matéria, trazemos um resumo sobre essa relevância histórica e um panorama atualizado sobre os próximos passos para iniciar a reorganização do espaço.
A história da criação da Biblioteca se confunde com a fundação do próprio Museu. No livro “A Biblioteca do Museu Nacional do Rio de Janeiro”, Dulce Fernandes da Cunha expressa isso. E a chefe da Biblioteca Central, Leandra Pereira de Oliveira, destaca: “Nossa Biblioteca já aparece no primeiro regimento de criação do Museu. Cabe lembrar que a nossa querida Imperatriz Leopoldina incentivou seu sogro a criar o Museu Real, atual Museu Nacional. Ela trouxe em sua comitiva nupcial uma Missão Científica com naturalistas e artistas, já estimulando a formação de novas coleções”.
Atendendo aos pedidos da Imperatriz, o Barão de Eschwege, que participou dessa comitiva nupcial, doou a obra manuscrita “Descrição Florestal da Colleção de Madeiras dos Sertões do Abaethe (MS)”. Sabemos que foi o Frei Custódio, nosso terceiro diretor, que idealizou e fez todo o movimento para concretizá-la. Há pedidos de orçamento feitos por ele, na época, para compra de material para dar conta das produções de naturalistas. Imagina-se que era apenas uma salinha, reunindo as publicações. Mas que o Frei já expressava o desejo de formar um acervo amplo e relevante”, resume a chefe da Biblioteca Central, Leandra Pereira de Oliveira.
A Biblioteca foi criada oficialmente em 11 de julho de 1863, como registrado em aviso ministerial do Marquês de Olinda. Essa conquista contou com o empenho do responsável pela seção de Zoologia do Museu, Manoel Ferreira Lagos, que conseguiu a incorporação de importante acervo de ciências naturais.
“Nosso acervo foi iniciado por doações importantes que passaram pelo Museu Nacional ao longo do tempo, com obras que eles acumularam ao longo da vida de estudos. Boa parte das nossas obras raras são desse momento inicial. E conseguimos volume de fato, assim como almejado pelo Frei Custódio lá no início, quando foi lançado em 1876 o periódico ‘Archivos do Museu Nacional’, contribuindo para a difusão do conhecimento produzido aqui. Ao mesmo tempo, foi uma oportunidade para recebermos acervos de diferentes partes do mundo, numa grande troca. É por isso que temos publicações em diferentes idiomas. E ele conseguiu o que queria, porque temos um amplo e relevante acervo, estando entre as quatro maiores bibliotecas da UFRJ“, avalia Leandra. Em 1989, a Biblioteca Central ganhou um prédio exclusivo no Horto Botânico, o que favoreceu o melhor acondicionamento dos volumes.
Nossas preciosidades bibliográficas
A Biblioteca Central do Museu Nacional/UFRJ possui aproximadamente 507.233 volumes, segundo dados de 2020. Entre as obras raras, temos 1.572 títulos, sendo no total 3.682 volumes. Mais do que números, temos relíquias como os pergaminhos de Ivriim, mais conhecidos como Torá. Trata-se de um manuscrito que pertenceu a D. Pedro II, tendo como data provável de origem os anos entre 1200-1300 d.C. Entrou na Biblioteca Central em 12 de setembro de 2018.
Neste momento, todo nosso acervo bibliográfico está acondicionado e guardado por conta das obras de manutenção e ampliação do prédio. Assim que a Biblioteca Central for reaberta, poderão ser retomadas, por exemplo, as visitas mediadas que professores das pós-graduações costumam realizar com seus estudantes.
Um dos destaques é o incunábulo “Historia Naturale“, escrito por Plínio, O Velho, em edição de 1481, com carimbo da Imperatriz Leopoldina. “Esse incunábulo foi publicado em Veneza na época da invenção da máquina de impressão. Tenho pesquisado e até encontro edições próximas, mas com esse ano é uma das únicas que vi até agora. É uma das obras que vieram da família imperial para o acervo do Museu. Está prevista a restauração dele em breve”, explica Leandra.
Perguntada sobre as obras que considera mais bonitas, Leandra responde: “Particularmente, gosto dos livros da naturalista e pintora Maria Sibylla Merian por ser mulher e publicados em 1700. Um dos meus favoritos é o que traz ilustrações sobre metamorfose de insetos e plantas”.
Temos o primeiro periódico impresso publicado no mundo, em 1665: “Philosophical Transactions” da Royal Society of London, que ainda está em circulação e disponível no Portal da Capes. Com a Proclamação da República e o exílio de D. Pedro II e de sua família na França, as publicações sobre ciências naturais foram encaminhadas para o Museu Nacional. Muitas outras doações e aquisições têm sido feitas ao longo do tempo.
O início do processo de digitalização
Estão digitalizadas aproximadamente 50 obras raras em alta resolução, ficando disponíveis para consulta pública na Biblioteca Digital de Obras Raras do Museu Nacional. “Como são raras, o ideal é que não sejam manuseadas e, assim, possamos preservá-las para as próximas gerações. O processo de digitalização traz inúmeros benefícios, como facilitar a consulta de qualquer lugar do mundo com mais agilidade. E essas imagens também comprovam que a obra original é do Museu, caso seja furtada no futuro, porque precisamos sempre estar atentos a isso”, explica Leandra.
Na época que o professor Sérgio Alex foi diretor do Museu Nacional/UFRJ, foi conseguido um financiamento para a digitalização do acervo. Alguns acervos bibliográficos mais atuais também estão sendo beneficiados e conseguimos uma emenda parlamentar recentemente para retomar essa digitalização, com a aquisição de um moderno scanner e materiais de conservação preventiva do acervo, por exemplo.
