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Descaso com a ciência: construção em geossítio de Itatiaia

Um local de relevante importância científica e didática para a Geologia e a Paleontologia está ameaçado pela invasão e construção de uma casa. Conhecido como “Leque do Itatiaia”, ele é o único depósito sedimentar do Estado do Rio de Janeiro com uma rara ocorrência de carvão mineral, fósseis vegetais e microfósseis de pólens e esporos. Dados como esses informam como era o clima na região entre 34 e 23 milhões de anos atrás. Além disso, como tem fósseis, ele está caracterizado como patrimônio cultural brasileiro.

Antes de 2017, quando os pesquisadores podiam estudar o sítio geológico. E agora com a casa e um muro sendo construídos como ‘posse’ no afloramento que tem fósseis, prejudicando conhecimentos de 34 a 23 milhões de anos atrás

“Há anos estamos buscando o tombamento do local, mas é um tema extremamente novo judicialmente. Muitos olham e veem um simples barranco, entretanto, é um afloramento rochoso de importância científica e didática de valor inestimável, com camadas muito bem marcadas, representando um depósito sedimentar no sopé do grande maciço do Itatiaia, formado no Oligoceno”, ressalta o professor do Departamento de Geologia e Paleontologia do Museu Nacional/UFRJ, Renato Ramos.

Todos os anos são recebidos aproximadamente 150 estudantes e pesquisadores de diferentes universidades. Desde os anos 1970, pelo menos, os estudantes de graduação e de pós-graduação do Instituto de Geociências (IGEO) da UFRJ são levados para conhecer as características desse geossítio. A partir de 2005 foi iniciado o trabalho de campo do Curso de Especialização em Geologia do Quaternário do Museu Nacional, sempre no mês de maio. Já em novembro é a vez dos estudantes do Programa de Pós-Graduação em Arqueologia na disciplina Estratigrafia e Sedimentologia, com aulas desde 2007.

Estudantes da disciplina Sedimentografia, da turma de 2016, elaborando perfis estratigráficos no afloramento do ‘Leque do Itatiaia’
Resumo do caso

Em 10 de maio de 2017, foi apresentado o projeto “Caminhos Geológicos” para os técnicos da Secretaria de Planejamento e Assessoria Especial de Cultura de Itatiaia, tendo no grupo o professor Renato Ramos. Como as pessoas somente podem conservar o que conhecem, a ideia era levar as informações para o público leigo, implantando placas explicativas de geossítios selecionados do município, enaltecendo a história e as riquezas geológicas. Foi destacado na apresentação que um afloramento rochoso situado no bairro Vila dos Pinheiros, em Itatiaia, tinha valor inestimável para a ciência, sendo chamado entre os cientistas de “Leque do Itatiaia”, onde haviam sido feitas diversas publicações científicas. Entretanto, em novembro, um funcionário da prefeitura, lotado na Divisão de Registros, ocupou um dos lotes com uma cerca alegando o terreno ser uma “posse”, justamente no local de maior relevância didática e científica.

Pesquisas científicas prejudicadas e obra avançando, mesmo com as decisões do Ministério Público Estadual e Federal para a desapropriação do terreno

Imediatamente, o grupo de pesquisadores acionou a Prefeitura de Itatiaia para a desapropriação do terreno e o tombamento do afloramento. Nessa ocasião, a Associação Itatiaiense de História também solicitou a preservação, o tombamento e a desapropriação do terreno. Além da UFRJ, com o Museu Nacional e o IGEO, emitiram cartas pesquisadores da USP e da UFRuralRJ, entre outras instituições de ensino e pesquisa.

Em janeiro de 2018, foi realizada uma reunião na Prefeitura de Itatiaia com uma série de pesquisadores de universidades públicas solicitando o tombamento do geossítio “Leque do Itatiaia”. Seis dias depois, a Prefeitura emitiu o alvará de construção de planta popular para esse terreno em situação de “posse”. O funcionário da Prefeitura começou a construir a casa e, no final de 2021, um muro junto ao afloramento rochoso. O muro ainda não foi derrubado, apesar da decisão judicial. E, mesmo com as decisões do Ministério Público Estadual e Federal para a desapropriação do terreno, não estão ocorrendo fiscalizações e a obra continua avançando.

Antes de 2017, o patrimônio cultural brasileiro ‘Leque do Itatiaia’ recebendo pesquisadores para aprimorar o conhecimento científico

Os moradores do bairro mantinham o terreno limpo há anos, evitando que fosse transformado em depósito de lixo porque estavam buscando que ali fosse construída uma praça pública. “Uma praça ali seria o ideal para que as pesquisas científicas fossem mantidas e o local também pudesse receber visitas escolares, ativando o nosso projeto ‘Caminhos Geológicos’ com informações acessíveis a todos”, avalia o professor Renato.

Ele destaca que nas aulas os estudantes de graduação e pós-graduação precisam ver os detalhes do afloramento rochoso de perto e depois se afastar para observar o local como um todo, e isso faz parte da didática. Assim, a casa em construção já está atrapalhando o acesso pleno e a visão dos estudantes, por isso a importância da desapropriação do terreno e demolição da casa o quanto antes. E completa: “Nada como ter geólogos permanentemente no local para avaliar riscos de deslizamentos, até porque ali tem imensos blocos rochosos na encosta do morro, o que torna perigoso ter moradias embaixo”.

Professor do Museu Nacional/UFRJ, Renato Ramos
Saiba mais:

Afinal, o que é um geossítio? Geossítio ou sítio geológico é o local onde existe um patrimônio geológico de relevância científica. O “Leque do Itatiaia” é um afloramento, que é a exposição de uma rocha, com valor científico evidente porque contém informações científicas sobre a evolução geológica da Terra naquela localidade.

 

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