Uma expedição científica realizada na Região dos Lagos Fluminense traz para a Coleção de Sedimentologia do Museu Nacional/UFRJ 25 amostras representativas dos diversos estágios das variações do nível relativo do mar e do clima no Brasil. Trata-se de uma recomposição para o acervo científico na qual conseguiram reconstituir as condições geológicas, oceanográficas e paleoambientais nos últimos 11.500 anos A.P (Antes do Presente) no sudeste brasileiro. O trabalho de campo ocorreu durante quatro dias do mês de julho com a participação de estudantes do Curso de Geologia da UFRJ, liderado pelo professor titular João Wagner de Alencar Castro do Departamento de Geologia e Paleontologia (DGP).
No último dia, por ser celebrado o Dia da Terra, foi realizada uma aula sobre variações do nível marinho na Fazenda Jesuítica Campos Novos – Cabo Frio. Participaram cerca de 200 pessoas, incluindo, estudantes, representantes de prefeituras locais, instituições de pesquisa e organizações do Terceiro Setor. “Foi emblemático por essa aula de campo ocorrer em um dia tão especial – o Dia da Terra. Nossas pesquisas envolvem a história geológica do planeta, principalmente o Quaternário, que foi o período das grandes transformações ambientais”, ressalta o professor João Wagner, chefe do DGP e coordenador do Laboratório de Geologia Costeira, Sedimentologia e Meio Ambiente (LAGECOST).
Relevância das amostras coletadas
O professor João Wagner tem inúmeros trabalhos já realizados no litoral do sudeste e nordeste brasileiro, especialmente em Geologia Marinha, Geologia Costeira, Geologia Ambiental e Sedimentologia. Alguns deles, publicados recentemente nas revistas Marine Geology e South American Earth Science. “A partir das informações contidas no trabalho versando sobre a curva de variações do nível do mar, conseguimos reconstituir os ambientes passados a partir de dados geocronológicos e paleoambientais das amostras que serão incorporadas à coleção de Sedimentologia do Museu Nacional, que está em recomposição. Trata-se de uma grande conquista para as pesquisas que avançam de forma significativa, destaca o professor João Wagner. Ele dividiu os estudantes para coletarem as amostras em 25 afloramentos distintos, onde já tinham sido coletados materiais antes de setembro de 2018.
“Foram coletadas amostras, como conchas de moluscos, vermetidios, rochas de praia (beach rocks), areias de praia, areias de dunas, lamas orgânicas e minerais pesados. Essas amostras, têm uma grande importância científica, histórica e geológica, muitas delas, também tem relevância econômica. Algumas são utilizadas na indústria do petróleo, como provenientes de ambientes análogos à camada pré-sal. No Cretáceo, há 60 milhões de anos, alguns ambientes tinham uma certa similaridade com as condições deposicionais atuais, explica o professor João Wagner Castro.
Grande parte das amostras coletadas, associam-se a chegada da ressurgência costeira na Região de Cabo Frio, há aproximadamente 4.000 anos A.P. As condições climáticas eram bem mais quentes e úmidas em relação as condições atuais. A vegetação local era completamente diferente da que encontramos hoje. No sudeste, temos hoje, um clima tropical úmido, com elevado índice de chuvas. Mas, em Cabo Frio, em especial, representa um enclave climático dentro do estado do Rio de Janeiro, que sugere, uma sedimentação muito voltada o desenvolvimento de dunas, associada a climas mais secos. Com a chegada do fenômeno da ressurgência, com águas mais frias, por volta de 4.000 anos atrás, o clima ali passou a ser semiárido, bem similar ao clima do nordeste Brasileiro”, explica o professor.
E completa: “Conseguimos coletar material entre o Pleistoceno – Holoceno, período considerado muito recente do ponto de vista geológico. Essa transição de tempo, marca condições climáticas completamente diferentes das atuais, sugerindo um nível do mar bem abaixo do nível atual e bem mais frio. Aqui no Estado do Rio de Janeiro por exemplo, na região de Itatiaia, registrava-se manto de neve durante quase todo ano nesse período tempo geológico.
Cabe destacar que nossa instituição tem a tradição de pelo menos 170 anos em estudos que envolvem Geologia e Sedimentologia. A Geologia Marinha no Brasil surgiu no Museu Nacional, em 1919, com as grandes expedições para as ilhas oceânicas brasileiras. Em 2003, organizamos a última grande expedição para essas ilhas, cujos resultados foram publicados por meio de dois livros. O professor João Wagner, destaca que o Departamento de Geologia e Paleontologia, por meio do Setor de Geologia Sedimentar e Ambiental (GSA), sempre foi o guardião dessa história geológica relativamente recente do planeta Terra, reunindo amostras sobre a sedimentação costeira-marinha e bacias sedimentares de diversas partes do Brasil e de diferentes partes do mundo. Parcerias estão sendo estabelecidas para essa recomposição dessa coleção.
“Por conta da pandemia e da falta de recursos ficamos durante três anos impossibilitados de realizar trabalhos de campo. Essa expedição foi possível graças ao financiamento do CNPq e ao apoio da UFRJ”, informa João Wagner.
Próximos passos para a recomposição da Coleção de Sedimentologia
Até setembro de 2018, tínhamos 1.000 amostras catalogadas na Coleção de Sedimentologia. Dessas, foram recuperadas 90 amostras. O professor João Wagner avalia que o material resgatado no Paço de São Cristóvão rende, por si, uma tese de doutorado, porque algumas amostras de sedimentologia foram transformadas em pó pelos impactos do incêndio. “Tudo o que era em material calcário e carbonático, como as conchas, foram transformadas em um pó muito fino, com uma aparência de talco, perdendo todas as referências. Já as areias de praia ou de dunas, ao ficarem submetidas a uma temperatura de 1.200 Cº, foram transformadas em arenito, que é rocha sedimentar”, explica.
Até o momento, coletamos 85 amostras por meio de trabalho de campo. Estamos com uma campanha de solidariedade junto aos demais pesquisadores do DGP e também de outras instituições de ensino do Brasil e do mundo, visando a ampliação dessa importante coleção de referência. Essa cooperação é essencial para o avanço das pesquisas e da recomposição das coleções científicas”, avalia o professor João Wagner. Ele ressalta: “Convido todos os pesquisadores a fazerem o mesmo em seus departamentos. Essas ações de cooperação são fundamentais para a recomposição das diferentes coleções científicas e expositivas do Museu Nacional”. Estamos programando um resgate de uma grande ossada de baleia, encalhada a 5.000 anos A.P, distante há 10 km da atual linha de costa do município de Cabo Frio, no Rio de Janeiro.