Todos os volumes de “Archivos do Museu Nacional” já estão digitalizados e sendo enviados por e-mail para os pesquisadores que os solicitam. Eles já se encontram parcialmente disponibilizados no Portal de Periódicos da UFRJ, além das demais publicações que serão digitalizadas.
Redes de bibliotecas conectadas
São recebidos pedidos de pesquisadores do Brasil e do exterior e precisamos estar em rede para ajudar na localização de publicações. “As bibliotecas tinham a pretensão de reunir tudo o que foi produzido sobre determinado assunto. Sabemos que é algo impossível. Então, como conseguimos ampliar nosso leque de acervo? Cooperando com outras bibliotecas.
“Historicamente, as bibliotecas assinavam periódicos impressos e nós tínhamos algumas assinaturas. Por isso, temos disponíveis inúmeros conteúdos que somente tem no Museu Nacional/UFRJ”, informa Leandra.
Fazemos parte de diferentes redes de cooperação. No Catálogo Coletivo Nacional (CCN) temos status de base referencial. Nela, ficam títulos de periódicos com dados bibliográficos, periodicidade, ano e listagem das bibliotecas que tem o fascículo para consultar. Temos na UFRJ a Base Minerva, catálogo que reúne o acervo de todas as bibliotecas integradas ao Sistema de Bibliotecas e Informação (SiBI) e também contamos com redes parceiras. Uma delas é a Rede de Bibliotecas e Centro de Informação em Arte do Estado do Rio de Janeiro (REDARTE/RJ), com o acervo especializado em arte e cultura. “Quando um pesquisador do Museu precisa de determinado conteúdo, eu solicito nessa rede e, prontamente, recebo. Assim, eu repasso a informação para o meu pesquisador. Essas grandes redes nos ajudam a aumentar o leque de atendimento”, destaca Leandra.
As bases de textos completos estão em portais de periódicos e demais conteúdos da CAPES, Proxys da UFRJ com a base de dados comprada pela Universidade, por exemplo. Temos também o Pantheon, repositório da UFRJ e a Biblioteca Digital de Obras Raras (BDOR), que o Museu Nacional/UFRJ faz parte, incluindo alguns digitalizados. Mesmo neste momento em que a Biblioteca Central está fechada, a equipe do Museu Nacional/UFRJ contribui com os pesquisadores buscando em outras bibliotecas ou treinando o pesquisador sobre como proceder para conseguir as referências que ele deseja.
Projetos em andamento
Temos alguns projetos em andamento na Biblioteca Central. Entre eles estão:
– Catálogo de Obras Raras do Museu Nacional, organizado por Leandra Pereira de Oliveira, Mariângela Menezes e Vânia Melo da Rocha de Jesus Alves (Edital FAPERJ N. 36∕2021: Programa Apoio à Editoração e ao Audiovisual Comemorativo do Bicentenário da Independência e do Centenário da Semana de Arte Moderna – 2021).
– Biblioteca Central: um Espaço no Museu Nacional para a Produção de Conhecimento em Ciências Naturais e Antropológicas, coordenador por Leandra Pereira de Oliveira (Edital FAPERJ no 44 – Programa de Apoio à Atualização e Manutenção de Acervos nas Instituições de Ensino Superior e Pesquisa Sediadas no Estado do Rio De Janeiro – 2021).
– Biblioteca Imperial e o Museu Nacional: Elos e Interações Digitais, coordenado por Leandra Pereira de Oliveira (Nossa Escolha 2021).
– Clube Literário Encontros, projeto de extensão da Seção de Assistência ao Ensino (SAE) em parceria com a Biblioteca Central do Museu Nacional/UFRJ. Iniciado em 2022, os responsáveis já estão pensando como será a próxima edição de 2023.
Reforma na Biblioteca segue plano já existente antes de 2018
A obra principal desse prédio localizado no Horto Botânico do Museu Nacional/UFRJ foi concluída para o que chamamos de primeiro Pronac para a Biblioteca, e estamos na fase de pequenos ajustes, como a conclusão das ligações de redes de internet e energia. De acordo com a chefe de Gabinete da Direção, Mariah Martins, trata-se de uma obra robusta, já tendo sido prevista antes de setembro de 2018:
“Dentro de alguns meses, teremos esse espaço super importante, ampliado e renovado, seguindo toda a segurança adequada, tanto para o valioso acervo como para as pessoas que frequentam suas instalações. Já estava previsto que esse prédio iria abrigar setores compatíveis com esse tipo de acervo, como a Seção de Memória e Arquivo (Semear), alguns setores da Antropologia que têm acervo em papel e a própria Biblioteca Francisca Keller do PPGAS. Conseguimos passar para o patrocinador a importância da realização dessa importante reforma e com essas peculiaridades do Museu Nacional/UFRJ. Era já uma ideia de longa data deixar o Paço de São Cristóvão dedicado somente às exposições, conseguimos implementar agora e, em breve, poderemos usufruir desse espaço e receber o público do Brasil e do mundo da melhor forma”, explica Mariah.
O segundo Pronac está aprovado, com os recursos em conta para dar andamento às instalações dos elevadores e do sistema de ar-condicionado, seguindo todos os procedimentos necessários. Além disso, foi dada entrada no licenciamento chamado Habite-se. Posteriormente, o amplo acervo poderá começar a ser organizado no local.